A hipócrita esquizofrenia do Congresso Nacional -- o nosso Poder Legislativo -- é de dar dó.
Dó da
população, é claro.
Naquele
tal junho de 2013 (v. aqui e aqui), o pouco
de real e verdadeiro que se pôde extrair das ruas foi que a população queria
ser vista e ouvida, queria participar e colaborar nas ações públicas e na gestão da coisa pública.
O sinal foi claro,
cintilante: a democracia exige mais que a mera representação.
E assim o
Governo -- o Poder Executivo -- agiu, criando o Decreto nº 8.243/2014, que
institui a "Política Nacional de Participação Social"
(PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS) -- v. aqui o
ato normativo e aqui ele
muito bem resumido.
Com ele, a gestão pública mostra-se mais aberta ao diálogo e às demandas de movimentos sociais e da sociedade civil.
Com ele, a gestão pública mostra-se mais aberta ao diálogo e às demandas de movimentos sociais e da sociedade civil.
Sim, a "sociedade
civil" -- e até abstraímos os
movimentos sociais, que realmente exigem maior articulação e invariavelmente
podem sofrer sob o poder das suas lideranças.
Mas falamos da "sociedade civil": eu, tu, eles, nós, o bombeiro, o carteiro, o pescador, o
professor, a parteira, a cozinheira, a dançarina, a vascaína... ou seja, a "sociedade", que, afinal, é a sociedade.
Entretanto,
acreditem, o óbvio ululante não parece soar tão lógico assim para a turma que baba a
ignorância do ódio e que está reproduzida nos editoriais, nas capas e nas cartas dos jornalões.
Junto a esta
baba, moços e moçoilas da nossa Câmara de Deputados rejeitam -- e do nosso Senado
rejeitarão --, com constrangedor orgulho, o Decreto.
E votam contra.
Não o querem.
Afinal, ora pois, a democracia sempre teve medo do povo -- e a direita tem especialmente medo da democracia, como aqui analisou Paul Krugman.
Afinal, ora pois, a democracia sempre teve medo do povo -- e a direita tem especialmente medo da democracia, como aqui analisou Paul Krugman.
E a maioria
do Congresso Nacional crê nisso, de verdade, uma vez que é difícil acreditar que
refutaram o Decreto como mera estratégia política para mostrar ao Governo
reeleito "quem é que manda".
Ao cabo consideram a medida
antidemocrática e inconstitucional.
Julgam que tal
participação é comunista, chavista, chantagista, xamanista...
"É coisa de
pornochanchada", os mais exaltados comparam.
E insistem em deixar o povo bem longe do poder, como aqui se explicou.
Vejam, meus caros, que se está a conceder o mínimo do mínimo da mínima abertura política e o clamor é, justamente, ao contrário, revelador manifesto do medo das massas.
E insistem em deixar o povo bem longe do poder, como aqui se explicou.
Vejam, meus caros, que se está a conceder o mínimo do mínimo da mínima abertura política e o clamor é, justamente, ao contrário, revelador manifesto do medo das massas.
E vamos além.
Tal medida é
mero embrião de uma democracia que já se vê desgastada, enfraquecida e
desacreditada -- é a pequena solução para a tal "crise de
representação".
Esta democracia
representativa -- embora essencial e sem qualquer pretensão de deslegitimar a sua
capacidade de expressar a soberania popular --, urgentemente exige o diálogo e
a convivência contínua e habitual da participação direta, nas formas
participativa e deliberativa, como a Presidenta Dilma está a propor.
A construção
destes novos espaços democráticos e o ingresso de novos atores políticos e
sociais apartidários -- ao contrário do que se está a anunciar -- apenas
fortalece a representação popular e as instituições republicanas.
Ora, a partir da
Constituição de 1988, os governos que se seguiram -- especialmente na gestão Lula -- têm institucionalizado a participação e deliberação popular, nas formas mais
tradicionais, como o referendo e o plebiscito, ou naquelas menos conhecidas, como as
conferências nacionais de políticas públicas, os conselhos nacionais e locais, as audiências públicas e as
ouvidorias.
Porém, como se
sabe, tudo muito aquém do que a democracia pode exigir.
E quando se
pretende dar um pequeno passo à frente -- mas um grande passo para a sociedade --, de modo a permitir que as pessoas
envolvam-se um pouco na formulação, execução, monitoramento e controle de
políticas públicas, o avanço é brecado.
E quando se quer
iniciar um processo de entronização do povo nas discussões do Estado, fomentado
que os cidadãos participem e deliberem sobre as questões públicas para
além do exercício do voto, a ação é bastarda.
E quando se
busca de permitir que a cidadania e a democracia não se esgotem nas eleições, estimulando a
presença participativa e deliberativa da população de forma sistemática e
aprimorando a relação do governo com a sociedade, o resultado é broxante.
Enfim, bem se sabe que
a frustração não pode ser uma novidade na realidade social e política
brasileira.
Logo, esta
imagem da grande mídia e da direita bovina, babando em êxtase diante da
intervenção legislativa que derrotou o Governo e fingindo que não vê e
não ouve o povo nas ruas, deve servir como mais outro exemplo de como o jogo
deve ser jogado.
E de que lado
estão as peças neste tabuleiro.