terça-feira, 17 de dezembro de 2013

# um conto sem fadas


Era uma vez um campeonato de futebol na Ilha de Vera Cruz.  

Sendo o futebol o esporte nº 1 do lugar, o torneio, mesmo com a fama de desorganizado e cheio de cambalacho, era disputadíssimo e comovia toda a Ilha.

O dinheiro envolvido era enorme e, logo, os interesses eram muitos.

Neste ano, porém, teve uma uma equipe, o Cruzado, que jogou muito mais que todas as outras e por isso não demorou muito para se sagrar campeã.

Porém, havia muitas outras coisas em disputa.

E nada causava tanto alvoroço do que a disputa para ver qual equipe seria a última rebaixada para a segundona do campeonato insular, ao lado do Vasko da Gema, Makaka e Nautibus.

E eis que chega o derradeiro fim de semana do campeonato.

Pelo fato de, em tese, ter duas equipes que não tinham mais interesses em jogo, marcou-se a partida entre ambas para sábado e as demais foram para o domingo.

Assim, no sábado, Mullambus contra Cruzado tinha tudo para ser um amistoso, pois o primeiro abrira 4 pontos da "zona da morte" e parecia que não teria risco de cair, enquanto o segundo já era o campeão da Ilha de Vera Cruz. 

Partida modorrenta, sem compromisso, e ao final o placar de 1 x 1.

Mas o que parecia insosso adquiriu ares de dramático com uma constatação ao fim do jogo: por absoluta incompetência da desestruturada direção do Mullambus, um dos seus jogadores acabou sendo escalado irregularmente.

Punição? Perda de 3 pontos, além dos pontos ganhos na partida – 1 (um), no caso –, num total de 4 pontos.

Ou seja, a depender dos resultados dos jogos do domingo, esta perda de 4 pontos levaria o Mullambus à inédita segunda divisão.

Clima tenso.

Clima financeiramente tenso, pois em jogo estariam os multimilionários interesses do showbizz, dos sponsors e, em especial, da Rainha Vênus Platinada.

Afinal, como aceitar que o time com a maior torcida – leia-se, mais audiência, mais anúncios e, logo, mais grana – da ilha fosse rebaixado?

O que fazer? O que não fazer? O que fazer? O que não fazer? Era o zum-zum-zum do ambiente...

“Fazemo-lo, amada Mestre!” – propõe alguém, ardida de ódio.

“É, armemos alguma coisa, pois só torcer não vai adiantar, será muito arriscado!” – outra pessoa, também ardida, vaticina.

“Hey!! Liguemos para a turma da Lusitânia!” – as ardidas, junto, sugerem como mágica.

Ora, Lusitânia era uma equipe pequenina, esquecida por tudo e todos, simpatizada por minguados torcedores, sem qualquer apelo midiático, sempre com campanhas pífias nos torneios nacionais e que, mais uma vez, estava lá no bloco de baixo. 

“Sim, se ela também perder 4 pontos quem cai é ela, e não nós!”, exclamam.

Portanto, Lusitânia parecia ser a isca perfeita... e, por um arranjo do destino, ela jogaria amanhã, num cenário que já poderia ser bem preparado.

“Ora, vão ver isso! E cortem-lhe a cabeça!”, exclama a Rainha, dando o veredicto.

E com os baús entupidos de moedas de ouro, lá foram os representantes mullambus atrás dos representantes lusitânios.

Chegam até a sede da Lusitânia e, para espanto delas, quem lá encontram? 

Sim, eles, os folclóricos representantes de um rival regional, da tribo tricolor Flordelince.

“O que fazem aqui?”, o mullambu, surpreso, indaga.

“Ah, pelo visto o mesmo que vocês...”, sentencia o dirigente da equipe de três cores, com cara de quem já rondava por ali há dias.

Bem, o Flordelince, coitado, estava em situação ainda pior que o Mullambus.

Praticamente rebaixado, ainda jogaria no domingo e só um milagre por debaixo dos panos, como de praxe, parecia fazê-lo não cair.

E, coincidentemente, o mesmo milagre desejoso pelo Mullambus: que Lusitânia perdesse 4 pontos e sucumbisse.

“Mas vamos ao que interessa...”, já emenda, rasgando, Joaquim, o dono da Lusitânia.

Já eram quase 10 da noite quando, enfim, a reunião começou pra valer.

Na mesa, muito bem definidas as propostas da Rainha Vênus, por parte do Mullambus, e da Yunymedi, o rico ente reitor, já com ares sagrados, do Flordelince.

No fundo, um só fim: em troca de milhões e milhões, 4 pontos.

Um rio de dinheiro, um rio de janeiro a dezembro para Lusitânia usar como bem quisesse, onde quisesse e com quem quisesse.

Bastaria, simplesmente, perder 4 pontos e cair.

“Mas como fazer isso, se um jogo vale só 3?”, indaga o mandatário lusitânio.

“Escale um jogador irregular na tua equipe!”, respondem, em uníssono, os representantes outrora rivais.

E sobe à mesa mais um baú de dinheiro.

Fama, fortuna, mulheres, viagens, carros de luxo... tudo surge na conversa com poder de convencimento.

“Ah, mas e o futebol? E os meus torcedores? São poucos mais lhes devo satisfação!”, lamuria Joaquim.

“Não se preocupe, é tanto dinheiro que ano que vem Lusitânia poderá montar um ótimo time, já sobe pra 1ª divisão de novo e todo o povo esquece...”, diz o sujeito de cartola e pasta tricolor.

Era verdade. 

O mundo mineral sabia que, não fosse por uma questão de ética institucional, a Lusitânia não perderia nada com essa história de rebaixamento, pois não tinha pressão de patrocinadores, nem pressão de mídia, nem pressão de torcida... 

"Sim, e a Rainha promete que mandará toda a mídia mostrar vocês, acho até que vão inventar um apelido pra vocês, misturado com um desses times quem tem lá na Zoropa... tipo "Barcelusi!", o mullambu de sorriso sinistro emenda. 

“Ai meu Jesus...”, murmura aflito o homem.

Passa da meia-noite. Dá-se a impressão que toda a Ilha de Vera Cruz pesa sobre os ombros do Seu Joaquim e da Lusitânia.

Cabeça baixa, e ele, frio, sua muito.

E pensa, pensa, pensa... 

Até erguer-se para gritar: “Tá bem... Chama lá o Héverton!”.

E todos viverem felizes para sempre.