No primeiro turno não votei #13, pois fui mais à esquerda.
Agora, há um caminho a escolher.
A dança nacional na chuva da corrupção não é fato novo. Há séculos tudo isso ficava sob o tapete da (in)consciência popular, mofava nas gavetas das instituições públicas responsáveis (Receita Federal, Polícia Federal, Ministério Público...) e, principalmente, transforma-se em dinheiro para os bolsos dos donos da (rasa) mídia, invariavelmente de mãos dados (e o rabo preso) com o poder político e com as elites egocêntricas a quem se comprometiam no silêncio e na fanfarra.
O que se vê hoje é a investigação, a divulgação e o transbordamento do escarniado roubo público, que agora não mais se permite ser dissimulado. Demos graças à crescente presença de vários "big brothers" e "macunaímas" nas relações, nas instituições e nos poderes públicos, velados por uma parte independente da imprensa, por uma população menos inerte e, principalmente, por órgãos e instituições federais que trabalham e funcionam.
Neste segundo turno, não cabe apenas discutir se a Petrobrás vai ser privatizada - como afirmou Mendonça de Barros, assessor de Alckmin, à revista Exame - e, com ela, o que nos restou, como Banco do Brasil e Eletrobrás; neste segundo turno, não cabe apenas pôr em dúvida se os movimentos sociais voltarão a ser criminalizados e reprimidos pelo governo federal.
Da mesma forma, não se trata apenas de saber se o Brasil seguirá privilegiando a sua política externa de alianças com a América Latina e todos os países do Sul do mundo, ao invés da subordinação à política estranguladora dos EUA, o qual não permite a inserção internacional do povos em desenvolvimento, cujas conseqüências são nefastas e diretas para o destino de qualquer país.
O que vale neste segundo turno não é apenas imaginar se retornará a política de privataria na educação; o que vale no segundo turno não é apenas saber se a política cultural será unicamente centrada no financiamento privado; o que vale neste segundo turno não é apenas duvidar se haverá mais ou menos investimento público em áreas como energia, comunicação, transporte, habitação e saneamento básico; o que vale neste segundo turno não é apenas imaginar se teremos menos ou mais empregos precários, menos ou mais empregos com carteira de trabalho.
Doravante, este segundo voto não será apenas para decidir se seguiremos diminuindo as desigualdades nacionais mediante políticas sociais redistributivas - micro-crédito, aumento do poder aquisitivo real do salário mínimo, diminuição do preço dos produtos da cesta básica, bolsa-família, eletrificação rural, entre outros - ou se voltaremos às políticas pefelistas dos governos de direita.
Decidiremos, em suma, se teremos um país menos injusto ou mais injusto, se teremos um país mais soberano ou mais subordinado, se teremos um país mais democrático (política e economicamente) ou menos democrático, se teremos um país ou se definitivamente iremos nos tornar em um mercado especulativo, resignados como um país conservador dirigido pelas elites oligárquicas (uma mistura de Daslu e Opus Dei). Ou seja, se seremos um país, uma sociedade, uma nação - democrática e soberana - ou se seremos reduzidos a uma bolsa de valores, a um shopping center cercado de miséria por todos os lados.
Na realidade, não se pode esquecer de responder: por quem votamos? Mesmo quando o fazemos pelos mais necessitados, estamos votando por nós - não como indivíduos, mas como membros de um povo, de uma nação, de um país que, no caso do nosso, tem no resgate das necessidades não atendidas da grande maioria da nossa população (entre pobre e miserável) sua demanda essencial, para que todos possamos conviver, de maneira menos insuportável, na sociedade hoje ainda mais desigual do mundo.
Cientificamente, pode-se dizer que a maior falha é realmente atribuir e justificar o voto do povo a Lula pela "ignorância". Na verdade, bem ao contrário, essa opção mostra a racionalidade de um povo que vota pelos >>resultados concretos do atual governo, sentidos no seu cotidiano, na sua vida, na sua casa, na sua mesa. Comida mais barata, mais dinheiro no bolso, mais oportunidades para seus filhos adolescentes: sua preocupação é sobreviver, não é julgar moralmente os políticos. Quem vota com o coração somos nós.
Isso não quer dizer que o povo esteja simplesmente "a votar com o bucho", uma vez que o povo tem uma percepção mais realista e menos romântica do poder. E aí chega-se na essência deste raciocínio: a ação política deve ser orientada sobretudo por seus efeitos, pelos seus resultados à coletividade, enfim sua repercussão objetiva junto ao povo.
Claro que a ação guiada pela moral deve ter pureza de princípios, mas política e moral nem sempre são coisas que caminham de mãos dadas e cada uma tem a sua própria lógica - às vezes uma ação moralmente correta pode ser um desastre político, já vaticinava Maquiavel. Quem explicou isso também foi Max Weber, ao diferenciar a "ética de virtudes", na qual as pessoas adotam princípios para o seu comportamento pessoal, e a "ética de responsabilidades", na qual o político tem que atentar principalmente para as conseqüências de suas decisões e escolhas - e o povo aplica racionalmente estes ensinamentos, pois é ele quem sofre na pele as agruras da realidade política.
Aqui não se pretende nenhum pragmatismo ao estilo "rouba mas faz"; o que se intenta é desmistificar o antagonismo em que pretende colocar a ética e a política de justiça social.
Este paradoxo decorre da ambigüidade do neoliberalismo, que afirma juridicamente a igualdade, mas prega economias de livre mercado que corroem os direitos sociais e a própria igualdade e cujo tema essencial é a limitação do poder público. A liberdade individual seria resultado do controle do poder, o que supõe que se produz o melhor dos mundos na "sociedade civil": quanto menos intervenção do Estado, melhor. A própria campanha de Alckmin associa luta pela moralidade com menos Estado - Estado mínimo, privatizações, menos regulação estatal, menos políticas sociais como as do bolsa-familia, que gerariam "dependência" do Estado, etc. Para os indivíduos a "liberdade" se identificaria com a competição no "livre mercado". Quem se der bem é porque teve os méritos para aproveitar as oportunidades.
No Brasil, a melhor solução é aquela que articule a transparência da ação estatal (a ética pública) e a justiça social. Simplesmente deslocar para o tema da ética - tratado superficialmente há séculos, mormente com os suspeitíssimos processos de privatizações, com a transferência desnecessária de recursos públicos a empresas privadas e a preços irrisórios - o centro do debate, em detrimento da justiça social, é instrumentalizar esse tema para perpetuar o maior problema que o país enfrenta: o das desigualdades sociais e culturais. Por outro lado, centrar nas políticas sociais em detrimento da ética seria debilitar as instituições públicas e permitir a regência de um utilitarismo e corporativismo espúrio.
E é assim, diante da extrema necessidade de ser realizada tal combinação, que se percebe ser mais fácil um democrata social resgatar a ética pública do que um adepto das concepções de mercado incorporar a justiça social.
Claro que Lula não tem ajudado muito a explicitar a nitidez que difere um governo de esquerda com um de direita - por mais desajustada que atualmente seja tais concepções -, desde suas alianças pragmáticas e escatófilas (com José Sarney, Renan Calheiros, Newton Cardoso e Jader Barbalho) até a manutenção de vários suspeitos de escândalos recentes nas primeiras e últimas fileiras de sua agremiação - diante dos quais ainda não deu uma resposta certa e clara -, como, da mesma forma, não tem ajudado ao não deslocar a campanha do terreno do udenismo histriônico da mídia para o do confronto de propostas para o país e ao não deixar claro que fará as reformas política, fiscal, previdenciária e processual, que não apoiará a proposta de independência do Banco Central e, principalmente, que reverá a política econômica de taxas de juros, de câmbio e do déficit primário.
Entretanto, com Alckmin, representante do eterno projeto das classes dominantes, notoriamente nada é apresentado como realmente inovador, capaz de suscitar uma nova esperança. A retórica que usa é despistadora, embora caiba à análise pôr à luz os interesses de classe ocultos, cuja microeconomia que enfeudou a política seguirá seu curso neoliberal deixando fatalmente anêmica as maiores políticas sociais, mormente aquelas na área rural e no Nordeste. Enfim, o que está em jogo é um país engrenado, próximo aos trilhos do desenvolvimento "lato sensu", ainda que carente de substanciais reparos, mormente na área macroeconômica; porém, isso é pouco diante de um certo >>retrocesso social que marcará a vitória de Alckimin, fiel escudeiro de uma direita conservadora ora enrustida numa social-democracia e que assinala o retorno ao máximo poder daqueles que sempre construíram um Brasil para si, sem o povo ou contra o povo, e que há cinco séculos deixa-nos estancado no infame subdesenvolvimento de 90% e o rico desenvolvimento de 10%.
Lula ou Nulo, cabe a cada um decidir.