A minha primeira imagem de futebol também foi com a seleção brasileira, em 1982.
Lembro-me que, indignado, não entendia a derrota para aquele time azul e o fim da Copa para nós.
Arranquei-me da camisa amarelinha, flertei em desbordar o número 8 às costas e disse que nunca mais iria torcer.
Até que bem me recordo do meu velho Bigode, vindo até mim na garagem de nossa antiga casa em Curitiba, puxando-me pelo braço e, já comigo no colo, explicando para alguém de 6 anos o que foi aquilo tudo.
Dentre outras coisas, confessou-me que Sócrates não iria gostar de me ver ali, triste e sem a camisa – já largada no chão e misturada ao caldo da sujeira de uma festa que não houve.
E a notícia dada rapidamente me recompôs da raiva e das lágrimas.
Tive, ali, como parte integrante da frustração coletiva nacional, a minha primeira lição da derrota e do que para nós representa o belo e rude esporte bretão.
Mas não foi apenas este o retrato que guardo do meu primeiro jogo da nossa seleção.
Viva na memória está toda a preparação decorativa, todos os rituais, todos os quitutes, todas as garrafas de cerveja e de gasosa e toda aquela gente que sem parar chegava para o grande evento.
Era a Casa cheia, prenúncio e desculpa para uma grande festa, como de praxe toda família de oriundi gosta de fazer.
O agito, o barulho, os suspiros, os gritos, as fantasias, os risos, os comentários de toda sorte e de todo azar.
E eu, um minúsculo torcedor, a zanzar em frente à tv num ritmo enebriante, achava tudo aquilo o máximo.
E passava a achar o futebol o máximo.
E passava a achar o máximo ver toda aquela gente amiga e querida junto, aos berros e aos nervos.
Éramos uma multidão, que fazia daquela nossa sala o maior estádio do mundo.
E foi neste domingo, numa apoteótica amostra de um possível resgate do futebol brasileiro, que toda esta história me veio à mente.
Não era a Copa, mas tinha ares de um jogo que parecia querer buscar a nossa redenção como donos da bola.
Mas aqui, longe neste Rio de Janeiro, a casa agora era menos cheia.
Distante daquela minha gente, a sala já não espumava agitação, barulho, suspiros, gritos, risos e comentários.
Neste domingo, para ver o massacre do Brasil contra a melhor seleção do mundo, tive a companhia solitária de um minúsculo cara.
Um cara ainda mais minúsculo do que aquele que, em junho de 82, saracoteava do colo ao congote do meu pai.
E agora o colo era o meu, e ele não era simplesmente alguém que ainda não vestia uma camisa 8, que ainda não sabia o nome do nosso camisa dez, que ainda não sabia falar “Brasil”, que ainda não sabia o que é um juizfilhodaputa ou uma kaiserbock ou um grito "vâmoquevaidá" e que ainda não sabia sequer zanzar aqui, zanzar acolá...
Mais ainda, era alguém que, na viveza dos seus oito meses, nunca se lembrará daquele dia e do que ali se passou, tão-pouco que ali seria a sua primeira ideia visual de futebol.
Mas, na verdade, nada disso importou.
Porque este alguém, no jeito dele, conseguiu me fazer a amada companhia que precisava.
Neste domingo, o Benjamin foi o meu Maracanã.