Insistiram para que eu entrasse no concurso de contos promovido pelo Governo estadual. Porém, preferi contar este mais outro conto da carochinha nacional. Não é inédito, não é cômico, mas sim trágico e repetitivo: o anúncio das cidades que sediarão os jogos da Copa do Mundo de 2014 e o grande erro que se está a cometer na aplicação do dinheiro público.
Quem é a
favor dos jogos? O povo, que, perdoa-o, nestes assuntos não sabe o que fala.
Quem mais? A
elite nativa, que, sem mais perdão, quer arrombar e sangrar os cofres públicos,
como de praxe.
A quem
interessa os jogos? Aos políticos de plantão, que querem com tal anúncio e
com a preparação não queimar o filme perante o povo e ter paz no espaço
midiático – no Paraná, foi o que o Governador Requião foi obrigado a fazer:
sempre disse ser contra a Copa no Brasil, mas teve que se render, com receio de
que meio-mundo culpasse-o por Curitiba ficar de fora.
A quem mais?
Ainda àquela mesma elite, que fará (ainda mais) fortuna às custas do erário,
pois, é notório, nos últimos 360 dias para a Copa o orçamento inicial
multiplicar-se-á por 5 e haverá uma avalanche de contratos emergenciais,
prorrogados ou com licitação dispensada, justificados pela “urgência” e
contratados a preços megafaturados.
A maior
balela é a de que não haverá dinheiro público em tudo isso. Tudo, alegam, virá
de dinheiro privado e de recursos externos. Espúria mentira!
A dimensão
dessa competição e as enormes demandas que geram, em termos de infra-estrutura,
instalações, segurança, financiamento e mobilização acabam fazendo com que o
setor público tenha que assumir responsabilidades (desmedidas) por sua
realização.
Esse
mecanismo de transferência de responsabilidades revelou-se duplamente danoso.
Por um lado,
a necessidade de preservar a imagem do País obrigou a União a assumir gastos
sempre que necessário. Essa percepção de segurança garantida pelo aporte de
recursos federais pode ter retirado dos outros entes a dedicação necessária em
alocar parcela de seus orçamentos ao empreendimento, agravando o fenômeno.
De outra
parte, a assunção dos compromissos de um ente por outro geralmente ocorreu com
perda de tempo precioso ou gerou situações inadequadas do ponto de vista do
controle do gasto público, como o repasse de recurso para obras em curso ou já
executadas.
Será que o
Pan já não serviu como lição? O que a população do Rio ganhou com a realização
dos jogos, afora os lúdicos 30 dias de festa pelas ruas? O que de substancial
(“infra-estrutura”) se gastou no Rio de Janeiro? Melhorou o sistema viário e de
transportes? Humanizou-se as favelas? Recuperou-se a segurança pública? Ora,
nada disso aconteceu. Por quê? Porque o dinheiro é aplicado contingencialmente
e é mal aplicado, posto que às pressas, no escurinho do cinema, em coisas
indevidas e chupando drops de caviar beluga.
No Acórdão
2101/2008 do Tribunal de Contas da União (TCU), que avaliou e decidiu sobre o
relatório final das ações e obras públicas realizadas para os Jogos
Pan-Americanos de 2007, o Ministro Relator assim diz: “[t]alvez
a infra-estrutura urbana tenha sido a área que menos benefícios obteve a partir
da realização dos Jogos (...) Nenhuma obra de relevância foi planejada ou
realizada na cidade do Rio de Janeiro em decorrência do evento. Ao contrário,
algumas iniciativas de intervenções viárias, imaginadas a partir da candidatura
da cidade à sede dos Jogos Olímpicos de 2012, e que acabaram sendo carreadas
nos planos para os Jogos Pan-americanos, foram arquivadas sem que ao menos
fossem iniciadas (...) A infra-estrutura de transportes do Rio de Janeiro foi
criticada pelo comitê técnico do COI para a seleção da sede das Olimpíadas de
2016, e recebeu as menores notas entre as quatro cidades candidatas aprovadas”.
Sinceramente,
quem foi que nos disse que é melhor se gastar com grandes pistas de ciclismo,
magnânimos campos de hóquei, explêndidos centros de hipismo e estupendos
ginásios de tênis de mesa ao invés de se investir em hospitais, escolas
e polícia?
Ora, neste
caso não vale o argumento de que “um não elimina o outro”, pois nos encotnramos
numa situação de "public choice", cujos recursos,
porquanto limitados, devem nestes casos serem aplicados séria, correta e
alternativamente.
Neste ponto, não são raros aqueles que prefiram a aplicação
do dinheiro público em saúde, educação e segurança ao invés de ser jogado na
construção de babilônicos templos de futebol.
Sinceramente,
a quem interessa dispender dezenas de bilhões de dólares em novos (?) estádios
de futebol? Para quê? A Arena da Baixada é um puta estádio, o melhor e mais
moderno do país, conforto extremo etc., mas que diferença haveria de ter com o
bom e velho Joaquim Américo, se renovado e ampliado? Por que Recife e
Fortaleza -- excluo Salvador, pois parece que a Fonte Nova não tem mais
jeito... -- hão de gastar bilhões de dólares em novos estádios se a pobreza e a
violência imperam pelas ruas? E o que falar de Cuiabá, Manaus, Natal e
Brasília, com seus mamutes brancos que terão por fim shows de forrós sertanejos
e calipsos?
Tolice dizer
que se adiantariam investimentos em infra-estrutura. Ora, ninguém no comando
deste país é criança que precisa de algum estímulo para ser aprovado. Basta
planejamento. Simples. E que se cobre por isso, principalmente a imprensa e a
sociedade civil – essa iludida por aquela –, que tanto cobravam de cada um dos
governantes das cidades-candidatas para que levassem a Copa para casa (v. aqui).
A ilustração
mais clara de como funciona essa falta de planejamento em condições cuja
conclusão não pode ser prorrogada advém de um evento relacionado à área de
segurança dos Jogos Pan-Americanos. O sistema de credenciamento e acesso às
instalações físicas dos Jogos foi definido e contratado antes que todos os
órgãos responsáveis pela função de segurança pudessem opinar sobre seu desenho.
Assim, em momento posterior, deliberou-se modificar a estrutura de controle de
acesso físico com o intuito de garantir uma segurança mais rígida para as áreas
restritas dos Jogos. O desenvolvimento do sistema de credenciamento previsto no
contrato original estava orçado em R$ 55.595,56. A alteração solicitada custou
aos cofres públicos R$ 26.700.000,00 (v. no Acórdão do TCU referido).
Outrossim,
imagine-se outro tão supérfluo gasto, como os mencionados em estádios:
vigilância internacional contra o terrorismo. O que ganhará um país pacífico
como o Brasil em dispender milhões de dólares na proteção de milhões de
atletas, autoridades e estrangeiros? Não seria muito melhor com esse dinheiro
oferecer moradia e terra a tantos dos nossos favelados e sem-terra e com isso
mitigar a violência interna?
Nas ruas, a
golpista imprensa vem com a enfadonha pergunta: “Você gostaria de ver a
Copa no Brasil?”. Ora, essa pergunta é cretina. Seria o mesmo que
perguntar: “Você gostaria de ver a paz no mundo? É claro que
90% das pessoas respondem “sim” às duas perguntas, afinal, quem não gostaria de
ver os maiores jogadores do mundo a jogar em seu país, em sua cidade? Quem não
gostaria de ver e encontrar pessoas do mundo todo, espalhadas pelas nossas
ruas, bares e praças?
Todavia, o que essa mídia não quer esclarecer e mostrar é
o outro lado disso tudo.
Nas
primeiras lições de Economia se aprende que, virtualmente, todos os gastos ou
alocações têm um “custo de oportunidade”.
E é isso que
entra em jogo, seja o dinheiro público - o que é bem pior - ou privado.
Logo, a
pergunta correta seria: "Se o seu Estado ou o seu Município
tivesse que, nos pŕoximos 4 anos, gastar um adicional de R$ 5 bilhões do seu
orçamento, em quais destes projetos ou ações públicas você preferiria vê-lo
gasto ou alocado: (a) na Copa de 2014; (b) nos sistema viário e de transporte
público, das mais diversas formas; (c) em segurança pública, das mais diversas
formas; (d) no ensino fundamental e médio, das mais diversas formas; (e) no
meio ambiente, das mais diversas formas”.
A escolha
prioritária da lista certamente mereceria uma maior reflexão por parte da massa
votante. A voluntariedade na opinião deveria passar pelas tantas privações
diárias e a decisão lúdica de se querer uma Copa do Mundo no quintal de casa
cederia espaço pela vontade concreta de se ter garantido um banco na escola, um
leito no hospital e um policial nas ruas.
Assim, mais
uma vez, munidos de pesquisas e estudos de impacto econômico, os donos do poder
tentam mostrar um coisa que, na realidade, se mostrará outra. Sempre
gostam de dar dois exemplos para os “grandes benefícios” que albergar os
maiores eventos esportivos do mundo trazem: Barcelona e Pequim, nas Olimpíadas.
No primeiro
caso, é inegável que o evento deu muito reconhecimento à cidade. Mas será
que não poderia ter feito coisas muito melhores pelo mesmo valor gasto com os
Jogos? Certamente, sim. A Olimpíada não pode servir de desculpa para melhorar
uma cidade.
No caso da
China, há uma grande peculiaridade: mostrar ao mundo, vasto mundo, que, além de
não comer criancinha, os comunistas governam um grande país.
Sim, o
grande mote com os Jogos foi revelar aos conservadores e aos (pseudo)democratas
de plantão com quantos pauzinhos se faz uma República, comandada por um partido
único, o Partido Comunista. E o mundo ficou surpreso em ver como funciona o
país, futura maior potência mundial. Sim, os comunistas quiseram pagar esse
preço.
Enfim, ao
contrário do que se tem noticiado por aí, a conclusão a que todos os estudiosos
- aqueles, frise-se, que não visam ao lucro fácil dos jogos - chegam é a mesma:
nem as receitas imediatas nem aquele benefícios a longo prazo chegam perto de
cumprir as expectativas promovidas pelos businessmen de
plantão (v. observação abaixo).
Em suma, o
bilionário gasto público vai para um ralo, a resultar em
"investimentos" públicos paupérrimos, numa situação que nem na
Patópolis do Tio Patinhas se aguentaria.
P.S. Em artigo científico publicado na prestigiada “World Economics” (v. aqui), o economista londrino Stefan Szymanski dispõe de uma quadro fruto de uma pesquisa que coletou dados dos vinte países mais desenvolvidos do mundo, a fim de ter a exata noção do impacto e dos efeitos que ser sede de um dos maiores eventos esportivos do mundo (Copa e Olimpíadas) têm no desenvolvimento nacional – e, note-se, a maioria dos países desta lista sediaram pelo menos dois destes eventos.
Tabela 1: O impacto no crescimento econômico de ser sede dos maiores eventos
Efeitofdsfdsfdsfdsfdsfd Impacto na Taxa de Crescimento
Econômico
No ano
anterior à Copa fdsfdsfdsfdsfdsfdsfdsfds + 0.218
No ano da
Copa fdsfdsfdsfdsfdsfdsfdsfdsfdsfds – 2.353
No ano
seguinte à Copa fdsfdsfdsfdsfdsfdsfdss – 0.099
No ano
anterior às Olimpíadas fdsfdsfdsfdsfdds + 0.415
No ano das
Olimpíadas fdsfdsfdsfdsfdsfdsfdsfds + 1.190
No ano
seguinte às Olimpíadas fdsfdsfdsfdsfd – 0.640fds