quarta-feira, 17 de julho de 2013

# pecado burocrata


E agora a visita do Papa.

Sou cristão, católico, apostólico e da teologia da libertação, para confusão de muita gente (v. aqui, aqui, aqui e aqui).

Mas, infelizmente, devo discordar da visita de Sua Santidade, pois a presença em solo carioca (e brasileiro) está a causar o longo tumulto de sempre.

E, para variar, a imoralidade, o desrespeito e o escárnio com o serviço e o dinheiro públicos.

Podem não acreditar, mas na semana da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) os serviços públicos municipal, estadual e federal não-essenciais (sic) estarão fechados no Rio de Janeiro e os seus servidores estarão de “folga” – sim, sem eufemismos, o nome é esse mesmo – pelo período de dois a quatro dias, a depender do caso.

É a baixeza moral, é o descaso republicano, é a absoluta inconsequência dos atos. E, pasmem, justamente neste momento em que parte do mundo foi pra rua detonar tudo o que vem (e sai) do Estado. É, pois, a falta de comprometimento e a falta de noção, que não podem se distanciar muito do comportamento daqueles que usam aviões da FAB para deleite particular, que promovem festas de arromba com o indireto dinheiro público e que se tornam inquilinos de praias públicas para eventos privados.

Mas não para por aqui.

Nesta semana de “autorreclusão burocrática”, vejo o regozijo de quase todos os meus pares diante desta baderna escancarada, lambuzando-se por "se darem bem" com o fato que passam a tratar e nominar de "feriado".

E se não há o regozijo, há a ignorância, encarando com naturalidade o fato de não trabalhar por todo este tempo, com a pseudojustificativa de que a cidade estaria entupida de gente e que ir trabalhar seria dificílimo e improdutivo (sic).

E se não há o regozijo e a ignorância, há o deboche, se segurando na onda de que no Brasil é sempre assim.

É a automutilação, é a autoanulação da sua figura pública e profissional, é como se dissesse: “pois é... bem que dizem que o Estado mínimo é o canal! Eles dizem mesmo que o Estado não serve pra nada, que não funciona! Eles a toda hora falam que o servidor público não gosta e não quer trabalhar! É, e afinal, se eu digo que eu não sirvo, por isso mesmo não poderia estar a serviço de nada...”, e segue a cantilena.

Sim, para alguém que acredita quase dogmaticamente no “Estado máximo” e na absoluta presença e intervenção do Estado na condução das coisas, ouço isso com pesar e revolta, e como algo inadmissível e incompreensível para estes tempos.

Ora, seriam nada menos do que três hipóteses para este caso da visita papal, cujas soluções em nada se parecem com o momento disneylândia que as sessões da tarde e de praia propiciarão em razão da folga concedida.

A primeira é não sediar o evento. Sim, se não há estrutura urbana para isso, não assumamos (v. aqui, quando também envolve outras coisas). Embora diferente do que se passa com a Copa, as Olimpíadas e acontecimentos afins, os poderes públicos também não poderiam concordar com a realização da JMJ no Rio. Logo, que fosse para o Canadá, para a Escandinávia ou para a China – ou, se aqui, para um sertão woodstockiano –, onde os territórios urbanos comportam a movimentação de centenas de milhares de pessoas sem provocar (tanto) caos e desordem; ou, se não-comportável, lá onde o serviço público poderia se dar uma trégua, segurar em casa os seus servidores e parar pelo tempo que bem entenderem, afinal, eles teriam moral e eficiência para tanto.

A segunda hipótese é, se vai sediar, nada mude. Ora, a ampla maioria de quem trabalha não será incomodada pelo fluxo de pessoas, a cidade dispõe de metrô e, ainda, a concentração se dará na Zona Oeste e na Zona Sul, não proibindo o trânsito em outras regiões. Ademais, muito bem se poderia relativizar atrasos ou saídas mais cedo de trabalhadores, se caso fosse.

E a terceira é: vai sediar e vai querer segurar em casa os servidores públicos, que haja uma compensação de horas e que os dias não trabalhados sejam oficialmente repostos, para não se configurar enriquecimento indevido.

Não, não... não pensem que esta última hipótese seria simplesmente óbvia. No serviço público brasileiro nada é óbvio, e o comportamento de servidores públicos brasileiros não é óbvio. E tanto não é que nem esta, e nem as outras duas hipótese, parecem ter sido empenhadas.

É a gula pelo umbigo do gozo de se dar bem, é a preguiça pelo trabalho estatal, é a luxúria pelo momento hedonista da folga, é a inveja por saber que tem gente fazendo igual por poder fazer.

E é a minha "ira", é a minha "vaidade" por ser um dos poucos, ao menos na minha terra, que enxerga isto tudo com um olhar de crítica e repulsa.

Pois é, precisarei do Papa para me confessar  – e dos meus sais para digerir a situação.