Bem, na "Noite dos Mascarados", Chico canta que depois do carnaval tudo volta ao normal.
Porém, neste tempo de cinzas em que
vivemos, não se tem tanta
certeza de que o amanhã será mesmo outro dia -- e com a posse do seu novo presidente, esta Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) cada vez mais se torna um motivo de piada, não fosse uma tragédia anunciada (v. aqui, aqui e aqui).
Afinal, hoje repousa-se na mais moderna fantasia do capitalismo: a máscara da "regulação", uma ideia quase divina que, a enebriar como sopro de sereia e a paralisar como um olhar medúsico, não parece querer cair numa quarta-feira qualquer.
E, mais uma vez, são exemplares as lições do Prof. António Avelãs Nunes, da Faculdade de Direito de Coimbra, como esta aqui, num daqueles textos merecedores de estampar capas e contracapas de jornais e revistas mundo afora.
Afinal, hoje repousa-se na mais moderna fantasia do capitalismo: a máscara da "regulação", uma ideia quase divina que, a enebriar como sopro de sereia e a paralisar como um olhar medúsico, não parece querer cair numa quarta-feira qualquer.
E, mais uma vez, são exemplares as lições do Prof. António Avelãs Nunes, da Faculdade de Direito de Coimbra, como esta aqui, num daqueles textos merecedores de estampar capas e contracapas de jornais e revistas mundo afora.
A ideologia (neo)liberal soberana
institui a idéia de que esta função de regulação – como se justificasse a
necessidade de salvaguarda do interesse público – deveria ser prosseguida não
pelo Estado enquanto tal, mas por agências reguladoras independentes, saindo do
controle direto e se assentando numa pseudo-equidistância de interesses
públicos e privados.
Nas origens, a regulação sai do Estados
Unidos (pós-New Deal), para chegar à Europa nos anos 80 e aterrissar, já
nos anos 90, na América Latina, mas com uma diferença: lá, a regulação surgiu
como modo de ampliar a intervenção do estado na economia; aqui, significou um
retrocesso à importância do papel do Estado enquanto agente econômico, em
especial no que se refere à produção e prestação de serviços públicos.
Esta solução só se justifica porque os
privatizadores neoliberais (a massa demo-tucana e os conservadores petistas)
entendem que o estado democrático, declarado por puro preconceito ideológico
como incapaz de administrar o setor público da economia – ou se acredita que os
setores de telefonia, de energia, de água etc. estão em melhor estado hoje sem
o Estado? –, é também considerado incapaz de exercer bem esta função
reguladora, razão pela qual terceiriza para as ditas "agências".
Ao substituírem o Estado no exercício
desta função reguladora, as agências concretizam uma poção mágica que contém os
ingredientes do dogma liberal, da separação entre Estado e Economia: aquele
deve manter-se afastado dessa, porque essa é a esfera privativa dos privados e
aquele é uma pura instância política – é, como querem, o “conteúdo mínimo”
do “estado mínimo”.
Com o argumento de que as funções das
entidades reguladoras são funções meramente técnicas e não-políticas, o
que se pretende é subtrair à esfera da política – ou seja, à competência dos
órgãos políticos democraticamente legitimados – a ação destas entidades ditas
independentes, alegando-se que só assim se consegue a sua neutralidade.
Só
assim – invocam os mais afoitos – o Estado pode ser, como regulador,
um árbitro "imparcial" (ou "neutro", como um
sabonete).
E mais: nesta subtração, pressupõe a Política como uma coisa
indecorosa, feia, diabólica, uma chaga, uma perigosa praga egípcia reloaded
e merecedora do isolamento e confinamento.
Ademais, quer-se trazer a substituição do
"estado democrático" por um "estado tecnocrático",
novamente neutro, governado por pessoas que não pensam em outra coisa que não
seja o interesse público, sob os primados da suprema eficiência e retidão.
Parece óbvio que não se pode esperar de
um estado "neutro" – que age segundo critérios técnicos e que rejeita
as opções políticas – a definição e execução de políticas públicas, que visam,
é claro, a promover interesses públicos e coletivos e escolhas políticas assim
comprometidas.
Ora o chamado estado regulador revela-se, afinal, um estado
pseudo-regulador (ou um "pseudo-estado regulador", como sublinha o
Professor Avelãs), um estado que renuncia ao exercício desta sua função,
a qual é transferida para sacrossantas entidades e agências “independentes”,
“politicamente puras”, atuando apenas em função de critérios “técnicos” e com
ímpar "eficiência", a sublinhar que o seu ethos radica na
"imparcialidade" da atuação sobre o mercado.
Seria, pois, outro ser apolítico,
como aqueles que ficaram tão famosos nas passeatas recentes (v. aqui).
Trata-se de um esforço inglório, por ser
por demais evidente que essas agências exercem funções políticas e tomam
decisões políticas com importantes repercussões econômicas e sociais.
Na
verdade, as autoridades reguladoras independentes vêm chamando (e recebendo)
para si parcelas importantes da soberania, flertando com a sobrevivência do
próprio Estado de Democrático de Direito, que se vê substituído por essa
espécie de estado oligárquico-tecnocrático para atuar sob a chancela de
“técnicos especialistas independentes” que “governam” este tipo de “estado”,
mas que não é politicamente (e legitimamente) responsável perante ninguém,
embora tome decisões que afetam a vida, o bem-estar e os interesses de milhões
de pessoas.
E assim, a imitar o caos cívico de hoje, provoca o caos institucional, numa república democrática esquizofrênica em suas partes e funções.
Vários argumentos têm sido invocados para justificar a regulação “amiga do mercado” e a sua entrega a entidades independentes, mas há raros espaços para se debater as múltiplas reservas que vêm sendo levantadas a esta concepção da função reguladora e ao modo como é exercida.
E assim, a imitar o caos cívico de hoje, provoca o caos institucional, numa república democrática esquizofrênica em suas partes e funções.
Vários argumentos têm sido invocados para justificar a regulação “amiga do mercado” e a sua entrega a entidades independentes, mas há raros espaços para se debater as múltiplas reservas que vêm sendo levantadas a esta concepção da função reguladora e ao modo como é exercida.
Por quê? Ora,
são negócios da China nas mãos de poucos, poucos que controlam toda a mídia, e
toda uma grande mídia que não dá lugar a nada que rediscuta o modelo. E o
Estado brasileiro enxerga subserviente e calado este estado de coisas.
E assim, neste grande espetáculo,
assistimos os seus produtores na incessante busca de tentar disfarçar o estado
capitalista com as suas tantas e sempre renovadas vestes, e que agora vem sob o
adorno de "estado-regulador" e as suas "agências reguladoras".
Porém, estes mesmos senhores são
incapazes de esconder o seu maior propósito: por a nu o Estado, paralisarem-no
e asfixiarem-no, provocando a morte da Política e exaltando a ubiquidade
onisciente do "Mercado", para aplausos delirantes da galera.
Pois é, nem Rá era tão louvado assim.
Pois é, nem Rá era tão louvado assim.