domingo, 2 de maio de 2010

# e assim caminha a humanidade (xviii)


fdsEnquanto isso, no fraternal churrasco deste sábado à noite, um dos grandes amigos dispara e lança quatro pedras, uma atrás da outra, sem pestanejar e já com o peculiar tom provocativo (e de quem ignora a essência do discurso):
fds - “Olha bem... é o seguinte: um tio meu foi pra Cuba e disse que deixou sem querer cair umas moedas no chão e a turma em volta se jogou no chão e ficou brigando para pegá-las... [e insistiu com mais um ou outro conto da carochinha]... Cara, não adianta, o mundo é capitalista... [e seguiu a falar como se estivesse a defender um dogma, uma religião]... Hein, vocês sabem: a Dilma é uma bandida... [longa sequência de impropérios e de bestiais criações]... Pois olha, eu não quero com ela de (sic) presidente ver fechada as nossas televisões... ver aquilo que tem na Venezuela, acabar com as tv's e só ter televisão do Estado... [e repete aquela cantilena típica de quem propaga as ideias e os ideais dos seus quatro evangelistas: Globo, Veja, Folha e Estadão].
fds Como uma (quase) ilha rodeada de grandes amigos conservadores, de direita ou reacionários por (quase) todos os lados, procuro não insistir em discussões filosófico-político-econômicas. Mas vou ainda além, pois busco abster-me de nelas entrar, para não ver desgastado os sentimentos de amizade e de afeto. Mas, a cada dia, abstrair é cada vez mais difícil, tamanha a “cegueira branca” que adoece tantos.
fds E naquele monólogo acima descreve-se uma dessas ultimas tentações, no qual o interlocutor quer convencer, a mim e aos correligionários em volta, essas quatro coisas: a primeira, de que o inferno latino-americano chama-se democracia; a segunda, de que o mundo é assim mesmo, gigante e capitalista pela própria natureza, e que nada podemos fazer, senão sucumbir às suas inverdades, injustiças e ilegitimidades; a terceira, de que Dilma Rousseff -- candidata do Governo Lula à sucessão presidencial -- come criancinha; e, a quarta, de que a nossa Constituição não deve e não pode valer muita coisa e que, portanto, é ridículo o fato de o Estado, via Poder Executivo, ter a prerrogativa de outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para as emissoras de rádio e televisão
fds Vamos por parte, como diria Jack, the Ripper.
fds-- x --fds
fds Segundo uma recente pesquisa do Ministério da Saúde, mais da metade da população brasileira não usa escova de dentes, número este (in)justificado pela falta de condições financeiras e de instrução da população (v. aqui).
fds Assim, enquanto no Brasil o "mercado" oferece escovas de dente grande, média, mini, da Minie, azul, roxa, de bolinha, de oncinha, com cerdas moles, duras ou de plumas, com vibrador, com massageador etc. e cremes dentais de menthol, de frutas silvestres, de pistache, verde-uva, superbranco, super-super branco, super-power-extra branco etc., em Cuba, por outro lado, os mercadinhos, privados ou estatais, oferecem escovas e pastas magnificamente simples e sem grandes opcionais, mas absolutamente eficientes e ao alcance de todos, pois o Estado ensina, exige e cuida do seu uso correto e universal.
fds Sim, em Cuba, o ato de escovar os dentes e não tê-los (ou tê-los podres) não é privilégio de classe social.
fds Lá, há décadas, tem-se níveis de excelência em praticamente todos os dados relativos à saúde da população -- e quem diz é a Organização Mundial da Saúde e a ONU. Mas, coitada, não consegue oferecer a sua gente uma escova elétrica com cerdas de pelo de urso ou uma pasta com sabor de tâmaras maduras, veja só...
fds Sim, são por essas e outras que Cuba é destratada e menoscabada pelos idiotas de plantão que, sentados cada qual em seu barril, insistem nas maravilhas que o "mercado" pode proporcionar e nas agruras de uma vida sem um enorme corredor de supermercado com centenas de pastas e escovas para escolher. O Estado? Ora, o Estado só nos atrapalha, só quer o nosso mal, o nosso sangue, a nossa alma! Vade retro! "Deixem-nos sós!", brada a elite branca nacional.
fds Todavia, essa nossa turma esquece que apenas poucos brasileiros permitem-se essa freedom to choose, essa que é a maior ladainha neoliberal e que também vem refletida na pesquisa em comento, cuja realidade, hipocritamente esquecida pela nossa burguesia, jamais a deixará a sós e em paz.
fds Definitivamente, os papagaios de plantão, que pensam com as cabeças dos grandes veículos midiáticos e só repetem o que os editorialistas dos grandes irmãos dizem, insistem na ‘forma” da democracia formal, de aparência, que tem por base aquela idealizada no liberalismo ocidental e doutrinada por Tocqueville.
fds Ignoram, portanto, o que é uma verdadeira democracia: o governo do povo, para o povo e eleito pelo povo.
fds Desconhecem o que significa um Estado que consegue oferecer a toda a sua população saúde, educação, alimentação, moradia, lazer e segurança.
fds Não percebem que mais importante que "um ou outro" poder comer picanha, poder ir para spas ou para as ilhas gregas, poder ir a shopping centers, poder comprar um carro supersônico e poder morar em palacetes, é a concretização de um estado no qual "todos" têm comida, saúde e educação exemplares, lazer gratuito, os bens de consumo necessários e um lar.
fds Desconhecem, assim, que só há justiça se cada cidadão ter atendido os direitos humanos fundamentais básicos. E isso é básico.
fds Enfim, fingem esquecer que, no Brasil, crianças, velhos e jovens se amontoam, se matam e se maltratam pelos sinaleiros, pelas favelas e pelas marquises da vida, em cujas ruas lutam não só por moedas, mas por comida, diversão e crack.
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fds Não sei que diabo faz toda essa gente achar que o capitalismo é normal ou natural. Talvez tentem defender a tese de que o espírito egoísta é da essência humana e, logo, o capitalismo --quintessência do egoísmo -- também o fosse. Mas não, não é. Ao menos para mim, para os socialistas e, claro, para os cristãos, vez que o Pai do cristianismo, Jesus Cristo, foi o maior socialista de todos, a pregar como máximas de vida a igualdade e a fraternidade.
fds Achar que o capitalismo é o fim da história, além de uma grande estupidez, faz refletir a total falta de crença no próprio ser humano (e, pois, em si mesmo), admitindo que a luta com o lado esquerdo do peito -- e com as ideias de solidariedade social, de Estado protetor e de interesse público -- sucumbirá às trevas do "darwinismo social", do "Estado predador" e do "interesse privado".
fds Sim, para a nossa burguesia o livre mercado e o desvairado consumismo conformam uma religião.
fds O consumo, pois, é o ópio dessas elites.
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fds Impressiona que, diante da inegável competência e popularidade do Governo Lula, tenha sumido boa parte de toda aquela gente que, pelos idos de 1989 a 2006, insistiam em defenestrar o cara (e a sua equipe técnico-política) que há 2 anos é considerado um dos grandes líderes mundiais e um dos grandes políticos da história.
fds Porém, como não podem ir contra o óbvio ululante e criticá-lo -- sob pena de, ao menos, serem considerados idiotas --, escondem-se no hipócrita discurso de que sempre o quiseram e o amaram, mas que, agora -- ah, agora! -- a conversa será diferente...
fds Sim, insistem em dizer que, ora pois, a Dilma é um monstro, a Dilma é uma terrorista que, como uma loba-má vestida de vermelho, come vovós e criancinhas.
fds Sim, insistem em fantasiar que um Governo Dilma será um governo de guerrilha, um governo bandido, um governo ditatorial. Sim, insistem em mentir que, com ela, não vamos mais ter a “democracia” e a “diplomacia” de Lula.
fds Ora, até podemos ter a certeza que Dilma não tem a empatia, o carisma, o jeitão e o laissez-faire do ex-sapo barbudo. Falta-lhe a teatralidade espontânea -- uma expressão quase antagônica -- e a vivacidade política do nosso presidente.
fds Porém, não é isso não que assusta a nossa classe média-alta, inclusive pela fato de ser notória a imensa capacidade e competência técnica de Dilma Roussef, a grande gestora do segundo mandato de Lula.
fds Na verdade, o que essa gente da classe média-alta teme, é a continuidade de um governo popular, populista, do povo e para o povo.
fds Na verdade, na verdade mesmo, essa nossa pequena burguesia inquieta-se é com o iminente (e certo) aprofundamento das políticas sociais, de distribuição de renda, de reforma agrária, de emprego, de (re)estatização dos setores estratégicos do país e de absoluta soberania.
fds Contra isso, vale tudo. Até dizer que Dilma é feia, boba...
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fds Esta perspectiva de (pseudo)democracia que os néscios costumam clamar nada tem a ver com a verdade do regime democrático, cujo conveniente protótipo -- vez que apenas protege e impulsiona os interesses das elites, e não os do povo –, afora outros, sustenta-se sob a falseada ideia da liberdade de imprensa, que por aqui -- e em quase todo o mundo -- funciona sob uma falso mantra. E Karl Marx, arguto defensor desta liberdade, já explicava a sua deturpada forma.
fds Marx acreditava que poderia haver liberdade de imprensa, e na sua obra “Liberdade de Imprensa” disse: “A imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a confiança personalizada do povo nele mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais, e idealiza suas formas brutas. É a franca confissão do povo a si mesmo (...) A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê, e a visão de si mesmo é a primeira condição da sabedoria.”.
fds Contudo, Marx já enxergava que a liberdade de imprensa -- tal qual o tal Estado liberal ocidental -- poderia ser usada de forma desastrosa por pessoas mal intencionadas: “essas pessoas fazem uso da linguagem para mentir, a mente para intrigar, as mãos para roubar, os pés para desertar”.
fds Portanto, um dos problemas dessa visão reducionista que marca o liberalismo, seccionando a esfera político-institucional do resto da formação social, é que vai buscar a resposta no lugar errado. Saber se um país é democrático é saber se sua sociedade é democrática. O sistema político é uma parte dela e deveria estar em função não de si mesmo, mas de criar uma sociedade democrática.
fds Mas o pior desses critérios é tentar fazer passar que imprensa privada é critério de democracia. Imprensa mercantil -- fundada, pois, na propriedade privada, na empresa privada -- significa a subordinação do jornalismo a critérios mercantis e comerciais, ou seja, lucro e custo-benefício a ser financiado por um dos agentes sociais mais importantes: as grandes empresas, o que faz com que a chamada imprensa “livre” seja, ao contrário, uma imprensa refém (e catalisadora) dos setores mais ricos e dominantes da sociedade, vinculada e dependente dos seus interesses.
fds Portanto, essa chamada imprensa “livre” passa a representar as vontades do mercado, daqueles que anunciam nos veículos produzidos por essas empresas, que são mercadorias, que transformam as noticias e os artigos que publicam em mercadorias e insturmentos de cooptação.
fds São então “livres” de quê? Do controle social, da transparência do seu financiamento, da construção democrática da opinião pública. Prisioneiros do mercado, dos anúncios, das agências de publicidade, das grandes empresas privadas, do dinheiro.
fds Uma imprensa livre, democrática, transparente, não pode ser uma imprensa privada, isto é, mercantil. Tem que ser uma imprensa pública, de propriedade social e não privada (e familiar, como é o caso das empresas jornalísticas brasileiras).
fds Neste aspecto, a grande verdade do regime democrático vem exigir uma democratização dos meios de comunicação, cujo monopólio em mãos de grupos capitalistas hiper-concentrados, os mais prepotentes de toda sua classe, é incompatível com qualquer justiça eleitoral ou soberania democrática real.
fds Mais do que isso, vem exigir, no plano constitucional brasileiro, que os meios de comunicação atendam aos seguintes princípios: preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; e, respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
fds Em suma, exige-se que a imprensa mercantil cumpra o seu papel (e que tenha uma função) social. Se não o cumprir ou não o tiver, é passível de não ver renovada a concessão pública para funcionamento. Simples assim.
fds Porém, na “diabólica” Venezuela, só por muito mais do que isso não se renovou a concessão da “rede globo” local: provou-se que a tal rede de televisão (RCTV) foi a principal aliada dos golpistas que sequestraram Hugo Chávez e que tentaram, impedindo a sua posse depois de eleito, em abril de 2002, dar um frustrado Golpe de Estado.
fds No mais, a nunca suficientemente difamada Venezuela continua a ter todas as suas outras grandes redes abertas de televisão, em número quase igual ao que se tem na exemplar democracia brasileira, onde, há séculos, admite-se qualquer tipo de arranjo, golpe e jogo de poder perpetrado pelas grandes famiglias que comandam as telecomunicações nos âmbitos nacional e regional.
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