Era uma vez um campeonato de futebol na Ilha de Vera Cruz.
Sendo o futebol o esporte nº
1 do lugar, o torneio, mesmo com a fama de desorganizado e cheio de cambalacho,
era disputadíssimo e comovia toda a Ilha.
O dinheiro envolvido era
enorme e, logo, os interesses eram muitos.
Neste ano, porém, teve uma
uma equipe, o Cruzado, que jogou muito mais que todas as outras e por isso não demorou muito para se sagrar campeã.
Porém, havia muitas outras
coisas em disputa.
E nada causava tanto alvoroço do que a disputa para ver qual equipe seria a última rebaixada para a
segundona do campeonato insular, ao lado do Vasko da Gema, Makaka e Nautibus.
E eis que chega o derradeiro fim de
semana do campeonato.
Pelo fato de, em tese, ter duas
equipes que não tinham mais interesses em jogo, marcou-se a partida entre ambas para sábado e as demais foram para o domingo.
Assim, no sábado, Mullambus
contra Cruzado tinha tudo para ser um amistoso, pois o primeiro abrira 4
pontos da "zona da morte" e parecia que não teria risco de cair, enquanto o segundo já era o campeão da Ilha de Vera Cruz.
Partida modorrenta, sem compromisso, e ao final o placar de 1 x 1.
Partida modorrenta, sem compromisso, e ao final o placar de 1 x 1.
Mas o que parecia insosso adquiriu ares de dramático com uma constatação ao fim do jogo: por absoluta incompetência da desestruturada direção do Mullambus, um dos seus jogadores acabou sendo escalado irregularmente.
Punição? Perda de 3 pontos, além
dos pontos ganhos na partida – 1 (um), no caso –, num total de 4 pontos.
Ou seja, a depender dos resultados
dos jogos do domingo, esta perda de 4 pontos levaria o Mullambus à inédita segunda
divisão.
Clima tenso.
Clima financeiramente tenso,
pois em jogo estariam os multimilionários interesses do showbizz, dos sponsors e,
em especial, da Rainha Vênus Platinada.
Afinal, como aceitar que o time com a maior torcida – leia-se, mais audiência, mais anúncios e, logo, mais grana – da ilha fosse rebaixado?
Afinal, como aceitar que o time com a maior torcida – leia-se, mais audiência, mais anúncios e, logo, mais grana – da ilha fosse rebaixado?
O que fazer? O que não fazer?
O que fazer? O que não fazer? Era o zum-zum-zum do ambiente...
“Fazemo-lo, amada Mestre!” – propõe alguém, ardida de ódio.
“É, armemos alguma coisa, pois só torcer não vai adiantar, será muito arriscado!” – outra pessoa, também ardida, vaticina.
“Hey!! Liguemos para a turma
da Lusitânia!” – as ardidas, junto, sugerem como mágica.
Ora, Lusitânia era uma equipe
pequenina, esquecida por tudo e todos, simpatizada por minguados torcedores, sem qualquer apelo midiático,
sempre com campanhas pífias nos torneios nacionais e que, mais uma vez, estava
lá no bloco de baixo.
“Sim, se ela também perder 4
pontos quem cai é ela, e não nós!”, exclamam.
Portanto, Lusitânia parecia ser a
isca perfeita... e, por um arranjo do destino, ela jogaria amanhã, num cenário que já poderia ser bem preparado.
“Ora, vão ver isso! E cortem-lhe a
cabeça!”, exclama a Rainha, dando o veredicto.
E com os baús entupidos de
moedas de ouro, lá foram os representantes mullambus atrás dos representantes
lusitânios.
Chegam até a sede da Lusitânia e, para espanto delas, quem lá encontram?
Sim, eles, os folclóricos representantes de um rival regional, da tribo tricolor Flordelince.
Sim, eles, os folclóricos representantes de um rival regional, da tribo tricolor Flordelince.
“O que fazem aqui?”, o mullambu, surpreso, indaga.
“Ah, pelo visto o mesmo que
vocês...”, sentencia o dirigente da equipe de três cores, com cara de quem já rondava por ali há dias.
Bem, o Flordelince, coitado,
estava em situação ainda pior que o Mullambus.
Praticamente rebaixado, ainda jogaria no domingo e só um milagre por debaixo dos panos, como de praxe, parecia fazê-lo não cair.
Praticamente rebaixado, ainda jogaria no domingo e só um milagre por debaixo dos panos, como de praxe, parecia fazê-lo não cair.
E, coincidentemente, o mesmo
milagre desejoso pelo Mullambus: que Lusitânia perdesse 4 pontos e sucumbisse.
“Mas vamos ao que interessa...”,
já emenda, rasgando, Joaquim, o dono da Lusitânia.
Já eram quase 10 da noite
quando, enfim, a reunião começou pra valer.
Na mesa, muito bem definidas
as propostas da Rainha Vênus, por parte do Mullambus, e da Yunymedi, o rico ente reitor, já com ares sagrados, do Flordelince.
No fundo, um só fim: em troca
de milhões e milhões, 4 pontos.
Um rio de dinheiro, um rio de
janeiro a dezembro para Lusitânia usar como bem quisesse, onde quisesse e com quem quisesse.
Bastaria, simplesmente,
perder 4 pontos e cair.
“Mas como fazer isso, se um jogo vale só 3?”, indaga
o mandatário lusitânio.
“Escale um jogador irregular na
tua equipe!”, respondem, em uníssono, os representantes outrora rivais.
E sobe à mesa mais um baú de dinheiro.
Fama, fortuna, mulheres,
viagens, carros de luxo... tudo surge na conversa com poder de convencimento.
“Ah, mas e o futebol? E os meus
torcedores? São poucos mais lhes devo satisfação!”, lamuria Joaquim.
“Não se preocupe, é tanto
dinheiro que ano que vem Lusitânia poderá montar um ótimo time, já sobe pra 1ª
divisão de novo e todo o povo esquece...”, diz o sujeito de cartola e pasta tricolor.
Era verdade.
O mundo mineral sabia que, não fosse por uma questão de ética institucional, a Lusitânia não perderia nada com essa história de rebaixamento, pois não tinha pressão de patrocinadores, nem pressão de mídia, nem pressão de torcida...
O mundo mineral sabia que, não fosse por uma questão de ética institucional, a Lusitânia não perderia nada com essa história de rebaixamento, pois não tinha pressão de patrocinadores, nem pressão de mídia, nem pressão de torcida...
"Sim, e a Rainha promete que mandará toda a mídia mostrar vocês, acho até que vão inventar um apelido pra vocês, misturado com um desses times quem tem lá na Zoropa... tipo "Barcelusi!", o mullambu de sorriso sinistro emenda.
“Ai meu Jesus...”, murmura aflito o homem.
Passa da meia-noite. Dá-se
a impressão que toda a Ilha de Vera Cruz pesa sobre os ombros do Seu Joaquim e
da Lusitânia.
Cabeça baixa, e ele, frio, sua muito.
E pensa, pensa, pensa...
Até erguer-se para gritar: “Tá bem... Chama lá o Héverton!”.
Até erguer-se para gritar: “Tá bem... Chama lá o Héverton!”.
E todos viverem felizes para
sempre.