fdfffdsNão espalhava e jurava ser mentira. Era, pois, daquelas coisas que ficavam recôndidas, guardadas a sete chaves em uma parte secreta da sua vida: ele, um contumaz frequentador das corriqueiras noites bingueiras que a igreja vizinha de sua casa promovia.
fffdfdsNão se divertia com o jogo em si, nem mesmo com os prêmios, com os quitutes, com o alvoroço invariavelmente provocado pela sede de vitória das frenéticas velhinhas, ou, muito menos, com aquela gente toda que lá ia. Na verdade, o seu maior gosto era mesmo pelo sorteio em si, ou, melhor, pela voz criativa do "homem cantador de bingo".
fffdfdsNão sabia se era uma profissão ou um hobby -- embora, com aquela idade, também não soubesse o que era um "hobby"... --, mas, no mais das vezes, quando perguntado, respondia com segurança: "quero ser cantador de bingo!".
fddfffsSim, aquela coisa toda que fazia o "homem cantador de bingo" ser o centro das atenções encantava-lhe, em especial a desenvoltura dele em dizer e cantar os números, a sua capacidade de inventar a pronúncia metafórica dos números e a tensa expectativa que provocava na platéia diante da surpresa da bola a ser sorteada.
fddfffsAdorava, assim que ouvia o número sorteado -- claro, ali ninguém via o número da bola sorteada, mas apenas ouvia, pois naquela casa não tinha telão, não tinha nada, apenas a "voz do homem" --, saber como o "homem cantador de bingo" descreveria tal número: "dois patinhos na lagoa: 22!", "uma boa idéia, 51!", "o número que o beltrano gosta: 24...", "o calibre do revórve do padre: 38!", "o sapato da dona fulana: 44...", e por aí seguia, em alucinante ritmo e em alucinógenas criações.
ffdffdsPorém, muito jovem, o que achava mais graça era mesmo quando o "homem", eufórico, cantava sorridente: "idade de Cristo... 33!". Como aquilo era distante para ele, como aquele número -- já imaginado num futuro crepúsculo da vida -- se mostrava surreal, quase no horizonte, ficando ele sempre a delirar sobre o que se poderia fazer até completar toda essa idade, sobre tudo o que aconteceria em sua vida até chegar naquela infinita "idade de Cristo".
fffdfdsImaginava e pensava no mundo que tranformaria, nas vidas que modificaria, nas curas que promoveria, nos milagres que faria, nas terras que conquistaria... enfim, sinceramente, acreditava que depois dos 33 anos o sujeito já poderia mesmo se aposentar de tudo e de todos -- e, quiçá, partir dessa --, tão múltiplas e fenomenais seriam as coisas que houvera feito, somente dignas, obviamente, de um velho homem barbudo de 33 anos.
fddfffsHoje, um pouco menos jovem, num momento em que completa estas trinta e três primaveras, parece que ele já não crê mais nisso e já vê um mundo de coisas ainda à sua frente, prestes a serem pensadas, tranformadas, modificadas, promovidas, feitas e conquistadas.