segunda-feira, 18 de julho de 2005

# bem-me-quer, malmequer

Todo garoto, se não desvirtuado ou idiota, tem em sua passagem terrena gosto pela pluralidade clubística e pelos casos múltiplos de amor, ocultos e não correspondidos pela mulher dita amada.

Nesta fase, gosta-se de várias, de diferentes, uma a cada semana, dependendo apenas dos bilhetes mal respondidos, dos olhares levemente trocados ou dos lanches de recreio à distância divididos.

Ademais, como esquecer das reuniões vespertinas para estudos escolares, nas quais se angustiava pela presença ou ausência da menina-dos-olhos no grupo? Ou, então, como não lembrar dos incautos e inconfessáveis escritos feitos em cadernos chamados de confidência, nos quais se lia e relia as opiniões dolosamente não reveladas por aquela alma gêmea momentânea?

Todas as vezes, quando perguntado, dizia-se que se namorava luízas, que se dava beijos em ritas, que se deitou com lígias ou que orgulhosamente se refutou as doçuras de cecílias.

Eram, em todos estes casos, assunções feitas nas tentativas de elevar ou manter a própria auto-estima grupal, solidificar a fortaleza digna de um cabra-da-peste ou, no mais das vezes, apenas tentar demonstrar ou imaginar o eco de algo platônico.
 
E é esta imperfeita ou vazia ligação amorosa que também nos cerca quando, em fases de outrora, adotávamos dois, três, quatro – ou quantos nossa imaginação pudesse eleger – times de futebol.

Fui corintiano (com direito até a apelido de bairro) e depois são-paulino; fui gremista, de uniforme, hino e faixa; fui cruzeirense, com camisa feita sob encomenda e fui fluminense, com cartas descritivas endereçadas ao bigode; diz a lembrança, até, que pelo vitória da bahia e pelo santa cruz eu também torci, mas daí já não acredito.
 
Porém, de todos estes amores passageiros, reais ou não, o que mais marcou certamente foi o botafoguense, que surgiu do nada, de uma negra luz de décadas sem coisa alguma ganhar para ocupar-me com vibrações e comemorações emocionadas e históricas.

Claro que de todo este elenco, nenhum restou, nem mesmo gostos esparsos ou alegrias de glórias repentinas. Nada era perfeitamente simbiótico e em nenhum sentia uma reciprocidade próxima, uma presença de corpo e alma. Hoje, e também talvez por isso, como desd’antes os primeiros passos de vida, eu sou Clube Atlético Paranense. Única e exclusivamente. Um casamento à moda antiga. Uma relação monogâmica e, posto que não é chama, eterna e imortal.
 
Entretanto, neste último domingo, digo com bastante sinceridade que as cores alvi-negras da estrela solitária voltaram a me contagiar e a me adular. Este assédio fez reacender uma paixão esquecida, reencontrou um amor perdido, tem de novo aquela amante imemorável para os momentos fugazes, mas que talvez venha para ficar.

Percebi que ontem, com os resultados dos jogos em curitiba (três a zero) e em belo horizonte (três a dois), consegui satisfazer-me em dosa dupla, sentir uma alegria conjugada que há tempos não vivia neste mundo da bola.
 
Afinal, devo confessar, não é todo dia que dois amores são tão bem correspondidos...

 

sexta-feira, 15 de julho de 2005

# cacos


A leitura feita pela cigana não poderia mostrar um destino diferente, pois, sabiamente, nas linhas tortas da vida tem-se os certos escritos divinos.
 
Por alguns momentos, o mais racional dos seres esquece esta virtude, deixa de tê-la e age, apenas, pela irracional emoção.

Não seria possível, jamais, se permitir a crença gratuita e cega em resultados tão incertos.
 
Ficou inteligível a deficiência técnica do todo, assim como ficou clara a incompetência de alguns, mas nada ficou tão transparente como a certeza da mediocridade estúpida de outros, nomeadamente aquele que não tinha mérito, capacidade ou muito menos moral para cumprir uma missão tão sublime e decisiva, um pênalti que tomou proporções similares àquele cobrado (e errado) pelo galinho de quintino na copa de 86.
 
A noite de quinta-fera trouxe à tona a relativa falácia daquele ditado que diz ser o futebol uma caixinha de surpresas.

Não foi.

Individualmente, com alguma parcialidade, indicar-se-ia um empate técnico entre os goleiros; no mais, uma superioridade adversária vista a olhos nus, que inclusive fez-me indicar este algoz, já há algumas semanas, como o maior candidato ao título nacional deste ano.

Mas, por favor, nada que justificasse, sem qualquer clemência – e o próprio embate foi um exemplo – a queda-livre de quatro, ao vivo, em rede mundial.

Como a vida, o mundo da bola também é impiedoso, cruel e injusto.
 
Hoje, a ressaca mostra o que é perder uma final de copa do mundo particular, quase solitária.

Você não vê o galvão esgoelar-se em choros, você não nota os nordestinos a compor chatos repentes trágicos e você não sente um luto não-oficial de sete dias pela derrota canarinho.
 
Diferente, isolo-me em um desconforto pessoal, individualizado e privado, que contrasta com o sentimento de indiferença de dezenas de milhões de pessoas, ou, pior, com a (recôndita) alegria da outra metade desta cidade e o (tresloucado) êxtase de uma inumerável nação tricolor-paulista.

Não há purgatório, o céu e o inferno estão aqui, lado a lado, em formas unívocas de convivência.
 
Definitiva e sinceramente, é claro que o vice-campeonato é uma bosta.


 

domingo, 10 de julho de 2005

# gênese moderna em dia de clássico

Dizem alhures que estamos diante do apocalipse, ou, talvez de modo conjugado, que finalmente descobre-se a nascente de todos os males imediatamente responsável pelo dia do juízo final. Não acredito, puro engodo.
Trata-se, na verdade, de mais uma falácia propalada pelo baixo clero, reflexo da sua lânguida decadência no novo mundo do futebol nacional.
O futebol não dá mais espaço para amadorismos, de dirigentes, de atletas ou, principalmente, de torcedores, que ululam por bobagens como novas cantinas, novas salas, novo campo ou uma nova vitória contra times de belém do pará.
Chega a ser cômico ver o que aconteceu neste domingo. Não queríamos, não fazíamos questão e não nos importava o resultado do jogo; e, para isso, dispusemos de um time ‘B’ (e olha que nem no ‘A’ temos muita coisa para oferecer) para se entreter e treinar. Em suma, jogamos com um time reserva, para um público mandante despretensioso e com jogadores abaixo do medíocre. Mesmo assim, o outro lado não conseguiu sequer um empate.
Definitivamente, não penso estar diante do fim do mundo; penso, apenas e indubitavelmente, estar diante de um mundo novo, que deixa para trás o paleozóico tempo do futebol - aquele dantes jogado e motivado por velhos, assistido por polaquinhas de bochechas rosadas e enfeitado por araucárias - e que acaba com quaisquer esperanças de um retrocesso, a deixar apenas a nostalgia da memória e as edições setentistas da revista placar para deleite das gerações vindouras.
Hoje, sabe-se que o novo mundo do futebol, já na era pós-moderna, exige dos clubes a velocidade e o comportamento revolucionário de um furacão. E isso apenas um clube do sul apresenta-se e consolida-se internacionalmente como tal, com atitude, estrutura e resultados.

sexta-feira, 8 de julho de 2005

# caminhando nas nuvens, com os pés na estrada

Seria sonho, se não fosse real. Seria mágico, se não fosse crível.
Seria mentira, se não fosse verdade. Seria um futuro, se não fosse o presente.
A nos separar, 720 quilômetros completados; a me acompanhar, 3 amigos e mais de 15.000 missionários para assistir, torcer, xingar e aplaudir os primeiros 95 minutos da vida de um clube de 1.924, ora reservados nos pés (e mãos) de 11, 12 ou 13 pessoas.
Seriam apenas números, se não representassem a maior emoção de todo e qualquer grande adepto do futebol em um momento qualquer parecido.
No período de voluntário exílio na Europa, acompanhei, in loco e solitariamente, o êxtase do povo local ao seguir a trajetória (de sucesso final) do Futebol Clube do Porto ao título europeu; hoje, acompanho, in loco e bem acompanhado, o êxtase do meu povo ao seguir a trajetória do Clube Atlético Paranaense à última etapa do título americano. Inigualáveis situações, incomparáveis momentos.
O que presenciei naquelas cinco horas dentro e aos arredores do Gigante da Beira-Rio seria inimaginável, se não milimetricamente descritível na minha mente, ainda que certamente difícil de externar. É raro o coração e a alma falarem com tanta precisão.
O resultado final ainda deixa tudo em aberto para a seqüência final, embora, certamente, feche definitivamente as feridas daqueles nossos tempos de ostracismo, de descaso e de invisibilidade no cenário mundanal do futebol.
Pena, apenas, fechar a viagem com um sentimento triste de que muitas coisas não são compreendidas, a detonar feridas que ficam indeterminadamente abertas e sem respostas.

sexta-feira, 1 de julho de 2005

# a saga de ouragan II - a fuga

Ouragan não mais conseguia estabelecer o mais remoto convívio com os seres da tribo Kutoperêra, os quais insistiam em querer co-habitar o feudo ouragane.
De tudo fora feito, seja para impedir a entrada de seus representantes (via barreiras migratórias, rigidez nos tipos de vacina, muros etc.), seja para isolá-los economicamente (mediante embargos comerciais, controle da mídia, racionamento alimentar e de energia etc.). Porém, nada disso surtiu os desejados efeitos e, diante da progressiva gravidade que a situação apresentava, era iminente a eclosão de uma guerra, cujo desenrolar final era nebuloso mas que, provavelmente, resultaria na extinção do feudo ou da tribo, ainda que esta levasse sérias desvantagens em razão de Ouragan apresentar uma população muito maior.
Assim, tudo caminhava... até que onze valentes guerreiros, sob a orientação do marechal Antoine, resolveram mudar. Mesmo a arriscar as suas vidas e com a possibilidade de envergonharem todo um feudo no caso de um imenso fracasso, cujos reflexos seriam de proporções mundiais, mas com o intuito de amenizar a angústia do povo face ao perigo da guerra, decidiram ir aos jogos do fantástico campeonato continental de gamão. Viram. E venceram.
Em toda a região, nunca se teve notícia de coisa igual. O reino Brasilis, assim como todo o vasto continente vespusiano, acompanhava a consolidação da mais nova força do mundo do gamão, advindo de uma terra e de uma região que até então nada tinha, a não ser o bravo povo de Ouragan e outras coisas alhures, como araucárias, moças de bochechas rosadas e velhos.
Contudo, diante de toda a mobilização e do reconhecimento em torno da competência do feudo ouragane, nada fora mais espetacular para o seu povo que o incrível sumiço, o repentino desaparecimento e a insistente escondedura da tribo Kutoperêra, a qual há mais de quarenta dias não mais perturba a paz e o sossego em Ouragan.
Antoine, que além de comandante de guerra é o chefe espiritual de Ouragan, admite não ter usado quaisquer artifícios mágicos ou sobrenaturais para provocar a fuga inimiga; mas sim, confia que tal atitude é resultado da assunção rival às amplas e variadas diferenças que os separa, e os minimiza, do feudo ouragane.
Agora, Ouragan acredita que, destes tempos em diante, nada mais lhe perturbará a ordem social, pois, definitivamente, a tribo rival já encontrou seu espaço, no esquecimento da memória de séculos atrás, cuja distância para o consistente e sustentável presente impossibilita-os de tentarem conviver, ou competir, com o moderno e desenvolvido feudo.
Definitivamente, constataram que o passado foi enterrado.