Alguém, um dia, em algum lugar, resolveu fixar um conteúdo programático para ser ensinado nos bancos das escolas do mundo, vasto mundo.
Assim, por toda Oropa, França & Bahia, foi estabelecida uma ordem pedagógico-educacional que, se tinha, hoje não tem qualquer fundamento – a não ser, claro, pelo lógica em si de todo o "sistema", coisa que o velho Marx, com a tese da alienação, já debulhou.
Nesta (des)ordem, cujo sistema de ensino é fruto da escola prussiana de treinar milicos para a guerra, lá do séx. XIX, o mal é manifesto: corrompe-se a energia, trava-se a criatividade e se fulmina a vitalidade de mentes jovens e abertas para o mundo.
E neste caminho de idiotização robótica do ser humano infanto-juvenil, as ricas contracorrentes são marcadas como símbolos de mera rebeldia, de franca alucinação ou de bruxaria.
São aquelas que encorpam a "educação proibida", a qual pretende desacentuar a escola como "agência seletiva" do mercado e fortalecer a educação como função democratizante da sociedade, não obstante a reprodução social que, fruto de capitais econômicos e culturais absolutamente díspares, sustenta uma cruel desigualdade.
Primeiro, o que se tem em grande parte dos nossos jardins de infância é uma "brincadeira".
São, em regra, galpões pintadinhos de galinhas azuis que num estilo pré-fordista tentam sossegar os nossos pequenos leões, funcionando com um circo baldio no qual palhaços, focas e motoqueiras do globo da morte formam uma massa absolutamente estéril para o que se dispõe.
É, pois, a fantástica loja de depositar crianças que, sob o fanático espírito mercantil da sua líder (a tal "tia-chefe"), promete aos respeitáveis pais um grande espetáculo – mas, sim senhor, ao final entrega apenas a marmelada.
Depois, nos colégios, o que se ensina é um escárnio.
Pior, o que não se ensina é de uma flagrante insensatez, pois tudo vem condensado em saberes enlatados, mímicas da moda e ventriloquismos deterministas que esvaziam o ser humano.
Nas grades curriculares, disparates: em Matemática, passa-se todo um Ensino Médio apresentando (e se estudando) números complexos, polinômios, matrizes, equações de enésimo grau, e por aí vai; em Biologia, é um tal de classes de protozoários pra cá, conteúdo de caules pra lá, mitocôndrias acolá; em Química e Física, se insiste no aprofundamento de cadeias orgânicas, cinética, termologia, fluidostática e de tantos cálculos e fórmulas claramente bizarros e desprezíveis...
E nada, nada disso se aprende, pois não tem aplicação alguma, não tem qualquer importância e não subsiste no universo dos objetivos e na realidade cotidiana dos jovens, futuros adultos e potenciais profissionais.
Pelo contrário, só aguça ainda mais a ojeriza à escola e ao estudo, torna tudo mecanizado e frio e só inibe ainda mais o desenvolvimento mental e humano dos jovens.
E ainda mais grave do que (tentar) ensinar isto tudo, é passar à margem de tantas outras matérias e de tantos outros temas de importância e significado ímpares.
O foco, pois, tinha que ser outro: Filosofia, Política e Teologia, sacrossantas áreas do pensamento.
Porém, essas são apresentadas com desdém, sem padrão e sem a relevância devida.
Esquece-se que são disciplinas cruciais para a compreensão da sociedade e para o (auto)conhecimento, absolutamente vitais para o estímulo à reflexão e para tornar os adolescentes pensadores do que se professa em sala e do que se faz pelo mundo.
Mas, como mal lecionadas, mal trabalhadas e mal conformadas no calendário pedagógico, estes cânones do ideário intelectual moderno são, se tanto, servidos como fast-food, para insossa ingestão (e digestão) dos jovens, então totalmente descomprometidos com as causas e os ingredientes das ciências em jogo.
Além disso, outros tantos esforços tinham que estar concentrados na Língua Portuguesa (a última flor do lácio), nas Línguas Espanhola (uma pátria grande) e Inglesa (o esperanto do mundo pós-moderno global), na Lógica e na Matemática, na História, na Geografia e nas Artes.
Ainda, duas matérias criadas pelo regime militar deviam ser reincorporadas à grade juvenil, evidentemente pelo avesso daquele imposto ditatorialmente: "Educação, Moral e Cívica" e "Organização Social e Política Brasileira", as quais muito contribuiriam para a reformação e reconstrução cidadã de nossos jovens, hoje distantes do mínimo ideal cívico, ético e republicano e da mínima compreensão social e política do Brasil.
Também, uma estrutura de ensino com foco na vocacionalização e a redução do total de disciplinas fragmentadas, com uma grade que ofereça o mínimo de disciplinas obrigatórias e autonomia para o aluno (e a família) preencherem sozinhos o restante do tempo – já alargado, como no Atlântico Norte – com cursos e matérias optativos em áreas diversas do conhecimento e da cultura.
E, com isso, auxiliar no desabrochamento das "virtudes" de cada um, identificando os talentos vivos e alimentando os sonhos reais de cada jovem.
Mais, a inclusão no conteúdo programático de todo o Ensino Médio de estudos e práticas que apresentem as principais atividades, ofícios e profissões e com elas se relacionem.
Afinal, é aqui, e com o curso de matérias que provoquem a reflexão e o raciocínio dos jovens sobre a vida profissional, que se melhor preparará o caminho e o terreno para as escolhas futuras – não será, pois, com este ensino de hoje e as suas toscas aulas de decoração, repetição e ruminação que um adolescente melhor será encaminhado à Medicina, à Música, à Engenharia ou às Ciências Humanas.
Ou há alguma dúvida de que tudo isso é muito melhor, mais importante e mais útil que anos e anos numa carteira ouvindo sobre sistema respiratório de crustáceos, sobre tabela de Linus Pauling, sobre circuitos elétricos e sobre logaritmos?
Mas, é claro, para isso a premissa é mudar o conteúdo das provas de ingresso à universidade e, claro, o próprio fim do fim do ensino colegial: o "vestibular".
Ora, se mantivermos este sistema em que apenas se ensina – ou se dá máxima importância à – tabela periódica, estrutura do caule e equações de terceiro grau, o aluno certamente entrará num faculdade, mas não vai ter parado um momento sequer para refletir e pensar sobre as questões fundamentais da vida.
Por fim, talvez o essencial: a escola em tempo integral, como na maior parte do mundo civilizado ocorre. A transformação do "tempo" para os nossos jovens será o caminho para uma nova vida.
Aqui, portanto, a grande importância e o preponderante papel do Estado, particularmente no plano federal, como principal e renovado meio para se apresentar e cobrar real conhecimento – cultural, crítico, valorativo, reflexivo e imaginativo –, num terreno que prepare a maior mudança de sempre, um novo paradigma de educação e de escola: a "Pátria Educadora", como uma dia pretendeu o governo brasileiro (v. aqui).
Portanto, afora base e princípio familiares, será apenas por meio de um Ensino Médio inovador, criativo, alternativo, analítico, participativo e ecoante que conseguiremos ver a mínima transformação na cabeça dos nossos jovens – ter-se-ia, pois, uma educação que liberte, a "pedagogia da libertação" que pregava o gigante Paulo Freire.
E essa, pois, seria a nossa pequena revolução.
Caso contrário, abdicando-se de uma real e verdadeira educação, teremos nossa juventude continuamente refém do enciclopedismo vazio de uma escola mercantil e das teses e verdades propagadas pela tv e pelas redes sociais e sob o cabresto do sistema vigente.
Afinal, o que se quer é uma educação que nos ajude a pensar, e não uma que nos adestre para obedecer.
You say you want a revolution...