quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

# bife rolê


"Quæ sera tamen, acredito que deva sobrar um pequeno espaço para umas breves linhas sobre os tais "rolezinhos".

Não obstante mais fácil de falar agora, pós-terremoto, confesso que não vejo com tanta complexidade o seu conteúdo, as suas razões, causas e consequências.

Fruto de parte de uma juventude cada vez mais esquisita, os "rolezinhos" tem suas raízes em parcela daquilo que motivou as passeatas de junho do ano passado.

Sim, mais do que a vontade de "mostrar a sua cara" e dizer "eu existo!" à sociedade, mais do que a intenção de contra-atacar o império capitalista (e ser uma voz anticapitalismo) e mais do que reivindicar um espaço público, a turma quer simplesmente "aparecer".

Mas não no sentido filosófico ou metafísico, mas físico-fotográfico. Aparecer e causar tumulto, causar tensão, causar confusão, causar sarros e satisfação, para depois postar, curtir, compartilhar e comentar pelas redes afora.

Primeiro, pelo fato de não haver indícios de que pretendam "dar-um-basta-ao-gozo- exclusivo-das-catedrais-do-consumo-pela-burguesia" e, finalmente, se mostrarem vivas e presentes nestes divinos centros.

Embora frequente shopping centers com assiduidade mongil (e gosto azedo), posso dizer que há tempos noto as classes C/D núcleo da galera rolê  vagando por eles.

O que fazem direito, não sei.

Mas lá estão, perambulando e se amontoando em patotas, pelos salões de fast-food, pelas lojas de departamento e pelas vitrines ocas daquilo tudo, como quaisquer hordas juvenis fazem nas matinês e nos fins de semana. Logo, vistos ali sempre têm sido, civilizadamente, com todas as suas cores, os seus trajes e os seus jeitos – e, claro, os donos do templo nunca reclamaram.

Depois, levantar a bandeira de "viva la revolución!" soa patético nestes rolês. A não ser que se deseje proclamar uma outra revolução burguesa, agora fútil e funesta, em prol do hiperconsumo, da conquista de gadgets e da busca de marcas e patentes descoladas.

Ora, nos "rolezinhos" a turma não parece querer bradar o quão perversa é a nossa triste realidade que exclui, despreza e invisibiliza a periferia.

Não se vê, ali, denúncias deste nosso desatualizado "contrato social". Volta-se, apenas, àquele mesmo vácuo das ruas de junho passado, com a gravidade de agora se estar em um ambiente inadequado, não apenas juridicamente, mas moralmente impróprio: um templo tosco, torvo, torto, torpe, associado à uma sociedade em falência, fechada em si e em seus gastos e bens.

Por fim, não há que se falar em espaço público.

Se nas ruas e nas praças do Brasil era mesmo inevitável aguentar aquela complexa sopa de vazios que se viu junho, os shopping centers não.

Tal qual o céu é do condor, estes shoppings são de alguém, são propriedades privadas, particulares, próprias. Enfim, eles têm a porra de um dono. E não cabe, aqui, inversões do tipo "espaço privado de interesse público", "espaço publicizado" ou outras criações jurídicas do gênero.

Assim, se não conflitantes com a legislação, lá há regras próprias. E costumes!

Ou alguém vê como natural quaisquer centenas de pessoas empunhando bandeiras, cartazes e cornetas, provocando algazarra e um frenético corre-corre pelas galerias de um grande empreendimento particular? E se as regras do condomínio (do "shopping center") proíbem e assim prevejo  gritarias, correrias, escaladas, piches e outras atitudes menos convenientes ao lugar, que não é um hospital, tão-pouco um estádio? 

Não há, pois, o que se contestar na conduta vigilante dos seus titulares que, lá dentro, exigem o respeito às normas da casa  salvo, claro, nas hipóteses de exageros, de abuso de direito, em desrespeito à dignidade, ao ir e vir e a outros direitos fundamentais.

Portanto, não consigo enxergar nisso tudo qualquer luta contra o real (e perverso) apartheid social e contra a inescrupulosa desigualdade que aqui reina.

Isto tudo está muito, muito à margem...

E, se não está, é o seu modo que está errado e estéril, afinal, não é ali que se vai reunificar as nossas cidades perdidas entre castelo e esgoto, entre centro e marginal, entre brancos e pretos, não é dali que se extrairá a mirra de relações humanas verdadeiras e de um convívio social fortunoso.

Fica, ao cabo, a constrangedora amostra de como caminha esta juventude hedonista, a confundir "cidadania" com "capacidade para consumo", a crer no "ter" para "ser" e a acreditar que o  putrefato espaço de um shopping center possa ser democrático e sagrado.

E este aspecto indigente da coisa toda é mero reflexo da nossa sociedade em manada.