sábado, 11 de junho de 2016

# romantismo de calendário



Das tantas esquisitices sedimentados pelo mundo, vasto mundo, este negócio de "dia dos namorados" – como, na mesma onda, "dia" das mães, dos pais, da vó, do irmão etc. – é um dos mais estapafúrdios.

Não fosse o contagioso apelo mercantil – que insiste em se espraiar por tudo que é canto e circunstância da vida –, qual seria a razão de se fixar um "dia" para isso?

Depois dos anos dourados da nossa adolescência, os sujeitos precisam se esforçar muito, inclusive entre si, para entender e extrair algum valor disso.

E, atenção, não se está a falar de valorizar mais ou menos o negócio (!), mas, simplesmente, de desconhecê-lo, desconjurá-lo, excomungá-lo – caso fosse abusar do vernáculo diria que a coisa não se discute no "plano da validade", mas no da "existência".

Trata-se, pois, de um engodo, sem noção e reflexão, e de uma ciranda, nauseante e impúbere, sob a qual milhares de casais medusicamente rodam e se fartam, hoje ainda no alucinógeno ritmo das redes sociais.

Ou algum sentido há em mover mundos e atravessar fundos para lotar lugares ao lado de outros tantos mil pombinhos erguendo desumanos (ou demasiadamente humanos) brindes?

Ora, o amor, a paixão, a alegria, o carinho, a devoção, o tesão, a comunhão e a entrega total à vida amada festejam-se diuturnamente, no dia a dia, numa segunda-feira, num dezembro, num castelo, num sofá, num samba, num circo, no seco, no frio, na chuva, nos porres, na gripe, na cama, na praia, na varanda, na gangorra, na fila do cinema, num banquete na cozinha, num pico da neblina, num lavar-de-louças, no caminho da areia de uma praia deserta, em qualquer canto de qualquer momento, ao natural, simples, espontaneamente, comme il faut.

Tudo, pois, longe, muito longe, da regra de hábitos tabelados para uma data criada do nada e para o nada – ou para o tudo fetichizado da moda comercial e vulgar.

O que, portanto, faz o gesto plastificado, pasteurizado, pleonástico. 

E torna o momento vazio e como água em estado gasoso: incolor, inodoro e insípido

E soa, enfim, como um mugido de testemunha de presépio, na busca frenética de se cumprir à risca a agenda e os ritos contados pela narrativa das vitrines e dos vizinhos. 

Tudo bem cronometrado, datado, selado, registrado e carimbado – se quiser voar por entre as curtições mais ou menos virtuais.

Como bem-me-quer o costume, é claro.