sexta-feira, 21 de novembro de 2008

# salvem os mercados emergentes


Muito pertinente o último artigo de Dani Rodrik, responsável pela cadeira de Economia Política da Universidade de Harvard, e que ora reproduzimos:

Se o mundo fosse justo, a maioria dos mercados emergentes estaria assistindo a crise financeira que engolfa as economias mais avançadas do mundo à distância - se não completamente sem serem afetados, tampouco demasiadamente preocupados. Para variar, o que incendiou os mercados financeiros não foram os excessos dos mercados financeiros, mas os de Wall Street.
As posições fiscais e externas dos mercados emergentes têm se mostrado mais fortes do que nunca, graças às duras lições aprendidas com suas próprias histórias propensas a crises. Poderíamos até ter permitido a esses países uma certa dose de prazer malicioso pelas dificuldades dos Estados Unidos e demais países ricos, exatamente como teríamos esperado que garotos sentissem um prazer perverso por seus pais se meterem nos mesmos tipos de encrenca contra as quais os pais advertem os seus filhos tão obstinadamente.
Em vez disso, os mercados emergentes estão sofrendo convulsões financeiras de proporções possivelmente históricas. Já não se teme que eles sejam incapazes de se isolar. Teme-se que suas economias possam ser tragadas para dentro e crises muito mais profundas do que as que serão experimentadas no epicentro da derrocada do “sub-prime”.
Alguns destes países deveriam ter se precavido e deveriam ter se protegido antes. Há poucas desculpas para a Islândia, que basicamente se transformou num fundo de hedge altamente alavancado. Vários outros países na Europa Central e Oriental, como Hungria, Ucrânia e os Estados bálticos, também estavam vivendo perigosamente, com vastos déficits em conta corrente e com empresas e famílias acumulando enormes dívidas em moeda estrangeira. Sempre poderemos contar com a Argentina, o menino travesso do sistema financeiro internacional, para que produza um truque para apavorar os investidores - nesse caso, uma nacionalização dos seus próprios fundos de pensão.
Os mercados financeiros, porém, fizeram pouca distinção entre esses países e outros como México, Brasil, Coréia do Sul ou Indonésia, que até há poucas semanas pareciam ser modelos de vigor financeiro.
Vejamos o que aconteceu com a Coréia do Sul e o Brasil. Os dois países experimentaram crises cambiais no passado recente - a Coréia do Sul em 1997-1998 e o Brasil em 1999 - e ambos subseqüentemente adotaram medidas para elevar a sua resistência financeira. Eles reduziram a inflação, deixaram suas moedas flutuar, acumularam superávits externos ou pequenos déficits e, o que é mais importante, acumularam montanhas de reservas cambiais (que agora excedem tranqüilamente as suas dívidas externas de curto prazo). O bom comportamento financeiro do Brasil foi recomendado já em abril deste ano, quando o Standard & Poor´s elevou a sua nota de crédito para nível de investimento (a Coréia do Sul já obteve nível de investimento há anos).
Apesar disso, ambos estão sendo duramente castigados nos mercados financeiros. Nos dois meses passados, suas moedas perderam cerca de 25% do seu valor ante o dólar dos EUA. Seus mercados de ações declinaram bem mais (40% no Brasil e 33% na Coréia do Sul). Nada disso pode ser explicado pelos fundamentos econômicos. Os dois países experimentaram um período de crescimento robusto recentemente. O Brasil é um exportador de commodities, ao passo que a Coréia do Sul não é. A Coréia do Sul depende enormemente de exportações a países ricos, e o Brasil, bem menos.
Estes e demais países emergentes são vítimas de uma corrida racional rumo à segurança, exacerbada por um pânico irracional. As garantias públicas que os países ricos estenderam aos seus setores financeiros expuseram de forma mais clara a linha crítica demarcatória existente entre ativos “seguros” e “arriscados”, sendo que os mercados emergentes estão claramente nesta última categoria. Os fundamentos econômicos ficaram pelo caminho.
Para piorar as coisas, os mercados emergentes são privados da única ferramenta que os países adiantados empregaram para estancar os seus próprios pânicos econômicos: recursos fiscais internos ou liquidez interna. Os mercados emergentes necessitam de moeda estrangeira e, portanto, de apoio externo.
O que precisa ser feito está claro. O Fundo Monetário Internacional (FMI) e os bancos centrais do G-7 precisam atuar como emprestadores globais de última instância e fornecer liquidez ampla - rapidamente e com poucas restrições - para apoiar as moedas dos mercados emergentes. A dimensão da provisão de recursos necessária provavelmente chegará a centenas de bilhões de dólares dos EUA, e superará tudo o que o FMI já tenha feito até agora. Mas não há nenhuma escassez de recursos. Se for preciso, o FMI poderá emitir direitos especiais de saques (SDRs) para gerar a liquidez global necessária.
Além disso, a China, que detém quase US$ 2 trilhões em reservas cambiais, deve ser parte desta missão de resgate. O dinamismo da economia chinesa é extremamente dependente das exportações, que poderão sofrer muito com um colapso dos países emergentes. Na verdade, a China, com sua necessidade de crescimento elevado para pagar pela paz social, pode ser o país que mais corre risco com uma grave queda na atividade econômica global.
O interesse próprio indisfarçado também deve convencer os países avançados. O colapso continuado das moedas dos mercados emergentes e suas conseqüentes pressões comerciais lhes dificultarão ainda mais a tentativa de impedir um aumento substancial nos níveis da taxa de desemprego. Na ausência de um escudo para as finanças dos países emergentes, o cenário apocalíptico de um ciclo vicioso protecionista que relembra a década de 1930 já não pode ser descartado.
O Federal Reserve (Banco Central americano) e o Fundo Monetário Internacional já tomaram algumas medidas positivas. O Fed criou uma linha de swap para quatro países (Coréia do Sul, Brasil, México e Cingapura), de US$ 30 bilhões cada. O FMI anunciou uma nova linha de curto prazo para um número limitado de países com boas políticas. A dúvida é se essas iniciativas serão suficientes e o que acontece com os países que não poderão se beneficiar destes programas.
Haverá muito tempo para debater um novo Bretton Woods e a construção de um aparato regulador global.
A prioridade por enquanto é salvar os mercados emergentes das conseqüências da insensatez financeira de Wall Street.