Da (séria e ridiculamente) hilária cena dos sapatos ocorrida no Iraque, José Saramago traz em seu caderno virtual (v. aqui) uma conclusiva lição sobre o fato e seus protagonistas:
"O riso é imediato. Ver o presidente dos Estados Unidos a encolher-se atrás do microfone enquanto um sapato voa sobre a sua cabeça é um excelente exercício para os músculos da cara que comandam a gargalhada. Este homem, famoso pela sua abissal ignorância e pelos seus contínuos dislates linguísticos, fez-nos rir muitas vezes durante os últimos oito anos. Este homem, também famoso por outras razões menos atractivas, paranoico contumaz, deu-nos mil motivos para que o detestássemos, a ele e aos seus acólitos, cúmplices na falsidade e na intriga, mentes pervertidas que fizeram da política internacional uma farsa trágica e da simples dignidade o melhor alvo da irrisão absoluta. Em verdade, o mundo, apesar do desolador espectáculo que nos oferece todos os dias, não merecia um Bush. Tivemo-lo, sofrêmo-lo, a um ponto tal que a vitória de Barack Obama terá sido considerada por muita gente como uma espécie de justiça divina. Tardia como em geral a justiça o é, mas definitiva. Afinal, não era assim, faltava-nos o golpe final, faltavam-nos ainda aqueles sapatos que um jornalista da televisão iraquiana lançou à mentirosa e descarada fachada que tinha na sua frente e que podem ser entendidos de duas formas: ou que esses sapatos deveriam ter uns pés dentro e o alvo do golpe ser aquela parte arredondada do corpo onde as costas mudam de nome, ou então que Mutazem al Kaidi (fique o seu nome para a posteridade) terá encontrado a maneira mais contundente e eficaz de expressar o seu desprezo. Pelo ridículo. Um par de pontapés também não estaria mal, mas o ridículo é para sempre. Voto no ridículo."