sábado, 15 de fevereiro de 2014

# gato e espadas


Uma das mais interessantes teses que li no meu tempo de estudos em Coimbra foi uma que tratava dos impostos do pecado, ou seja, analisava a receita estatal da tributação do "álcool", do "tabaco" e do "jogo" sob o ponto de vista da ética e da filosofia política em um Estado laico.

E, nestes dias, ao discutir com um amigo esta questão, nomeadamente a dos casinos e a do jogo no Brasil  lembrando, claro, que o Rio é a terra do "bicho"... , ative-me na necessidade de tentar não apenas despejar críticas intransitivas, mas de qualificá-las, adequá-las aos fatos e dados e de apontar mínimas propostas.

Embora mereça ser aprofundada em outro momento, a questão do jogo talvez devesse ser efetivamente discutida no Brasil, sem preconceitos, sem falso moralismo e sem o ranço religioso que lhe acometem, como já se sucede com outra matéria (v. aqui).

Claro que a funesta lição dos bingos e de toda a bandidagem que caracterizou este péssimo negócio para o Estado e para os cidadãos brasileiros inibem a discussão e, desde já, apontam para a impossibilidade do jogo ser conduzido sob a mesmas ideias, as mesmas regras e os mesmos princípios; logo, não seria este o caso.

A questão proposta, portanto, é que seja permitido o jogo no Brasil, obedecendo-se algumas condições.

Primeira, deverá ocorrer sob a tutela do Estado. Sim, a coisa seria pública, com natureza de direito privado, com o controle e o fomento estatal, e as firmes espadas da lei. Hoje, a própria Caixa detém certa expertise nisso  basta ver a infinidade de jogos (loterias) patrocinados por esse ente público , e não seria de outro planeta pensar numa pessoa jurídica assim habilitada e com tal fim construída. Em termos de fiscalização e mitigação da corrupção, com as modorrentas máquinas caça-níquel o negócio seria mais fácil, pois seria tudo interligado com a alta tecnologia disponível, diferentemente das roletas, dos bingos e das cartas, absolutamente sedutoras à fraudes. Mas, como em todas as relações público-privadas, haverá de se tentar separar o joio do trigo – não dá pra esquecer que, hoje, até em luz, telefone e água os gatos ainda acontecem... E como o dinheiro público não dá em árvore, e como "ganhar" nestes casinos não pode significar perda para o erário, o retorno sairá diretamente do volume de apostas, como  hoje funciona com os jogos lotéricos – a "banca", portanto, não poderá quebrar, pois haverá limites e regras para apostas de mesa, conforme o dinheiro que circula. Depois, não tendo por dinâmica a concorrência, os casinos merecerão um aspecto padrão e nacional, no máximo distinguido pelas vicissitudes regionais, sem a ostentação ridicularmente tosca do que se vê por aí, naquele estilo Las Vegas, mas também sem desprezar a aparência lúdica que as casas de jogos mereçam ter, bem como todo o sistema de segurança necessário ao seu melhor funcionamento. 

Segunda, deverá estar apenas em determinados locais do país, com vistas a promover o desenvolvimento regional, por meio do turismo e da arrecadação fiscal. Embora com certo questionamento acerca da sua constitucionalidade, acredito na sua validade jurídica, por justificativas que a própria Carta admite e que à frente podem ser esclarecidas. Logo, o jogo seria liberado apenas nos Estados do Norte, no Piauí e no Maranhão, não coincidentemente aqueles com menor visibilidade, com menor trânsito, com menor índice de desenvolvimento humano e com menores condições de acompanhar o ciclo evolutivo do país. Na forma de "polos regionais", não se terá casas de jogo em cada esquina ou em cada município, mas em locais estrategicamente planejados. Por ser em locais distantes e de acesso limitado, a logística de transporte, com incremento nas malhas aérea, viária e hidroviária deverá merecer atenção especial. 

Terceira, deverá ter as suas receitas incondicionalmente vinculadas à aplicação em educação e saúde dos locais em que o governo federal autorizar a instalação. Hoje, dentre tantos outros jogos administrados pela CEF, destrinche-se os valores das apostas da "mega-sena": 32% é o prêmio, 20% vai para custeio e manutenção dos serviços (administração e lotéricas) e quase 50% fica para o Estado (Esportes, FIES, Fundo Penitenciário, Fundo Nacional de Cultura e IR). Ora, esta fonte de recursos, com a consequente transferência federal aos locais visados e necessitados, será bastante importante para as fazendas estaduais.

Quarta, deverá contar com maciça propaganda estatal com vistas a orientar os jogadores e a minimizar os efeitos de potencias vícios, como hoje se faz em larga escala com o tabaco. Parte da receita, inclusive, seria para financiar esta contra-cultura e os futuros tratamentos médicos-psicológicos que surjam.

Bem, não se sabe ainda os custos para criar e manter isso tudo, tão-pouco se haverá mercado para isso, mas, como mundo afora o negócio tem êxito  sem a minha contribuição, pois não é minha praia , por aqui seria conveniente testar, com um ou dois projetos-pilotos. 

E talvez nestes termos dê certo – ou não, como diria um amigo em tom insofismável.