sábado, 21 de outubro de 2006

# lula ou nulo


No primeiro turno não votei #13, pois fui mais à esquerda.
Agora, há um caminho a escolher.
A dança nacional na chuva da corrupção não é fato novo. Há séculos tudo isso ficava sob o tapete da (in)consciência popular, mofava nas gavetas das instituições públicas responsáveis (Receita Federal, Polícia Federal, Ministério Público...) e, principalmente, transforma-se em dinheiro para os bolsos dos donos da (rasa) mídia, invariavelmente de mãos dados (e o rabo preso) com o poder político e com as elites egocêntricas a quem se comprometiam no silêncio e na fanfarra.
O que se vê hoje é a investigação, a divulgação e o transbordamento do escarniado roubo público, que agora não mais se permite ser dissimulado. Demos graças à crescente presença de vários "big brothers" e "macunaímas" nas relações, nas instituições e nos poderes públicos, velados por uma parte independente da imprensa, por uma população menos inerte e, principalmente, por órgãos e instituições federais que trabalham e funcionam.
Neste segundo turno, não cabe apenas discutir se a Petrobrás vai ser privatizada - como afirmou Mendonça de Barros, assessor de Alckmin, à revista Exame - e, com ela, o que nos restou, como Banco do Brasil e Eletrobrás; neste segundo turno, não cabe apenas pôr em dúvida se os movimentos sociais voltarão a ser criminalizados e reprimidos pelo governo federal.
Da mesma forma, não se trata apenas de saber se o Brasil seguirá privilegiando a sua política externa de alianças com a América Latina e todos os países do Sul do mundo, ao invés da subordinação à política estranguladora dos EUA, o qual não permite a inserção internacional do povos em desenvolvimento, cujas conseqüências são nefastas e diretas para o destino de qualquer país.
O que vale neste segundo turno não é apenas imaginar se retornará a política de privataria na educação; o que vale no segundo turno não é apenas saber se a política cultural será unicamente centrada no financiamento privado; o que vale neste segundo turno não é apenas duvidar se haverá mais ou menos investimento público em áreas como energia, comunicação, transporte, habitação e saneamento básico; o que vale neste segundo turno não é apenas imaginar se teremos menos ou mais empregos precários, menos ou mais empregos com carteira de trabalho.
Doravante, este segundo voto não será apenas para decidir se seguiremos diminuindo as desigualdades nacionais mediante políticas sociais redistributivas - micro-crédito, aumento do poder aquisitivo real do salário mínimo, diminuição do preço dos produtos da cesta básica, bolsa-família, eletrificação rural, entre outros - ou se voltaremos às políticas pefelistas dos governos de direita.
Decidiremos, em suma, se teremos um país menos injusto ou mais injusto, se teremos um país mais soberano ou mais subordinado, se teremos um país mais democrático (política e economicamente) ou menos democrático, se teremos um país ou se definitivamente iremos nos tornar em um mercado especulativo, resignados como um país conservador dirigido pelas elites oligárquicas (uma mistura de Daslu e Opus Dei). Ou seja, se seremos um país, uma sociedade, uma nação - democrática e soberana - ou se seremos reduzidos a uma bolsa de valores, a um shopping center cercado de miséria por todos os lados.
Na realidade, não se pode esquecer de responder: por quem votamos? Mesmo quando o fazemos pelos mais necessitados, estamos votando por nós - não como indivíduos, mas como membros de um povo, de uma nação, de um país que, no caso do nosso, tem no resgate das necessidades não atendidas da grande maioria da nossa população (entre pobre e miserável) sua demanda essencial, para que todos possamos conviver, de maneira menos insuportável, na sociedade hoje ainda mais desigual do mundo.
Cientificamente, pode-se dizer que a maior falha é realmente atribuir e justificar o voto do povo a Lula pela "ignorância". Na verdade, bem ao contrário, essa opção mostra a racionalidade de um povo que vota pelos >>resultados concretos do atual governo, sentidos no seu cotidiano, na sua vida, na sua casa, na sua mesa. Comida mais barata, mais dinheiro no bolso, mais oportunidades para seus filhos adolescentes: sua preocupação é sobreviver, não é julgar moralmente os políticos. Quem vota com o coração somos nós.
Isso não quer dizer que o povo esteja simplesmente "a votar com o bucho", uma vez que o povo tem uma percepção mais realista e menos romântica do poder. E aí chega-se na essência deste raciocínio: a ação política deve ser orientada sobretudo por seus efeitos, pelos seus resultados à coletividade, enfim sua repercussão objetiva junto ao povo.
Claro que a ação guiada pela moral deve ter pureza de princípios, mas política e moral nem sempre são coisas que caminham de mãos dadas e cada uma tem a sua própria lógica - às vezes uma ação moralmente correta pode ser um desastre político, já vaticinava Maquiavel. Quem explicou isso também foi Max Weber, ao diferenciar a "ética de virtudes", na qual as pessoas adotam princípios para o seu comportamento pessoal, e a "ética de responsabilidades", na qual o político tem que atentar principalmente para as conseqüências de suas decisões e escolhas - e o povo aplica racionalmente estes ensinamentos, pois é ele quem sofre na pele as agruras da realidade política.
Aqui não se pretende nenhum pragmatismo ao estilo "rouba mas faz"; o que se intenta é desmistificar o antagonismo em que pretende colocar a ética e a política de justiça social.
Este paradoxo decorre da ambigüidade do neoliberalismo, que afirma juridicamente a igualdade, mas prega economias de livre mercado que corroem os direitos sociais e a própria igualdade e cujo tema essencial é a limitação do poder público. A liberdade individual seria resultado do controle do poder, o que supõe que se produz o melhor dos mundos na "sociedade civil": quanto menos intervenção do Estado, melhor. A própria campanha de Alckmin associa luta pela moralidade com menos Estado - Estado mínimo, privatizações, menos regulação estatal, menos políticas sociais como as do bolsa-familia, que gerariam "dependência" do Estado, etc. Para os indivíduos a "liberdade" se identificaria com a competição no "livre mercado". Quem se der bem é porque teve os méritos para aproveitar as oportunidades.
No Brasil, a melhor solução é aquela que articule a transparência da ação estatal (a ética pública) e a justiça social. Simplesmente deslocar para o tema da ética - tratado superficialmente há séculos, mormente com os suspeitíssimos processos de privatizações, com a transferência desnecessária de recursos públicos a empresas privadas e a preços irrisórios - o centro do debate, em detrimento da justiça social, é instrumentalizar esse tema para perpetuar o maior problema que o país enfrenta: o das desigualdades sociais e culturais. Por outro lado, centrar nas políticas sociais em detrimento da ética seria debilitar as instituições públicas e permitir a regência de um utilitarismo e corporativismo espúrio.
E é assim, diante da extrema necessidade de ser realizada tal combinação, que se percebe ser mais fácil um democrata social resgatar a ética pública do que um adepto das concepções de mercado incorporar a justiça social.
Claro que Lula não tem ajudado muito a explicitar a nitidez que difere um governo de esquerda com um de direita - por mais desajustada que atualmente seja tais concepções -, desde suas alianças pragmáticas e escatófilas (com José Sarney, Renan Calheiros, Newton Cardoso e Jader Barbalho) até a manutenção de vários suspeitos de escândalos recentes nas primeiras e últimas fileiras de sua agremiação - diante dos quais ainda não deu uma resposta certa e clara -, como, da mesma forma, não tem ajudado ao não deslocar a campanha do terreno do udenismo histriônico da mídia para o do confronto de propostas para o país e ao não deixar claro que fará as reformas política, fiscal, previdenciária e processual, que não apoiará a proposta de independência do Banco Central e, principalmente, que reverá a política econômica de taxas de juros, de câmbio e do déficit primário.
Entretanto, com Alckmin, representante do eterno projeto das classes dominantes, notoriamente nada é apresentado como realmente inovador, capaz de suscitar uma nova esperança. A retórica que usa é despistadora, embora caiba à análise pôr à luz os interesses de classe ocultos, cuja microeconomia que enfeudou a política seguirá seu curso neoliberal deixando fatalmente anêmica as maiores políticas sociais, mormente aquelas na área rural e no Nordeste. Enfim, o que está em jogo é um país engrenado, próximo aos trilhos do desenvolvimento "lato sensu", ainda que carente de substanciais reparos, mormente na área macroeconômica; porém, isso é pouco diante de um certo >>retrocesso social que marcará a vitória de Alckimin, fiel escudeiro de uma direita conservadora ora enrustida numa social-democracia e que assinala o retorno ao máximo poder daqueles que sempre construíram um Brasil para si, sem o povo ou contra o povo, e que há cinco séculos deixa-nos estancado no infame subdesenvolvimento de 90% e o rico desenvolvimento de 10%.
Lula ou Nulo, cabe a cada um decidir.
 

terça-feira, 17 de outubro de 2006

# 18 valores. et c'est fini.

Acabou. Quase três anos depois, acabou. E assim transcrevo, para este público e virtual espaço, as considerações finais de uma trabalho que já é passado.

Hoje um outro espectro ronda o cenário global e assusta o mundo norte-ocidental: o espectro do desenvolvimento da periferia. Todos os agentes da velha Europa e da nova América boreal unem-se em uma santa aliança para conjurá-lo: os governos, as indústrias domésticas, os sindicatos e as organizações não-governamentais pretendem, com o argumento de dumping social (e de humanitarismo), implementar cláusulas sociais nas relações multilaterais de comércio internacional, cuja conseqüência indica a imutabilidade da bivalente situação hodierna, com o congelamento do crescimento econômico, o estancamento das mudanças sociais e a irrealizabilidade de um “direito ao desenvolvimento” das nações do Terceiro Mundo.
Demonstrou-se que a inserção (e a integração) internacional das economias nacionais – evidentemente conjugada às políticas públicas eficazes, sociais e democráticas – consiste em um essencial instrumento para o desenvolvimento, o mais factível caminho ao eldorado de Passárgada, quebrante da vanguarda imperialista e frustradora de um projeto hegemônico de controle mundial; no entanto, vislumbram-se pontos controvertidos de interesses, visto que novamente exsurge uma nova bipolarização de vontades, de idéias e de necessidades a separar o mundo desenvolvido daquele em desenvolvimento.
Embora desfeita de ineditismo, essa região nebulosa alcança a questão do vínculo entre normas-padrões de trabalho e comércio internacional – as “cláusulas sociais” – em um momento no qual a flexibilização das estruturas corporativas, a mobilização das indústrias, as livres e instantâneas trocas comerciais e a intensificação e o multilateralismo das relações econômicas internacionais despontam como co-responsáveis pelo advento de novos paradigmas do trabalho e do comércio, em uma simbiôntica relação capaz de reconfigurar tais concepções globais.
O tema da adoção de uma cláusula social multilateral nos tratados comerciais resta indubitavelmente complexo e multifacetado. Sabe-se que a tese liberalista falha quando o aumento da renda – resultado do desenvolvimento econômico – denota-se concentrado, não distributista e sem plano social (ausência-fracasso estatal para um desenvolvimento social, i.e., ratificação do “não-desenvolvimento”); todavia, conquanto a ciência das adversidades encontradas não permita torná-la um vivo protótipo da imaculabilidade, os aguardados efeitos da globalização (máxime liberalização das trocas) constituem – inclusive de modo mais substancial à periferia – uma combinação positiva de aumentos de eficiência e de crescimento, de melhores condições laborais e de salários, de diminuição das desigualdades e de um recrudescimento do bem-estar coletivo. Seu ideal nutre-se das teorias do comércio internacional, postulados a asseverarem que o livre comércio mundial permitirá a cada país melhor aproveitar as suas vantagens comparativas, beneficiando-se da especialização na produção e na exportação daqueles bens nos quais são mais eficientes e cuja oferta doméstica revela-se mais abundante (“dotação relativa de fatores produtivos”).
Destarte, como própria raison d’être desse comércio internacional, alguns países com vantagens comerciais no fator trabalho (“produtos intensivos em trabalho”) propiciam às empresas nacionais a ampliação dos seus market shares – eis, então, o locus adotado por diversos países em desenvolvimento (PED), os quais pretendem ingressar no jogo do mercado por intermédio do “fator mão-de-obra”, característica refletora das realidades político-econômico-sociais domésticas que, por sua vez, denotam uma maior abundância, uma menor produtividade e um menor custo do trabalho (excesso de mão-de-obra não especializada e um ordenamento jus-laboral flexível, com forte apelo para a flexibilização das jornadas e dos contratos laborais e que permitem despontá-los como destinos da exteriorização do trabalho ocidental), particularidades que resultam na transferência de centenas de milhões de pessoas “da mais abjeta pobreza para uma situação ainda vil, mas significativamente melhor” (P.Krugman) e cujo conjunto torna-se capaz de revestir esses Estados periféricos com cores menos opacas (ou mesmo não transparentes) para, então, finalmente fazê-los despontar no “teatro da vida”, embora ainda coadjuvantes do desempenho estelar das nações hegemônicas.
Esse momento dos PED contrapõe-se à situação do mercado de trabalho e às relações laborais encontradas no Primeiro Mundo. Um panorama pouco inspirador, sublinhado pela volumosa onda de deslocalizações e subcontratações de empresas, repercute o irrealismo de serem mantidas noções quase insustentáveis para a presente disposição mundanal de homens (social) e máquinas (capital), ao mesmo tempo em que capitalismos (onipresentes) e socialismos (engavetados) parecem ainda querer percorrer veredas incomunicáveis e solitárias – não obstante estes se apresentem muito mais necessários que aqueles –, como se transpusessem o princípio físico de dois corpos não ocuparem o mesmo lugar no espaço. Diante desse quadro, exsurge a brado acusatório de “dumping social” ou a medida simplista das “cláusulas sociais” como cômodos elementos para os países desenvolvidos arquitetarem uma solução para os crescentes problemas do desemprego e da perda de mercado e, macroscopicamente, para a (indesejada) democratização político-econômica mundial, já percebida com a ingerência das organizações internacionais (OMC e OIT) em diversos embates multilaterais e que oferecem supedâneo aos protestos de diversos países em desenvolvimento.
Com a inclusão desse instrumento (ou a absoluta crença naquele argumento) abre-se a plena possibilidade de serem usados dos mais subjetivos, arbitrários e individualistas critérios para serem embargadas ou rejeitadas as leis do (livre) comércio internacional, a dar azo às reinvestidas protecionistas dos países que se vêem à mercê da fuga de indústrias, da recolonização do capital e das importações de produtos da periferia.
Deve restar claro que esse “livre comércio”, fruto mais íntimo da globalização como renovada ordem mundial, não representa, por um lado, a panacéia da humanidade contemporânea, como, por outro, tem-se a ciência de que tal processo não se permite co-justificar o “fim da história” ou muito menos a chegada ao reino de “Utopia”; antes disso, há a necessidade de uma constante crítica e de uma revigorada análise da problematicidade inerente às revigoradas idéias de comércio e de trabalho como formas de se construir o desenvolvimento, o qual, em seu cerne, não pode prescindir de um ativo papel do Estado, funcionando como algemas flexíveis para a “mão invisível” e impedindo a “fetichização” desse fenômeno global, o qual, reafirme-se, constitui um sistema de extrema mais-valia para o progresso dos PED se devidamente resguardados (ou minorados) os seus malefícios e as suas imperfeições, e, principalmente, se mantidas as idiossincrasias nacionais, cujas incongruências com qualquer mote universalista de padronização – no caso de normas sócio-laborais – são patentes.
Essa globalização – como, portanto, um processo atual, real e talvez inexorável – deve apresentar, de maneira conjugada e intimista, um Estado (e seus independentes poderes) capaz de funcionar como um ente onividente – posto que também vigiado – a fim de filtrar, fiscalizar e fomentar as mudanças e as intervenções do mercado no plano nacional, impedindo que as forças público-privadas exorbitem os limites histórico-estruturais e murchem as expectativas sócio-econômicas de cada nação. Diante disso, mais uma vez, a irrazoabilidade de tais cláusulas, cegas de qualquer harmonia com as realidades nativas e inconseqüentes com os efeitos colaterais que podem provocar.
Ademais, a idéia não partidária da cláusula social não se desprende de uma “ética antropocêntrica” (I.Kant) em direção à “ética mecanicista do capital”, mas, antes, entende que existem outros métodos (e caminhos) para ser alcançada “a boa e justa sociedade” (J.K.Galbraith) capaz de inserir plenamente todos os homens, a metamorfosear os rincões periféricos em microcentros minimamente globalizados para se tornarem, então, um lugar mais palatável e tangível em todas as faces do processo de mundialização vigente que, apesar das arestas a serem aparadas (pelos próprios Estados, pela sociedade civil e pelas organizações internacionais), está “ajudando ricos e pobres” (J.Bhagwati). Logo, não se pretende deslocar a pessoa humana (e, logo, o trabalhador) do foco central do processo de desenvolvimento, mas propulsar os Estados a determinado nível de progresso para, então, ser-lhe possível assegurar e estimular as melhores condições de vida (e de trabalho), urbi et orbi.
Se os reclames primeiro-mundistas da ausência de equilíbrio nos padrões sócio-laborais já não fizessem sentido pelas irretroativas idéias de um “direito ao desenvolvimento” e de um justo e leal uso das vantagens comparativas – por intermédio do “critério competitivo do menor custo” (M.Porter) – a crítica a esse desarrazoado pleito permite estabelecer uma analogia aos princípios da “diferença” e da “igualdade de oportunidades” (J.Rawls) como condicionantes de uma “justiça social” e cujos elementos são explicitamente necessários para a constituição do tratamento diferenciado exigido aos países periféricos – justificantes de uma desigualdade se houver a prosperidade e a maior (e melhor) oferta de oportunidades aos mais fracos –, a resplandecer como medida maior para ser verdadeiramente consubstanciado um direito ao desenvolvimento; por conseguinte, no caso em tela, i) a desigualdade residiria na contemplação das diferenças de normas e padrões de trabalho serem justificadas pelas desconformidades sócio-econômicas entre os partícipes, na medida em que a simples e irrefletida sanção ao descumprimento das “normas internacionais trabalhistas fundamentais” (NITF) traria um desmedido prejuízo para os PED, entes mais débeis da relação e que não podem (e não devem) ser (des)privilegiados por um tratamento igual, e ii) as iguais oportunidades para os desiguais atores aplicar-se-iam na necessária relativização das condições desses agentes envolvidos, cujas perspectivas de desenvolvimento – agora já ordenado como um dos direitos humanos fundamentais – manifestam-se em diferentes (e até negativos) níveis.
Ademais, tem-se que a consagração desse direito fundamental ao desenvolvimento – via a eficiente distribuição de renda e a eficaz aplicação dos recursos financeiros em política públicas sustentáveis (especialmente educação e treinamento técnico-especializado) e tendo como causa o crescimento econômico advindo de um intenso comércio internacional – permitiria aos Estados não cumprirem o prognóstico (ou a profecia) de um “caos suicidário” (Avelãs N.) assente num livre comércio que se traduz meramente na pobreza indefinida e geometricamente progressiva. Assim, a realização desse direito constitui uma base válida, útil e necessária que serve como instrumento de reivindicação política nos mais diversos foros – internacionais, comunitários e mesmo nacionais –, tanto pelos PED diante dos países abastados como pela (maior) parcela da população excluída dos benefícios do próprio desenvolvimento nacional; e, para isso, não basta a empenho político doméstico, requer-se uma diligente cooperação multinacional e pluriorganizacional.
Por essa forma – e sempre tendo como premissa o “desenvolvimento como liberdade” (A.Sen) –, o advento das cláusulas sociais caracterizar-se-ia como uma imposição unilateral com efeitos multilaterais, a expurgar os PED de um (indicioso) processo de inserção sócio-econômica para redirecioná-los (ao contrário e em definitivo) ao “caminho da servidão”, ausente de direitos humanos fundamentais, de provisões mínimas ou de satisfações básicas. Insta salientar, entretanto, que não se trata de uma confiança ilimitada nos mecanismos de mercado como pretensos reguladores naturais e invisíveis dos padrões sócio-laborais, como, também, faz-se insensível qualquer crença de que uma postura medúsica dos países desenvolvidos seja capaz de persuadir (não-dolosamente) os demais na aceitação de padrões sócio-laborais intangíveis para as realidades nacionais – são, ambas, situações respectivamente insensatas e, senão perniciosas, incríveis.
Desse modo, o que resta não se distancia de um “juízo de realidade” na qual as instituições devidamente responsáveis pelo arbitramento e arrolamento das questões inerentes aos direitos humanos e laborais (ONU e OIT) devem ser intimadas com cada vez mais freqüência para impedir (ou minimizar) as discricionariedades nacionais não adequadas aos preceitos basilares previstos nos regimentos de ambas as organizações e a operar um ativismo cada vez mais engajado, fisicamente mais presente no cotidiano da periferia e mais disposto a promover um desenvolvimento humano-social intenso e crescente; por seu turno, cabe à OMC a busca pela igualização das liberdades econômicas – mas com a devida atenção às questões exceptivas alusivas aos PED – e pela catálise dessas economias em desenvolvimento, sempre como fiel cumpridora do seu papel de promotora (ainda que silenciosa) de um desenvolvimento econômico mundanal disperso e equilibrado. Evidentemente, aliado a essas instituições, o Estado persiste soberanamente como o grande responsável i) pela sapiência em reconhecer os seus limites (padrões) sócio-econômicos básicos ajustáveis às vicissitudes nacionais (padrões mínimos), ii) pela promoção (ou minimamente pela permissão) do desenvolvimento interno, mediante medidas que permitam dispensar as fórmulas internacionais incabíveis e inócuas às multiplicidades cenográficas, e, iii) pelo comprometimento com seus cidadãos, em especial àqueles das classes trabalhadoras e menos abastadas, mediante a inaceitabilidade de privilégios políticos e conluios corporativos.
Na forma prescrita, depreende-se que o discurso altruísta dos Estados-membros mais desenvolvidos traz, à surdina, a real idéia dessas cláusulas sociais, pois, a funcionar como second best policy, são apresentadas indiretamente com a pretensão de igualizar os custos laborais envolvidos nos processos produtivos, anulando a vantagem concorrencial dos PED e tendo como conseqüência – ora em um perfunctório exercício de futurologia – somente a reprodução selecionada dos efeitos indesejados dessa presente globalização, i.e., a concentração e exclusão sócio-econômicas e a perpetuação das estruturas hegemônicas em detrimento dos países em desenvolvimento. Outrossim, não se pode olvidar do paradoxismo da medida, pois uma eventual restrição às exportações de produtos originários dos PED, com esteio em supostos critérios de cunho social, além de alimentar iniciativas xenófobas (em resposta à “exportação de desemprego” provocada diretamente pelos trabalhadores imigrantes ou, indiretamente, pelos produtos importados), prejudicaria o avanço econômico de tais países, pois contribuiria para uma deterioração ainda maior das condições de trabalho (e de vida) de seus cidadãos, comprometendo os objetivos que a medida pretenderia atingir.
Esses países, em face do desenvolvimento atrasado – seja por escolhas próprias (v.g., o caso dos sistemas ditatório-socialistas) ou por imposições e estratégias de mercado dos países ricos (v.g., o caso dos sistemas de colonização) –, dispõem de normas e condições laborais intrínsecas à sua realidade e, por isso, não se admite qualquer pretensão de impor-lhes regras laborais substantivas ou sistemas de proteção social análogos aos vigentes nos países desenvolvidos, na medida em que exigir de ambas as categorias de países propostas e práticas uniformes, equivale a exigir dos menores que assumam a responsabilidade de firmar cláusulas sociais “apropriadas” e padronizadas com o disposto na cartilha eleita pelos maiores e que, assim, precisariam adotar os preços (e custos) em vigor nos países ricos – inequivocamente, consiste em uma forma genuína (e nada virginal) de protecionismo que, mediante o argumento de dumping social, elastifica o rol dos institutos de proteção comercial, permitindo aos países desenvolvidos gozar das suas mais extravagantes formas e aplicabilidades, a depender apenas da criatividade e das suas mais despóticas e indefinidas aspirações.
Por sua vez, a acusação de que os PED praticam dumping social e concorrência desleal subsiste-se em argumentos de rasa fundamentação. Não obstante sempre se tenha utilizado tal fator como critério de competitividade internacional, apenas nos últimos anos – como efeito da maior liberdade nas trocas comerciais, da atuação eficiente, rigorosa e cooperativa de uma organização internacional (OMC) e do avanço tecnológico nos transportes e nas comunicações – se reconhece uma séria possibilidade dos PED penetrarem, efetivamente, no mercado internacional e gozarem das (poucas) vantagens que possuem como primordial maneira de, com o tempo, capacitá-los na conciliação dos objetivos do crescimento econômico – alimentados pelos ganhos da produtividade do trabalho – com a imperativa questão de proporcionar aos seus trabalhadores os mesmos (e porventura melhores) padrões sócio-laborais imiscuídos nas condições norte-ocidentais.
Não se trata de negar a absoluta inexistência (e admitir a franca e desregrada conivência) de situações desumanas de trabalho, mas de enfatizar que, afora tais situações – e sempre a querer uma busca incessante (e sana) por melhores condições de trabalho –, os padrões relativamente baixos não significam as conseqüências de decisões conscientes e dolosas dos PED, propulsoras de um deficiente ou inexistente conjunto de medidas e de políticas sociais e jus-laborais e geradoras de uma concorrência desleal. No caso desses voluntários e artificiais acontecimentos, a própria OIT já permitira o uso pelos seus Estados-membros de ações repressores e cogentes, sendo tais pressões e punições perfeitamente justificadas e seus argumentos eternamente válidos; contudo, carece reconhecer que não se trata de caso comum e que a competitividade desses territórios não se credita dessa forma ardil, mas tem fundamento em uma outra “vantagem”: a pobreza – e as baixas taxas de investimento em insumos (capital, trabalho etc.) e de produtividade desses mesmos insumos –, intrinsecamente relacionada com o “não-desenvolvimento”, o trabalho indecoroso e a mão-de-obra à bon marché, repousados em uma estrutura social própria, com salários e proteção social naturalmente inferiores.
Com o argumento infausto (e inadequado) de dumping social assoma-se o despropositado mecanismo das cláusulas sociais, e, juntos, revestem desse tão variado (e exagerado) número de adjetivos em razão das hipóteses em que são pretendidos (e pseudolegitimados) – race to the bottom, deslocalização, unfair trade e exportação de desemprego – não se configurarem como razões minimamente suficientes para justificar a adoção dessas cláusulas, cujas conseqüências tornam os PED incapazes e indignos de, então aleijados, apoiarem-se sobre um comércio internacional carente de um dos seus pilares: as trocas baseadas nas vantagens concorrenciais (comparativas e competitivas).
Há alternativa. E está a ser dada e praticada, ainda que morosamente, no seio das organizações internacionais e, principalmente, refletida em certas propostas nacionais desenraizadas do pensée unique. Cada qual do seu modo, reúnem-se ainda que por vias oblíquas à real globalização, não confundida com os discursos neoliberais ou com as idéias maniqueístas e diferente do dolosamente intentado pela maioria dos países hegemônicos (antidemocracia) e do proclamado pelos países periféricos (autoflagelação). Há a necessidade, entretanto, de serem anulados protecionismos e desfeitos preconceitos, os quais apenas mascaram a necessária realidade de um mundo livre, com reais opções de escolha e oportunidades de desenvolvimento.
Dessa forma, refuta-se com veemência a exploração humana em um trabalho indecente, os movediços sistemas de (in)segurança social e a contínua miserabilidade de salários e de condições laborais que freqüentemente enegrecem a paisagem do Terceiro Mundo; porém, piormente será retirar de seus países a possibilidade de ser transmutado e colorido esse cenário, uma vez que a “mundialização da justiça social” não se fará mediante a inflicção de tais cláusulas, mas com a oferta da plena possibilidade de desenvolvimento a todos os países – o qual é o grão-instrumento de transformação social.
Faz-se manifesto o facto de que mesmo o mais impassível dos homens reconhece a importância-preponderância de se vislumbrar o comércio internacional e o crescimento-desenvolvimento econômico unicamente em uma perspectiva do desenvolvimento social, sem o qual aquele se torna inócuo e vazio; todavia, diante da aparente inevitabilidade do paradigma político-econômico vigente, nada resta aos Estados em desenvolvimento – se continuamente permanecidos no melindre e na pacatez da imutabilidade desse status político-econômico – senão a intensa busca pelo mercado exportador e pelo “comércio extramuros”, regulado e fiscalizado por um Estado intransigentemente ávido pela mais correta distribuição dos frutos advindos desses relacionamentos internacionais.
Resta, então, indiscutível as necessidades de serem consolidados os direitos do “homem total” (K.Marx), de não ser aceita a sua coisificação no trabalho, de não se pretender o extermínio dos direitos ancestrais do trabalhador, tal qual a imperiosidade de ser dispensada a louvação à ideologia da maximização do lucro – um “crescimento miserabilizante”, com fim em si próprio (ou, pior, mediante injustificáveis meios para serem logrados duvidosos fins); contudo, também não se pode fazer sopitar as esperanças e expectativas terceiro-mundistas pela restauração de um arbitrarismo nas regras das relações de comércio que erodem as suas vantagens concorrenciais e que asseguram as suas condições de perene pobreza, certamente incapazes de alterar o ambiente e o eterno estado de subdesenvolvimento. Roga-se, portanto, pelo pleno acontecimento da globalização e pela maior redistribuição do comércio mundial, a ser assegurada por organizações internacionais sólidas e democráticas que admitam (e pratiquem) o compromisso do tratamento específico e diferençado aos países em desenvolvimento (“princípio da igualdade material”).
Assim, conquanto não se olvide da ordenação pretendida no cenário mundial ser complexa e difícil – mormente entre os campos da economia e do social –, o atual momento exige otimismo, interesse e solidariedade, mas, concomitantemente, não requer pretensões qualificatórias ou determinações quantitativas tão temerárias quanto estas idéias uniformizadoras e ora idealizadas nas cláusulas sociais e nos seus padrões de trabalho; diante disso, o verdadeiro desafio consistirá em fixar a natureza e a extensão da intervenção governamental na instituição das leis sócio-trabalhistas necessárias à regulação entre o desenvolvimento nacional e a garantia da apropriada vida humana do trabalhador.
Com a devida vênia pela contumácia discursal, admite-se que os PED, ao conseguirem dispor no mercado mundial produtos com preços diferenciados (mesmo que dependentes dos baixos custos de mão-de-obra), nada fazem além de beneficiarem-se dessa vantagem comparativa para consolidarem-se como competitivos em determinados setores trabalho-intensivo, acumularem riqueza, distribuírem e aplicarem esses recursos de maneira eficiente e conseguirem, ao médio ou longo prazos, apresentarem verdadeiras vantagens competitivas, mais estruturantes e permissivas de um sustentável desenvolvimento. Aqui, portanto, reconhece-se que a competitividade desses Estados não se deve resumir (ou se perpetuar) no comércio desses produtos e no uso desta mão-de-obra, respectivamente não especializados e geralmente pouco qualificada. Com cuidado, não se defende o infinito uso desse fator concorrencial (a vantagem relativa); no entanto, crê-se que hodiernamente há-de ser utilizado ao máximo tal diferencial, pois, de maneira terminante, deve-se entender que as organizações competitivas somente se mantêm (e, num plano distinto, surgem) em Estados competitivos, com instituições e cidadãos competitivos (e competentes).
Nos domínios comunitários essa matéria alcança uma maior particularidade pelas próprias origens consubstanciadoras do espaço comum. Destarte, como conseqüência normal resultante dos processos de integração (e expansão), a União Européia, o Mercosul e o Nafta devem assumir de modo indelegável uma dupla função: interna, como dinamizadora da convergência das economias e redutora das distâncias entre os Estados-membros, e externa, como verdadeiro retumbo de uma voz comum, que busque agasalhar os interesses de todos os países. Embora exista o ônus do próprio ingresso ao espaço comunitário – visto que traz, junto aos inúmeros benefícios e vantagens, algumas necessárias contraprestações –, não se há-de conceber, dentre as possibilidades de harmonização, qualquer ambiente comunitário que pretenda unificar as realidades sociais em torno de normas-padrão únicas e inadaptadas às vidas nacionais; mas sim, face ao presente momento das regionalizações, acredita-se nas suas vias intermediárias, assentes na “aproximação” (como no caso da UE e do Nafta) ou na “coordenação” (como no Mercosul). Por isso, traz a necessidade de ser realizada uma viagem conjunta e solidária entre os países mais ou menos desenvolvidos de cada bloco, capaz de abraçar o econômico e o social em busca da excelência no bem-estar social de todos os seus cidadãos.
Neste ingente momento de renovação-reconstrução de paradigmas do trabalho – ora motivado em uma tuitiva-flexibilização, fundamentada no hibridismo da flexibilidade com a proteção estatal, firmada sob a plataforma econômico-financeira (para os países desenvolvidos) ou jus-vigilante (para os países em desenvolvimento) – e das relações internacionais (globalização), a induvidosa importância da efetividade das normas (convenções) da OIT refulge na presente (e freqüente) dicotomia entre os dois grupos de Estados, ora incapazes de produzir unissonantes idéias relacionadas aos padrões e às normas do trabalho, seja em função do lancinante abismo institucional que os separa (macrosenso), seja em função das distâncias materiais que caracterizam os seus ordenamentos e, por conseguinte, as suas relações de trabalho e de emprego (microsenso).
Na atribuída contenda a envolver as organizações internacionais do trabalho e do comércio sobre a sede e o meio de ação competentes da matéria, não obstante se admita a essencialidade de um enveredar rítmico de ambas, a idealizar um “desenvolvimento lato sensu” (político, econômico e social), reafirma-se a maior (e por enquanto única) competência material da OIT em relação à OMC e advoga-se pela persuasão moral à qualquer medida economicamente sancionatória. Nesses termos, a própria máxima autoridade multilateral do comércio mundial reconheceu com a “Declaração de Ministerial de Cingapura” as suas limitações nesse métier, conferindo à OIT um maior status e uma indiscutível autoridade no tocante à instituição de normas e padrões sócio-laborais. Dessarte, pelo caminho da regulação moral e cooperativa – conquanto se tenha notado exemplares excepcionalidades históricas – eliminar-se-ia a ameaça (e a prática) de penalidades comerciais contra os PED em prol de sérias políticas de convencimento, de comprometimento, de fiscalização e de treinamento-educação que, confluindo em um tripartismo de idéias – advindas da sua composição sui generis, a mesclar no bojo institucional os Estados com a representação paritária de empregadores e trabalhadores –, edifica um sistema de avanço social menos selvagem e mais justo. Em suma, a despeito da oportuna e funcional companhia subsidiária, cabe à OIT, iuris et de iure, regular soberanamente essas questões.
Incorreto seria, entretanto, admitir uma pretensa plenipotência da OIT, assim como tão errônea seria qualquer assunção que admitisse uma OMC restrita apenas às questões exclusivamente comerciais. Aqui, o próprio preâmbulo do acordo constitutivo dessa organização reconhece como um dos seus objetivos a preocupação com a elevação do nível de vida e com o desenvolvimento sustentável – i.e., não se serve como uma simples promotora do livre-cambismo mundial; porém, a função que doravante os países desenvolvidos (e seu exército de sectários) pretendem incumbi-la exorbita o seu campo de atuação e, mais grave, faz desdizer os seus próprios preceitos basilares de repulsa ao protecionismo.
Assim ao revés do aviamento de cláusulas sociais e da proclamação de sanções comerciais (restrições e embargos) ou financeiras (multas e retaliações) no seio da OMC, propugna-se por vias alternativas ou indiretas, assentes primordialmente no plano de ação da OIT que, mediante a adoção de sanções morais, são capazes de produzir, senão melhores resultados, reações adversas quase nulas.
Ademais, como expediente de efetivamente serem validadas as regras da OMC e cumpridos os preceitos da OIT, clama-se por um multilateralismo pragmático e não um discurso vazio consolidado em arbitrariedades de postulados hegemônicos que, enquanto buscam nas cláusulas sociais um instrumento promotor do “comércio justo”, insistem em ignorar a questão da redução dos subsídios agrícolas, cujo ideário protecionista – ausente de “bases economicamente sãs” (M.Porto) – impede o crescimento (via mercado exportador de commodities) de diversos países em desenvolvimento, em um inoportuno comportamento restritivo e desleal, que estanca os possíveis avancos sociais.
Ao longo do tempo, com a continuidade desse panorama mundial favorável ao regimes social, política e economicamente democráticos e à plena globalização, a constatação de um massivo crescimento econômico (“bolo”) nos PED tem a conseqüência lógica de significar uma apoteótica promoção das condições sócio-laborais e do bem-estar de todos os seus cidadãos (“fatias”). Por outro lado, cabe aos países desenvolvidos introduzirem políticas públicas internas no sentido de ser retomado um “direito ao trabalho”, como meio transitivo (ainda não estrutural) e de urgência (como combate ao desemprego) e, portanto, não mais se servirem dessas escusas como recônditos argumentos para as cláusulas sociais, (im)prováveis tuteladoras dos seus mercados de trabalho –, para, depois, lançar um projeto revisionista que implemente um sistema (v.g., uma flexicurité) a fim de renovar o “direito do trabalho”, de modo a sobrevivê-lo e efetivá-lo como um indispensável modelo de equilíbrio das relações de trabalho e capital.
Ainda como formas indiretas de serem alcançados melhores níveis e normas de trabalho, a OIT – também em conjunto com as demais organizações internacionais, os Estados, stakeholders e a sociedade civil – deve concentrar-se na conformação de uma justiça social em sintonia com a não-violação dos universais direitos humano-laborais, cuja aplicabilidade pode ser otimizada por intermédio de instrumentos público-privados alternativos, válidos e eficazes para a consecução ascensional dos padrões sócio-laborais (sistema geral de preferência, códigos de condutas, “investimentos éticos” e social labelling) e, exponencialmente, mediante a formação-organização de uma comunidade internacional que, verdadeiramente, coopere com os PED na busca pelo crescimento econômico, na transferência de know-how e tecnologia, e, maiormente, na promoção de um progresso sustentável, harmônico e contínuo que garanta (e fomente) o bem-estar de toda a sociedade e respeite os princípios fundamentais do direito humano ao desenvolvimento.
Destarte, enfim, se faz expressa a particular idéia – não obstante esteja razoavelmente manifestada do incipit ao explicit – da implementação de padrões sócio-laborais por intermédio de cláusulas sociais multilaterais não representar um maior ideal altruísta (ou de lealdade concorrencial), mas se traduzir em uma estratégia hegemônica adotada para fins protecionistas (e para a preservação do status quo) que, se efetivadas, conseguem minar ainda mais as perspectivas dos países periféricos, de maneira a fulgurar um paradoxalismo que congelaria o estado transitório (ou subestagnado) de desenvolvimento no qual se encontram, para, na continuação e com fins semi-eugênicos, serem conduzidos e isolados, ad eternum, no “monte de Taygeto”.
Por fim, clarifica-se que a lógica em todo esse cenário reside na cedência de amplos privilégios e concessões aos países periféricos, os quais têm o direito – acaso histórico – de participar ativamente das transações econômicas internacionais e de arcar, a priori, o menos possível com as orientações e os padrões construídos secularmente pelos países centrais, cuja realidade ainda não encontra eco no Terceiro Mundo, o qual (sobre)vive amalgamado em desditosos ambientes naturais e/ou condenado por malogradas experiências sócio-políticas ou coloniais; agora, portanto, clama-se pela consagração de um pleno “direito ao desenvolvimento”, não apenas encrostado na labirintosas retóricas social e liberal, mas, sobretudo, regido por um efetivo Estado Social e sublinhado na aboluta fruição e na justa liberalização das oportunidades econômicas globais como os principais meios de serem alcançadas-implementadas as políticas públicas nacionais necessárias àquele desenvolvimento, e, definitivamente, serem emendadas as crassas e sombrias diferenças entre os dois mundos.