À nossa sombra já bastante repetimos o que move a massa encoleirada no tesão do golpe, e já dissecamos quem empunha, sem qualquer paixão, essa coleira.
Agora, na antevéspera deste Domingo histórico – e após esta longa noite de debates astronômicos e astrológicos no STF –, cumpre falar direito dos "fatos" apresentados no pedido de impeachment, como me propuseram alguns dos meus poucos, mas fiéis, leitores.
Cumpre, pois, falar dele, "o processo".
Afinal, qual é a verdade jurídica daqueles fatos?
Cumpre, pois, falar dele, "o processo".
Afinal, qual é a verdade jurídica daqueles fatos?
Uma única: a Presidenta Dilma não cometeu nenhum crime de responsabilidade no plano jurídico-constitucional brasileiro.
Nenhum, assim como nenhum do mais canalhas da oposição e nenhum dos amarelinhos das ruas é capaz de acusar a Presidente da República de minimamente flertar com mal-feitos.
Por isso, falemos de Direito, e por isso firmemos que inexiste qualquer razão jurídica para o impeachment.
Trate-se de um blefe, de uma farsa, na medida em que inexiste sustentação lógica e legal para o que tão mal se pediu – e, por tal razão, o relatório da circense Comissão que aceitou o pedido foram tão atabalhoadamente escritos.
Vamos à matéria.
Diz a Constituição Federal, no art. 85: “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal: (...)”
Diz a Constituição Federal, no art. 85: “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal: (...)”
De cara, um flagrante: qual o efetivo e doloso “ato” praticado pela Presidente Dilma que “atenta” contra a Constituição?
Não sabem! Não há!
Fala-se, ao contrário, da “prática hipotética” de crimes contra a lei orçamentária, sem, ainda, oferecer qualquer demonstração de nexo causal entre a conduta da Presidente e o “resultado” da violação.
Outrossim, sublinhe-se: se deveria comprovar o dolo no ato da Presidente, não bastando uma mera culpa.
Fala-se, ao contrário, da “prática hipotética” de crimes contra a lei orçamentária, sem, ainda, oferecer qualquer demonstração de nexo causal entre a conduta da Presidente e o “resultado” da violação.
Outrossim, sublinhe-se: se deveria comprovar o dolo no ato da Presidente, não bastando uma mera culpa.
Ora, doutrina e jurisprudência afirmam que não se admite crime de responsabilidade cometido por qualquer ação imprudente, negligente ou imperita – as hipóteses da “culpa” – daquele que ocupa o cargo de Chefe do Executivo – exige-se, obrigatoriamente, o dolo.
E dolo não se comprovou porque dolo não há, afinal, não há na conduta atribuída qualquer dimensão subjetiva da má-fé da Presidente da República, na qual quisesse ou assumisse o risco de produzir um resultado.
E mais: sequer houve indiciamento, sequer houve investigação por parte dos órgãos de controle e repressão acerca de tais "condutas".
Por quê?
Porque não vinha ao caso; o "caso" e os "fatos", vejam só, são de somenos importância.
E por isso criam-se histórias, tergiversam-se fatos, tipificam-nos como crime e assim, na marra, via manejo parlamentar, pretendem destituir alguém do poder.
Porque não vinha ao caso; o "caso" e os "fatos", vejam só, são de somenos importância.
E por isso criam-se histórias, tergiversam-se fatos, tipificam-nos como crime e assim, na marra, via manejo parlamentar, pretendem destituir alguém do poder.
Ao cabo, são dois os pontos ("fatos") batidos pela grande mídia e que tentam sustentar o pedido de impeachment: a realização de operações de crédito com o Banco do Brasil via Plano Safra (!) e a edição de seis (!) decretos de créditos suplementares em desacordo com a lei orçamentária.
E ambos são rechaçados pelas mais comezinhas regras do direito financeiro e, consequentemente, do Direito Penal.
Não sou especialista em Direito Financeiro, e por isso me garanto no que ensina a doutrina, os técnicos de carreira do Governo Federal e a Advocacia-Geral da União (AGU).
O primeiro ponto é de óbvio rechaço.
A mídia gosta de chamar isso, com num cínico resumo, de “pedaladas fiscais”, relacionadas ao “Plano Safra” de 2015; porém, como diria o Pe. Quevedo, isso no ecziste.
Por um motivo simples: salvo por uma nauseabunda “teoria do domínio do fato” – elevada a sacrossanto princípio pós-moderno do Direito –, não há qualquer responsabilidade da Presidente da República porque não há qualquer ato seu na operacionalização do referido Plano, como bem destacou a AGU, uma vez que tal competência é do Ministro da Fazenda e do Conselho Monetário Nacional – a acusação, pasmem, é que a Presidenta sempre conversava com o Ministro...
E, se isso não bastasse, há total atipicidade da conduta porque as medidas relacionadas ao Plano são “subvenções” e, nunca, "operações de crédito"; inclusive, no próprio âmbito do TCU, nunca houve qualquer manifestação com relação a possíveis irregularidades nas subvenções do "Plano Safra".
Ora, o Banco do Brasil não desembolsa, e nem libera, recursos para cobrir despesas do Governo Federal.
E não há "empréstimo" (mútuo) porque não há transferência de dinheiro daquele Banco para a União.
Veja-se: caso fosse seguido o tosco entendimento pretendido pelo pedido de impeachment, teríamos esta esdrúxula situação: qualquer atraso no cumprimento de uma obrigação de pagar seria igualada a um empréstimo – em outras palavras, se não pago o que te devo isso "significa" que você me emprestou o dinheiro.
Não há, pois, qualquer lógica jurídica nisso, na medida em que as coisas não "significam" simplesmente assim, como se numa mesa de bar estivéssemos.
O segundo ponto – acerca da edição de decretos de créditos suplementares em desacordo com a lei orçamentária –, cuja complexidade deve ser mesmo assumida, confunde tudo: “gestão financeira” com “gestão orçamentária”, “autorização de despesa” com “execução de despesa”, e por aí segue.
O segundo ponto – acerca da edição de decretos de créditos suplementares em desacordo com a lei orçamentária –, cuja complexidade deve ser mesmo assumida, confunde tudo: “gestão financeira” com “gestão orçamentária”, “autorização de despesa” com “execução de despesa”, e por aí segue.
Não sou bom com desenhos, mas vamos lá: o orçamento – um “programa” – seria a quantidade de itens (Educação, Segurança, Saúde etc) disponíveis para o Estado comprar (gastar) com seus respectivos preços (custos).
E o limite fiscal seria uma quantidade de dinheiro que o Governo pode usar para comprar o que está disponível.
E o que fizeram os decretos da Presidente Dilma?
Eles apenas aumentaram o “limite orçamentário”, disponibilizando mais “produtos” – tudo dentro da lei –, o que tornou possível comprar combinações de itens diferentes com o mesmo limite fiscal.
E por que se permite isso?
Eles apenas aumentaram o “limite orçamentário”, disponibilizando mais “produtos” – tudo dentro da lei –, o que tornou possível comprar combinações de itens diferentes com o mesmo limite fiscal.
E por que se permite isso?
Porque o orçamento é uma espécie de “lista de compras”.
E posso alterar isso?
Sim, para alterar as combinações de compra exige-se um “crédito suplementar” – e isso não tem nada a ver com ofender a “meta de responsabilidade fiscal”, como o pessoal da tv e dos jornalões curte dizer.
E posso alterar isso?
Sim, para alterar as combinações de compra exige-se um “crédito suplementar” – e isso não tem nada a ver com ofender a “meta de responsabilidade fiscal”, como o pessoal da tv e dos jornalões curte dizer.
Atingir-se ou não as metas fiscais não tem qualquer pertinência com o orçamento e seus programas, mas sim, com a sua execução financeira; repita-se: o mero ato de "abertura" de um crédito, ainda que com amparo em excesso de arrecadação, não é incompatível com a obtenção da meta de resultado primário.
Portanto, o que houve no caso foi uma repentina mudança de entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre os pormenores questionados.
Salienta-se que condutas idênticas, praticadas em anos anteriores, não levou o TCU a propor a rejeição das contas da Presidência; pelo contrário, decidiu, nessas situações absolutamente idênticas, que as medidas foram corretas e regulares.
Salienta-se que condutas idênticas, praticadas em anos anteriores, não levou o TCU a propor a rejeição das contas da Presidência; pelo contrário, decidiu, nessas situações absolutamente idênticas, que as medidas foram corretas e regulares.
Assim como entendeu os mais de vinte (!) técnicos que responsáveis por examinar a edição dos tais “créditos suplementares” e que perfilam na cadeia de análise de atos administrativos, da qual se deriva a necessária supervisão interna desses diversos órgãos e que, atenção, envolve inclusive os órgãos que solicitam as verbas suplementares.
Logo, o enredo revela a manifesta “presunção de legitimidade” – um dos princípios reitores do Direito Administrativo – destes atos da Presidente, porquanto decididos com base em largo lastro técnico, o qual sempre se sustentou no histórico entendimento da Corte de Contas.
Entretanto, perceba-se, não se trata de responder a denúncia com o argumento enfadonho de que “Ah, sempre foi assim...”.
Não!
É, cabal e simplesmente, justificar os atos com base nas boas práticas técnicas e jurídicas que vigiam, reveladoras, inclusive, de um poder-dever da Administração de melhor trabalhar com o Orçamento (princípio da eficiência).
Não!
É, cabal e simplesmente, justificar os atos com base nas boas práticas técnicas e jurídicas que vigiam, reveladoras, inclusive, de um poder-dever da Administração de melhor trabalhar com o Orçamento (princípio da eficiência).
Depois, a lógica adotada pela Presidência para expedir os tais decretos suplementares tem base na própria Lei Orçamentária Anual de 2015, com a expressa permissão do
Congresso Nacional para que, deste modo, certas ações e políticas públicas que devessem ser ampliadas – no caso isso se deu em ações relacionadas ao orçamento da Polícia Federal e às transferências constitucionais a Estados e Municípios, bem como ao Poder Judiciário – tivessem a sua "autorização" orçamentária facilitada e, assim, melhor adequar a regular prestação de serviços
Públicos
E tudo isso é feito num regime de caixa, com contínuos contingenciamentos – via decretos, e nunca se contingenciou tanto quanto em 2015, pelas sucessivas quedas de receita – que devem obediência à meta fiscal em vigor e às despesas obrigatórias vigentes.
Enfim, não tem qualquer sentido, é um disparate técnico a ação que ensejou o processo de impeachment e que foi levada à frente pela circense Comissão.
Inventam e atribuem crimes genéricos, ao atropelo, sem o mínimo zelo e sem a ínima coerência com as normas vigentes.
Afinal, a inepta acusação trata de medidas do bê-a-bá do mundo orçamentário que há milênios são praticadas – por todos os governos estaduais e municipais, gize-se –porque, simplesmente, devem assim serem praticadas.
Insista-se: a Presidente Dilma é acusada de ter cometido práticas contábeis que, até aquele momento, eram toleradas com o irrestrito apoio técnico e jurisprudencial.
Diz uníssona doutrina e jurisprudência: não é qualquer inconformidade da atuação presidencial com a lei de orçamento que justifica a caracterização de crime de responsabilidade.
Eis a chave para conter qualquer arrombo antidemocrático, no caso, questiúnculas contábil-orçamentárias sempre praticadas e admitidas em todas as esferas da Federação – é como, numa metáfora futebolística, alguém ser expulso por usar chuteiras com travas acima do limite permitido, sendo que esse novo limite permitido passou a ser cobrado naquele próprio jogo!
E por que tudo isso aconteceu agora e os fins estão a justificar os meios adotados pela oposição?
Bem, aí que entra a questão política.
Bem, aí que entra a questão política.
O Governo perdeu a mão, perdeu a maioria na Câmara e, com sucessivos erros de cá e boicotes de lá, tornou-se flagrantemente vulnerável.
Tão vulnerável que, numa disputa com o ladravaz Eduardo Cunha (Presidente da Câmara de Deputados), não aceitou a sua chantagem – Cunha, lembremos, queria o apoio do PT para se safar na Comissão de Ética que até hoje o investiga –, perdeu aquela briga.
Tão vulnerável que, numa disputa com o ladravaz Eduardo Cunha (Presidente da Câmara de Deputados), não aceitou a sua chantagem – Cunha, lembremos, queria o apoio do PT para se safar na Comissão de Ética que até hoje o investiga –, perdeu aquela briga.
E, bingo, se chegou neste momento: Cunha aceitou o esquizofrênico pedido de impeachment e recebeu apoio de boa pare da Casa para prosseguir.
Chantagem explícita, fruto de ameaça, retaliação, em ululante desvio de poder, como inclusive assim disse um dos advogados que assinaram o pedido de impeachment (v. aqui).
Chantagem explícita, fruto de ameaça, retaliação, em ululante desvio de poder, como inclusive assim disse um dos advogados que assinaram o pedido de impeachment (v. aqui).
O que aconteceria se não tivesse esse cenário de erros políticos e vingança?
Nada.
O pedido de impeachment seria simplesmente engavetado, como assim sempre se faz – ah, mas com Fernando Collor não se fez... sim, e aquele processo, que culminou na renúncia do Presidente, foi um erro, porque frágil em provas, como à época assim dizia o gigante Leonel Brizola (v. aqui).
Ora, insiste-se no papo de que tudo vale – seria um "vale-tudo"– porque o julgamento do impeachment é “político”, e não “jurídico”.
Mentira.
Mentira.
Só é “político” porque o processo e julgamento não são feitos no âmbito do Poder Judiciário, mas pelo Congresso.
De resto, é sim “jurídico” (jurídico-penal), ou seja, tem que se fundamentar no Direito, no texto constitucional e no sistema normativo pátrio para que avance e se decida a questão.
Porém, qual a base sobre a qual se sustentam os Deputados e Senadores na sanha pelo golpe para justificar esse impeachment?
Uma só: “Fi-lo porque qui-lo”, na onda dos interesses de grupelhos políticos e de grupos econômicos e na pseudolegitimidade da pressão popular que vem das ruas acoleiradas pela mídia.
E aí, mais do que “político” ou “jurídico”, o impeachment é arbitrário, autoritário e golpista.
Ora, por ser uma “bomba atômica” contra o regime presidencial, o impeachment exige o mais absoluto, direto, grave e inquestionável atentado à Constituição.
Não é, repita-se pela milésima vez, remédio miraculoso para cortar a cabeça de Presidente ruim (ou que a gente não gosta) que faz um Governo ruim (ou que a gente não gosta).
Enfim, não cabe e não é legal qualquer pedido de impeachment contra a Presidente Dilma, pois, nos termos em que se apresenta, (i) ofende o princípio da irretroatividade da lei penal, (ii) não se depreende tipicidade na conduta, por absoluta falta de lesividade, (iii) inexiste ilícito penal e, ainda, (iv) nele está desconfigurada a culpabilidade objetiva.
Não há direito, não há legitimidade, não há justiça neste impeachment.
É um golpe.