Assombra, inclusive o mundo mineral, a babaquização geral, enfestada de um consumo voyeur idiota e nonsense.
E se trata de uma mixoscopia reflexa, em
sentido oposto, daquelas que do ato próprio só se realiza no que o outro vê (v. aqui).
De uns tempos pra cá a onda cai e a pomba gira em
torno de espaços private, lojas boutique, salas vip, áreas soho,
produtos gourmet e tudo o que se quiser associar de francofonias
ou expressões inglesas a fim de oferecer status aos envolvidos.
Recria-se uma coisa ou hábito
qualquer e se oferece ao mercado com a assinatura de chefs, bem
recomendada por celebridades, se acresce um ou outro ingrediente importado ou de
incompreensível pertinência e pronto: a fetichização do consumo irá levá-lo às alturas e o fará sublimar num mundo cheio de ilhas da fantasia.
Para piorar, a verve é oferecer status para
tudo e para as trivialidades do dia a dia: alimentos, roupas, acessórios... tome-se, agora, dois exemplos:
beber vinho e cerveja.
Vocês já notaram o que virou isso?
Começou com o vinho, e de modo um tanto
quanto, pois o estereótipo criado para ele e para o seu consumo não coaduna com
a sua rica história.
Mas, convenhamos, a própria aura
colocada pela gente que trabalha com ele é a grande causa disso tudo, que faz
questão de agregar uma simbologia atroz para o seu comércio e consumo, que vai
do elitismo aos grandes lucros.
Na Europa, por exemplo, não existe nada
disso que se alarda em torno da bebida. Nas
regiões produtoras tradicionais como Portugal, França e Itália, essa bebida
sempre foi e continua sendo popular. Nesses lugares, o vinho é considerado
um alimento e é indispensável nas refeições, tanto à mesa do rico quanto à mesa
do pobre. Lá, todos consomem, como por aqui qualquer brasileiro simplesmente bebe – bebia? – sua cerveja.
Logo, a elitização – e o pseudo-privilégio – é coisa notória do
novo mundo vinífero.
Em nosso caso, talvez porque índios e negros, raízes da brasilidade, não tiveram no vinho um elemento cultural. Talvez porque aqui o vinho era
importado, caro e restrito a poucos – lembro-me, pois, da pequena fortuna que um certo
senhor de Curitiba fez, nos anos 80, ao importar as primeiras cargas daquele
vinho branco alemão da garrafa azul ("Liebfraumilch"), sucesso
absoluto em todos os grandes eventos da capital, que era comprado nas gôndolas
alemãs por dois dólares e por aqui vendido às madames a preços nababescos, para entornadura delirante da
massa fina e cheirosa nativa.
Mas, fora isso, há
também uma razão contemporânea: a nossa atual moda
enófila veio acompanhada de toda uma babaquice empolada que distingue e afasta as pessoas da bebida.
Um linguajar supostamente técnico, comparações esdrúxulas com aromas de outro planeta, rituais esotéricos para se beber, regime de pontuações bizarros que os não-iniciados sentem que só aprenderiam com décadas de estudo... enfim, houve a transformação dessa bebida em algo esnobe, doutoral e quase mediúnico.
Usa-se
a analogia com frutas e alimentos que não fazem parte do nosso dia a dia, que
não explicam nada e que, regize-se, apenas buscam embustear o negócio.
E
agora veio a cerveja, sim, a sacrossanta cerveja e os seus botequins.
Para a qual se dispensa quaisquer comentários, bastando ler isso aqui.
Como se diz, meus amigos, o fim está próximo.