Não acredito que haverá o golpe travestido de "impeachment".
A tática do intenso uso do termo, vagando onipresente no discurso da oposição e da mídia, serve como mera retórica de disputa de poder e de projeto político -- embora, convenhamos, enquanto dura tem colado, acuando Governo, mercado e população.
Ademais, esta sopa que mistura abestalhados, alienados, a patota do Facebook e a turma dos country clubs não vai conseguir, na base do grito histérico, derrubar a democracia do maior país da América Latina e da sexta maior economia do planeta, tudo em pleno século XXI.
Até porque, como bem disse Ciro Gomes (v. aqui) e Flávio Dino (v. aqui), trata-se de um bando de frouxos e coxinhas.
Mas isso, atenção, isso nada tem a ver com o fato de que uma ampla parcela da população desgosta do que se passa neste Governo.
Governo que, sejamos francos, ainda não se deu conta de que ganhou as eleições, e porque e por quem foi eleito vencedor.
Agora desagradando "gregos", que não veem a devida gestão progressista ser realizada, e "troianos", que babam um moralismo oco, é natural um índice de desaprovação tão elevado.
Índice de desaprovação de Governo, que nada tem a ver com índice de aprovação de "impítiman" ou coisa que o valha, afinal, cada um no seu quadrado lógico e ideológico.
Da parte de lá, da massa limpinha e cheirosa que rumina um abecedário maternal imberbe na fúria e no ódio de classe (v. aqui), esta onda toda é meio esquizofrênica.
Ora, o que a versão 2015 deste Governo faz é (quase) exatamente o que faria um (des)governo deles, de legítima cepa demo-tucana, invariavelmente alicerçado em juros altos, privatizações, superávit e arrocho, fórmulas prontas e malogradas da cartilha neoliberal que destrói a Europa e por aí vai empilhando ruínas.
Da parte de cá, da massa que confiou em mais quatro anos do projeto Lula e Dilma, em mais quatro anos de transformação social, a frustração é sincera e o sentimento é de que este Governo amarela (ou inicia um mimetismo com o azul-e-amarelo da maior sigla oposicionista).
Afinal, sem nem tempo de mais ou menos começar o segundo mandato de Dilma, e salve-se as mesmas ações e políticas que já estão consolidadas na era pós-Lula, o PT parece a ressurreição lúgubre do seu hoje alter-ego, o PSDB.
Nesta toada, o vermelho tanto desbota e se apequena que aquela onda popular responsável pela vitória petista já nem mais consegue enxergá-lo, a morrer na praia.
Ora, as políticas e a gestão de centro-esquerda ficaram nas promessas da campanha de 2014 e, agora, ficam cada vez mais parecidas com os ideais e as ideias que melhor representam as forças reacionárias e da direita.
Arrocho não é política de ajuste econômico.
Não tributar e não controlar o grande capital não é política fiscal.
Descuidar da indústria nacional, das relações de trabalho e da gestão das empresas públicas não são políticas de desenvolvimento.
Não promover reforma agrária, reforma urbana, reforma habitacional e reforma tributária não são políticas sociais.
Flertar com o desmonte da Petrobras e a panaceia dos recursos naturais não são políticas estratégicas.
Permitir a consolidação deste modelo de agências reguladoras não são políticas de Estado (a não ser de um pseudo-Estado regulador ou de um Estado pseudo-regulador, como resumiu o Prof. Avelãs Nunes).
Manter-se refém de grupos midiáticos e cristalizar os latifúndios da comunicação não são políticas que fomentam a democracia e a liberdade de expressão.
Portanto, abstraia-se do grande projeto "Pátria Educadora" e o que se tem em transformação e o que se tem feito para fugir do receituário (e obituário) da direita?
Ora, não se enfrenta o capital vadio -- bancos, especuladores e oligopólios -- sem ações e políticas construtivistas, que enfrentem destinos e libertem os brasileiros do jugo conservador arquitetado pelo pensamento refratário às mudanças estruturais.
Ora, não se enfrenta a sanha mercantil dos cartéis e dos grandes grupos econômicos sem um Estado forte e com serviços públicos de qualidade, que sirvam de real alternativa (ou solução) aos caros e péssimos serviços privados e privatizados e como chave para reorganizar um novo ciclo de desenvolvimento.
Ora, não se enfrenta um ranço feudal, patriarcal e conservador sem alternativas, sem experimentalismo, sem imaginação e sem transformação institucional, radical, capaz de empoderar técnica e politicamente a massa e de redesenhar as relações público-privadas.
Ora, não se enfrentam quinhentos anos de periferia, de plutocracia e de preconceitos sem um grande projeto nacional que abrace o passado, dê asas para o presente e concretize um novo futuro para a nossa gente.
E esta gravíssima omissão do Governo, capitaneado pelo maior partido político do país que há doze anos está no poder, não pode mais ser admitida.
O que não significa, contudo, o réquiem do PT.
Afinal, o que acabou é este modelo de desenvolvimento, outrora exitoso, com base em commodities e consumo, em planos sôfregos para o chão e cômodos para o teto.
O que acabou é este jogo político ímprobo e infértil de barganhas e conchavos espúrios que afoga fingindo afagar.
O que acabou é o tempo de se cozinhar em banho-maria toda a vitalidade brasileira que exige chama e pressa.
O risco, entretanto, é não se querer enxergar isso.
E assim acabar com uma grande parcela da paciência de 60 milhões de eleitores que em outubro continuaram querendo um Brasil remando pra frente.
Pra frente e à esquerda.
Eis, aqui, o norte que o PT parece ter perdido, deixando à deriva os sonhos de meio Brasil.
É a hora, enfim, daquela estrela servir novamente de guia.
Antes, antes que tudo enuble -- e seja tarde.
Eis, aqui, o norte que o PT parece ter perdido, deixando à deriva os sonhos de meio Brasil.
É a hora, enfim, daquela estrela servir novamente de guia.
Antes, antes que tudo enuble -- e seja tarde.