E os jornalões estampam nas manchetes os 50 anos do Golpe que ajudaram a dar.
Como
diria Eça de Queirós, trata-se de má-fé cínica ou obtusidade córnea.
Todavia,
bem se sabe que obtusa esta massa não é.
Logo, é cinismo de uma gente que ousa tratar os vinte e um anos de trevas (1964/1985) como um
"escorregão", um "vacilo", tal qual, no seu
íntimo, devem conceituar os anos todos de escravidão e de
casas-grandes país adentro, por exemplo.
E,
pior, de uma gente que acredita que o obsequioso silêncio do Executivo, a claudicante atuação do
Legislativo e os salomônicos passos de siri do Poder Judiciário acerca dos
crimes promovidos pelo Estado ditatorial brasileiro são meras contingências do "pacto
republicano" (sic), indispensável para a retomada da nossa ordem democrática.
Logo,
a mando dos militares e da elite burguesa de plantão – os senhores do
golpe civil-militar e daquela ditadura –, os grupos midiáticos defendem, com a sutileza que lhes convém, a perenização do
acordo, cujas rédeas nos acorrentam ao passado de reticentes sombras.
Ora, o Brasil precisa, sim, exumar aquele período, abrir as
valas hermeticamente fechadas dos esgotos dos nossos anos de deteriorada existência institucional para fazer exalar o cheiro daquela democracia torturada, morta e
sepultada.
Ainda,
a torta e viciada "Lei de Anistia" não pode continuar servindo de impeditivo à
cicatrização de todas as feridas que aqueles funestos anos provocaram, sob uma interpretação convenientemente poética do STF (v. aqui).
Aprovada em 1979 por um Congresso desnacionalizado, a funcionar como
fantoche de civis e milicos nauseabundos, a Lei de Anistia continua a impedir o
julgamento de acusados de crimes cometidos durante o período ditatorial (tortura, sequestro, assassinato etc.), o que, para variar, confirma a nossa
tradicional reputação de país da impunidade.
É claro que mudar a tal Lei é mais simples do que parece, como inclusive a
maioria na América Latina já fez – tal qual os países europeus acometidos pelos regimes fascistas pós-Guerra –, razão pela qual apenas o nosso
espírito de "homem cordial", para dizer o mínimo, pode justificar a
primeira decisão do STF (em 2010) de não revisar a lei, passando por cima
de qualquer ordem justa e moral e tergiversando, como se rancor ou revanche estivem na pauta jurídica.
Não custa lembrar: a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a se
manifestar sobre a "Guerrilha do Araguaia", decidiu que o Estado
brasileiro deve processar (e punir) os responsáveis por violações aos direitos
humanos durante a ditadura – ora, não se exige superpoderes exegéticos para entender
que a sentença desse órgão internacional é extensiva a todos os crimes
cometidos durante a ditadura.
Assim, deve o Governo brasileiro, por intermédio da "Comissão da Verdade", deixar de ter um atuação de bom menino, de politicamente
(in)correto, de transmissora de mensagens e campanhas de paz&amor, para
definitivamente, encampar um projeto de lei que revise, altere e acabe com a nefasta Lei de
Anistia.
Chega de filminhos sobre aqueles anos, chega de discursos lacrimejantes
sobre aquela época e chega de passar a mão na cabeça de quem tanto nos
negou o sangue forte da liberdade e da igualdade.
Enfrente-se o Congresso, seus barões e seus canhões; arroste-se os Tribunais e toda a sociedade conservadora que diuturnamente ultraja o progresso (e que sonha com milicos e salazares, como este português fascista que encontrei aqui); e, finalmente, se exponha à sociedade os retratos de quem não quer resolver este nosso passado de chumbo.
Enfrente-se o Congresso, seus barões e seus canhões; arroste-se os Tribunais e toda a sociedade conservadora que diuturnamente ultraja o progresso (e que sonha com milicos e salazares, como este português fascista que encontrei aqui); e, finalmente, se exponha à sociedade os retratos de quem não quer resolver este nosso passado de chumbo.
Afinal, é evidente que passar
a limpo a nossa história exige preencher esta lacuna, urgentemente, abrindo o baú para se resgatar a verdade tanto sufocada e promover o processo e a condenação de todas aquelas pessoas ligadas ao lado canalha da força golpista.
Ainda
que nas respectivas testas já se possa colar, desde sempre, a dívida moral que elas têm com o Brasil.