Eis que parte da manipulada classe média, sempre alerta na defesa da moral reacionária e dos bons costumes conservadores, descobre, de repente, que o golpe está sendo tramado por uma “federação de bandidos”.
Não sei se foram as capas das revistas semanais, ou se foram algumas das submanchetes dos jornalões ou mesmo uma ou outra notícia revelada pelos âncoras de plantão – ou, ainda, a hipocrisia da rede globo, acusada de golpista mundo afora, ao ontem, no seu programa dominical, dar longo espaço ao bolchevique José de Abreu.
A questão é que milhares de amarelinhos acordaram para a verdade por trás do empuxo do impeachment.
Belos, cheirosos e adormecidos, devem ter recebido o beijo do pato e assim despertados para o "amanhã".
Olhando pro lado e pro chão, nas redes sociais começam a se comportar como mamíferos racionais, nas ruas a agitação odiosa aparentemente se apequena, nos apês as panelas parecem ter voltado ao monopólio das domésticas e na (des)lavada cara já se notam sinais de ruborização.
Mas, atenção, o fato não se deve à súbita politização desta massa e à coragem de aceitar a ignorância cívico-social para intensivamente aprender um pouco sobre poder, república, democracia etc., tal qual faz qualquer um que tenha dúvidas sobre gastroenterologia ou edificações e procura um médico ou um engenheiro para saná-las.
Não.
Afinal, o problema desta gente não é a "política".
Sendo assim, desconfio que, com o id satisfeito pelo resultado de domingo – resultado, gize-se, apenas parcial no processo –, o supergo passou a marcar presença e apresentar-se como a sentinela das suas mentes, com o perdão da rasa intelecção freudiana.
Logo, permitiram-se perceber o (falso) senso de realidade que o ego lhes apresentavam.
Afinal, não há qualquer preocupação com o “bem comum”, ou com o estado de direito, ou mesmo com as instituições democráticas; trata-se, apenas, de um reflexo daquilo que viram no espelho, de um narciso às avessas.
Envergonhados, e sempre vendo pelos olhos do umbigo, passaram a reconhecer que ali faziam o papel clássico da massa bovina manobrada por grandes interesses, algo tradicional em quinhentos anos de uma dominação vampiresca da casa-grande.
E, reféns das jaulas em que estão acorrentados, passaram a entender que aquilo ali começa a a ter um certo (e outro) sentido, para além da lógica desenhada pela grande mídia nos muros da caverna e que tenta construir uma narrativa de pura normalidade.
Claro que nunca é tarde para aprender e tentar se desamarrar do raciocínio fácil, médio, curto e acrítico – aquele que ataca com a ira medieval os hereges que teimam em não queimar na fogueira do pensamento único –, acontece que o custo de toda essa alienação e resistência é alto demais.
É, por vezes, o preço da democracia e da liberdade.