Em 2016, às vésperas das eleições dos EUA que deram a vitória ao tio Donald contra a Madame Clinton, o filósofo Slavoj Žižek disse que, entre ambos os horrores, eleger o magnata do showbiz seria menos horrendo (v. aqui).
Os seus argumentos? Era necessário pôr fim à ideia de que "não fazer nada" – e com isso aprofundar o fracasso da política e da sociedade estadunidense – seria pior do que eleger alguém com o "risco" disso, mesmo com as promessas de mudança à direita e eticamente desmoralizantes.
De modo frio e calculista, Žižek dizia que, menos do que apoiar um ser desprezível como Trump, a ideia era se emancipar da política protecionista, elitista e bélica daqueles "democratas" e que tanto mal continuariam fazendo ao povo dos EUA (e ao mundo), e para isso o candidato republicano seria um "mal menor".
Ainda, entendia o filósofo que o modus operandi deste grupo de "republicanos" liderados por Trump, por mais repulsivo que fosse – como, por exemplo, suas ideias xenófobas e seus preconceitos de múltiplas ordens –, passaria longe de se traduzir em medidas totalitárias ou restritivas à liberdade do povo americano.
Bem, agora vamos à nossa realidade.
Urbi et orbi falamos: as semelhanças que há entre Jair (PSL), a mula-sem-cabeça dos patos amarelos, e o Donald são as mesmas que há entre uma mexerica e um alfaiate.
Afora todas as diferenças e distâncias entre ambos que já apresentamos (v. aqui), os riscos que se colocavam à eleição do outsider à presidência dos EUA, em termos de perigo e ameaça à democracia, não poderiam se comparar àqueles existentes com o ex-milico e projeto de fantoche de um "sistema antipovo", uma vez que a complexa trama de instituições políticas e sociais norte-americanas – conquanto bem se saiba como funcionam e a quem atendem – não poderiam ser superadas por rompantes de um boitatá qualquer.
Ocorre que no Brasil pós-golpe a conversa é outra, confirmando-se que tudo é possível, tudo é meio mambembe, tudo parece movediço ou suscetível de cambalhotas, gritos e viradas de mesa antidemocráticas.
No contexto ora em destaque, esse Jair francamente se apresenta como uma ilha mobral rodeada de jagunços verde-oliva por todos os lados e que não exitam em assumir publicamente os limites das suas vontades: um governo à força e uma gestão à fórceps que não cora em propagandear um "autogolpe".
E Jair não esconde este seu gosto e, por não saber e nem entender bulhufas fora da cartilha comportamental da Idade Média que defende, se submeterá in totum à "agenda pinochetiana" imposta pela trupe que lhe afiança a candidatura: fundamentalismo de mercado com repressão social.
Assim, afora o absoluto colapso institucional e o certo caos econômico para o qual seremos empurrados e lá trancados, conforme o funesto modelo colono-neoliberal que será implementado no Brasil sob a batuta do jogador de casino Paulo Guedes e seus crupiês, a realpolitik será ditada com as mãos de ferro e nada invisíveis da galera do Vice Mourão, uma espécie de superlativo daquele juiz paranaense, porém mais sincero e autoritário e que troca gravata por coturnos e caneta por cassetetes.
Em suma, deve restar claro aos incautos e vacilantes brasileiros o seguinte: votar nesta turma toda não significa apenas flertar com o poder das forças armadas, mas assumir que no horizonte não se titubeará em colocar as forças armadas no poder, as quais tirarão do quepe competências e atributos para pôr "ordem e progresso" no país, e dar luz, voz e formalidade a um regime que oficialmente desprezará o estado de direito e a soberania popular, dando lugar a uma tragédia absoluta.
Portanto, se na leitura de Žižek o horror de Trump seria menor do que com Hillary, por aqui não se pode cogitar tal paralelo: seja qual for o adversário do mitológico candidato do PSL, a sua desgraça não alcança nenhum outro concorrente.
A mexerica Jair, portanto, nem nisso se aproxima do falastrão prêt-à-porter yankee.
Afinal, no nosso caso, o sujeito e sua trupe galopam montados sobre alvoroçadas cadelas no cio.
Aquelas, aquelas cujo nome é fascismo.
Afinal, no nosso caso, o sujeito e sua trupe galopam montados sobre alvoroçadas cadelas no cio.
Aquelas, aquelas cujo nome é fascismo.