Trata-se de uma situação como a do ovo e da galinha: quem veio primeiro, o corrupto ou o corruptor?
Mas, se porventura não queiramos ter a mesma dúvida criacionista e sobre ela buscar a metafísica da questão – o que, ao meu ver, passa pela discussão da natureza humana e dos valores desta sociedade, fetichizada na riqueza material, como aqui, aqui, aqui e aqui dissemos –, vê-se que a solução está na artificial existência siamesa de interesses públicos e privados, de Estado e capital, de política e business.
Ora, se a política continua na sombra corruptora do dinheiro, o dinheiro continua à sombra da política, como aqui se disse.
Historicamente, assim se fez boa parcela das maiores fortunas do Brasil adentro; e assim se faz em Brasília, assim se faz na Petrobras, assim se faz no Rio, em Curitiba, em Araucária..., enfim, a grande parte da massa bem-cheirosa que arrota habilidade e desfila competência locupleta-se roubando do Estado.
Mancomuna-se com agentes públicos ou políticos, e se entope de privilegiadas informações e polpudos contratos; ajeita-se com juízes, promotores ou policiais, e se farta de doces e convenientes decisões jurídicas – aqui, inclusive, lembramos desta entrega total dos pseudocapitalistas à tal farra...
E se chega nesta sexta-feira, e parece que finalmente o Brasil escancara este outro lado da moeda – v. aqui.
O país parece ter cansado de ser hipócrita e põe na janela o lado antes engomado e poliglota, o lado meritocrático, o lado eficiente, o lado que produzia, o lado sério e imaculado que se obrigava a participar da picaretagem nacional.
Eram vítimas, quando muito, como se insiste em dizer.
Na verdade, eram invisíveis no assunto corrupção, pois sempre muito bem escondidos pelos nossos poderes estatais e, claro, pela grande mídia.
Hoje, escancarado está que ao lado dos canalhas que desdizem o juramento à defesa e à promoção do interesse público, da ética e da legalidade, estão outros bandidos que, embora não jurem nada disso – "it's business, stupid!", dir-se-ia por aqui –, jamais poderiam agir como a inocente donzela que involuntariamente morde a maçã da bruxa.
Hoje, se alguns políticos e servidores públicos e as cúpulas partidárias que estão ou estiveram no poder afundam-se neste que talvez seja um bom momento da República, levam junto, como um Caronte infernizado, parte dos magnatas brasileiros que jamais honraram as calças do capitalismo que vestiam – eis, pois, o grande mérito do Governo Dilma.
E atente-se.
Tem muito, muito mais por aí e para além das já tradicionais "empreiteiras" – lembre-se aqui e aqui de casos recentes envolvendo este bando, sempre a empreender com metodologia similar ao tal "Clube" de agora (v. aqui e, num vaticínio acerca das "donas de um monte de coisas", aqui).
É hora de mexer no vespeiro do transporte público – das empresas de metrôs, trens e ônibus (v. aqui e aqui) –, dos serviços regulados e de outras tantas concessões que, nas mãos de síndicos ilegítimos da res publica, são tão nefastas e contrárias ao interesse público.
É hora de encarar de frente, e com a honestidade técnica e intelectual que merece, o modus operandi de agências reguladoras e de parcerias público-privadas tão nocivas à sociedade.
É hora de a Presidenta Dilma aparecer em rede nacional, semanalmente, para mostrar o que faz e o que fará para mudar o país nesta matéria – que, repitamos, não é a mais crítica do Brasil e nem nos deve merecer as mais profundas ilusões republicanas.
Afinal, meus amigos, ela mais uma vez prova: corrupção não se combate com mera retórica (v. aqui) e, principalmente, nem com embustes cinematográficos como essa "Operação Lava Jato", que nasce com (desvio de) finalidade e (conveniente) final: a caçada vermelha, com fins soturnos e antidemocráticos.
E, por isso, doravante teremos uma guerra – como disse Dilma, "não vou deixar ficar pedra sobre pedra" (v. aqui).
Ora, embora se saiba que qualquer coisa que aspire tornar o mundo e as pessoas menos complexos, menos paradoxais e menos variados esteja a cometer uma pequena calúnia com a realidade, posto que são múltiplas as realidades – inclusive no mundo das relações público-privadas –, "esta" realidade finalmente veio ao sol.
E este sol exige obrigações e saídas, pois como disse Kafka em um dos seus aforismos, "de um ponto determinado em diante não há mais retorno; esse é o ponto a ser alcançado".
E sem retrocesso, porquanto inadmissível para um novo Brasil, os interesses a serem enfrentados – mais ou menos dissimulados, ocultos ou escancarados – serão muitos e o desafio será hercúleo.
Portanto, se o Judiciário – se sob uma autêntica independência e justa observação do Executivo e do Legislativo – chegar a algum lugar certo, imparcial e que alcance a todos, trata-se de uma empreitada histórica e valiosa.
Por isso, se é a "paz perpétua" que a nossa sociedade deseja, preparemo-nos para a guerra.
Tal qual no ditado latino: si vis pacem, para bellum.
Sem máscaras, sem medo.
E com o coração valente, para lutar contra tudo e todos.