domingo, 9 de março de 2014

# malfazendo-se


Denso, complexo, completo.
 
“Breaking Bad” é um exemplo impecável da televisão como forma de arte, distante do propósito chauvinista de poder ou de império do lixo cultural alienante que costumam caracterizá-la.
 
E, desde já, um filme em bem longa-metragem. 

Pois é, encare-o assim, como um filme com aproximadamente 50 horas de duração, repartido em 63 capítulos de singular brilhantismo – é cinema, meus caros, a sétima arte em estado puro (e bruto).
 
Atores e atrizes esplêndidos, em torno de um protagonista (Bryan Cranston) cuja atuação, sem exagero, talvez seja a melhor que vi de alguém na vida – e esta opinião não é só minha, v. aqui a carta aberta de Anthony Hopkins sobre Bryan e a série –, não são os únicos detalhes desta obra-prima. 

É que o modo como "Breaking Bad" trata o ritmo da trama constitui um dos elementos cruciais da sua genialidade: recua quando você acha tudo irretroativo, avança em momentos para bricolagem do telespectador, talha caminhos para que juntemos os cacos, abre reticências para que finalmente pontuemos e se farta de flashbacks ou flashforwards de forma fabulosa.
 
Estilizada visualmente, com um fascinante jogo de cores e intensas rimas visuais com simbolismos propostos cirurgicamente, uma fotografia esplêndida que emerge cada situação em brilhos ou trevas e mergulha cada personagem em luzes ou sombras, criativos truques de câmera e vertiginosas capturas de cenas com locações que arrombam a retina – quase tudo acontece em Albuquerque (Novo México, EUA), local que, efetivamente, também é um personagem –, embebidos em um primoroso design de som e em composições de uma trilha sonora irritantemente primorosa que cola em segundos na alma de tudo o que mostra. 

E mais.
 
Sem perder o fôlego, um roteiro fechado no qual todas as ações e direções têm uma justificativa, com pontas muito bem conjugadas, arcos de enredo milimetricamente arranjados e diálogos arrebatadores e que vão direto ao osso, apresentados por figuras construídas para serem humanamente possíveis, sempre a dizer o que precisa se dizer ou a não dizer o que merece eloquentes silêncios.
 
Há negrura, azedume, ternura e vingança. 

Há orgulho e preconceito. 

Há dependência e redenção. 

Há desespero e solidão. 

Há tensão aguda e risos sinistros. 

Há uma angústia avassaladora ao fim de cada capítulo.

E há um alívio viciante a cada recomeço.

Enfim, tudo faz desta saga psíquica do genial e fosco professor de química Walter White – e do seu alter-ego Heisenberg, cuja intensa ambiguidade faz corar Mr. Hyde e Dr. Jekyll – um trabalho absolutamente irrepreensível. 
 
Assista.
 
E não porque "Breaking Bad" recheia-se de todos estes atributos tecnicamente perfeitos.
 
Assista, simplesmente, porque é um sublime entretenimento.
 


"Ezequiel 25,17" (ou, breaking bad)