Vila Capanema, 4 de dezembro de 2005.
Tenho sempre sido encarado como um patinho feio, horroroso. Uma desgarrada ovelha negra, obscena. O burro primo pobre. A zebra indecorosa e estúpida. Ou mesmo o cão pulguento, sem dono, sem lar.
Hoje, alegre, e com um sorriso malandro e de viés, posso assegurar que sou apenas uma gralha rubro-celeste que sobrevoa todo este acontecimento à distância e, quase de camarote, enxerga tudo por cima, a rir. Vaticino que a vingança, à galope, veio e ficará.
Por anos e anos estive embaixo, desprezado e mal-amado por tudo e por todos, pelos media e pelo povo; na verdade, por poucas vezes - e vezes tão somente regionais - estive a vê-los por um ângulo diferente deste.Eis que, deste domingo e pelos certos próximos trezentos-e-sessenta-e-tal dias, o verde-e-branco curitibano afunda no lado b, na paisagem obscura, na vida baldia do rude esporte bretão nacional, lá mesmo onde as luzes são poucas, não há graça, ninguém é feliz.
Zoam e caçoam da nossa vida em kombis, da nossa relva de várzea, das nossas equipas de aluguel e da nossa curta história; humilde e quase-réu confesso, sempre segui em frente, à espera de um grande dia, deste grande final de tarde.
Não sei do meu futuro, disse ter um muito breve passado, mas meu presente é, agora, em outra dimensão, pois posso afirmar, categoricamente, que, nesta seara, pelo menos em todo dois-mil-e-seis, não estarei a conviver com a turma de baixo.
E pior - para eles - foi querer o destino que o momento para a queda fosse este, que significará longos anos de espera para voltar a ver a luz. Pode escrever: tal qual no mundo, em pindorama o futebol está completamente nivelado, são ossos duros e equilíbrio intenso.
Resultado: os coxas penarão e clamarão pelas almas-penadas de outrora, amargarão no futuro esta decepção do presente e contemplar-se-ão com os versos de vida, minha vida, olha o que é que eu fiz...
Temo pelo que resta dos seus torcedores com menos de trinta-e-dois dentes, que pouco viram do sol mas que sofrerão com a constante presença sombria de um longo inverno, um inferno.
Trata-se, talvez, do mais certo reflexo do mundo, que gira, que dá voltas. Dos anos sessenta até oitenta-e-cinco, toda a minha árvore genealógica, ainda que sob outras insígnias, padeceu o infortúnio das glórias do ex-glorioso. Finalmente acabou.
De agora em diante, sine die, os seus adeptos necessitarão viver as agruras de uma divisão de segunda e de jogos na terça com (e contra) times de quinta, excitar-se-ão apenas com os desprezados títulos domésticos e vibrarão com o consolo de torcer pelos infortúnios de nossa gente humilde e de nossas cores que figuram na primeira-classe.
Ass.: João da Silva, um paranista.