terça-feira, 18 de novembro de 2008

# a viva e pitonisa nota


Neste momento em que se consagra a bancarrota do capitalismo neoliberal e se busca alternativas para a vida humana, o modelo chinês é sempre mostrado como uma viável saída, com Estado forte, partido único e equilíbrio social, numa mescla de políticas e regras estatizantes, assentes num socialismo de Estado, e mercadológicas, baseadas num socialismo de mercado, sempre com vistas ao pleno desenvolvimento e enriquecimento do país, capazes de propiciar a toda a população saúde, educação e segurança.
 
Por isso, reproduzo abaixo a última nota da minha tese de mestrado (exatamente a nota de rodapé número 1.514), que fora excluída da versão publicada pela editora Almedina -- por única e absoluta vontade deste escritor, mas que lá está, na versão original, devidamente depositada na Biblioteca da Universidade de Coimbra -- e que, talvez como fruto de uma vaidade literária -- como assim colocou um dos membros da Banca de Júri, no momento da argüição --, procura fazer um exercício de futurologia, já como contra-ponto à própria tese em defesa, contrária as cláusulas sociais nos moldes pretendidos pelos países ricos.

1514 d.C. Eis, então, que ao ser despretensiosamente explorado este ultrapassado (e imoderado) volume documental de ordens, notas, citações e palavras, comprova-se que a criatura engoliu este criador – e tantos outros que, com semelhantes propósitos e pontos de vista, ousaram desfilar por tal temática nestes últimos séculos. Assim, chega-se a este momento com a temível certeza da enorme nuvem de gafanhotos ter apropinquado; e, com esta explosão do maturescente dragão chinês, já há muito pouco espaço para todos nós, meros mortais. Sim, os chineses tornaram-se imortais.
Um passado de caos, Confúcio, conquistas e conflitos resultou em uma nova sociedade, dinâmica e compromissada com o futuro e a satisfação plena. Alta poupança interna, substanciais investimentos em infra-estrutura e tecnologia, projeto educacional integrado e funcional, sistema de saúde eficiente e, principalmente, um híbrido sistema político-econômico jamais visto e que prioriza a consecução das necessiades humanas fundamentais, os conduziram à primeira potência. Um ritmo contínuo e espantoso de crescimento os galgou ao domínio mundial.
Um governo a enfeixar capitalismo e socialismo, uma economia social de mercado que entrelaça mercado e Estado traduzindo-se em um explosivo coquetel: desenvolvimento, cujos maiores ingredientes são o austero governo, o comércio internacional e o flexível, intenso e amplamente capacitado trabalho. Um Estado que bem centralizou as receitas em educação e tecnologia e que comanda e incentiva um batalhão, a ter uma mão-de-obra quase infinita, quase invencível.
E não se está a falar de ultra ou miniprecarização do trabalho. Pelo contrário. Observa-se um Estado com propostas reconceituadas, onde alguns poucos ainda ganham mais que a maioria e outros poucos ainda ganham menos que a maioria (desigualdade regional e rural-urbana), mas a ampla maioria passa a ganhar o suficiente, e esse suficiente faz alterar os paradigmas de consumo e de necessidades.
Desta vez, se percebe a prática comum do único sentido da sociedade e da coletividade: o bem-estar geral. O mundo está em choque e o capital ocidental não aprendeu – e, agora, não sabe mais o que fazer com o homem. O lado euro-americano realmente não deu conta de todas as precisas e necessárias evoluções, não simplesmente tecnológicas, mas humanas. O grande dragão promoveu mudanças inconcebíveis para os absolutos e únicos padrões norte-ocidentais. O mundo pende para o outro lado e poucos escaparam. Todos aqui apenas sobrevivem com a incapacidade concorrencial das empresas, a falta de divisas externas dos Estados e as miseráveis condições sócio-laborais dos trabalhadores, cujo círculo indica a seqüencial escassez desértica do poder de compra da população, que fomenta ainda mais a bancarrota das empresas e que estancou definitivamente os cofres públicos. Fez-se a imparável roda-viva.
A China conduz os seus vizinhos regionais e provoca os diversos países latino-americanos – que ora lembra um pouco a ilha e estão finalmente livres do “pensamento único” dantes imposto pelas estruturas hegemônicas – para os trilhos do desenvolvimento.
Agora, instaura-se o equilíbrio. Todos chegaram quase lá e apenas enxerga-se o outro lado ansioso pela implementação de uma nova regra no comércio multilateral, então reclamada como talvez a única maneira de serem equalizadas as condições e os níveis de trabalho.
Nesse instante, já diante de uma competição efetivamente global, livre, igual e leal, um quase consenso admite que a propalada nova medida consistiria no imprescindível meio de serem uniformizadas as vidas dos trabalhadores pelo mundo, ainda uma classe hipossuficiente.