A fascinante crônica do Velho Cronista sobre a grande noite que se reinaugura logo mais.
E nada mais precisa ser dito (v. aqui).
Olhe lá, a Baixada quieta, calada feito
criança culpada, não dispara um único som. Dorme um sono pesado, de concreto e
ferro fundido.
Descansa, calma feito noite fria.
Tudo está quieto demais no front.
As trincheiras estão vazias, os bunkers
estão desabitados, as casamatas estão desguarnecidas.
E todos nós já vimos filmes de guerra o
bastante para saber que esse silêncio verborrágico, essa calada perniciosa,
prenuncia um estrondo fatal e desvairado.
Na calada da noite, enquanto os
santos dormem, uma multidão inteira, com pensamentos peçonhentos, ocupa as
trilhas que levam ao Estádio Joaquim Américo.
E quando nos dermos conta, aquele estádio
estará integralmente tomado por um povo ensandecido, com pavilhões e fardas a
chacoalhar nas mãos, ecoando cânticos elevados e promissores.
Quando rebentar o primeiro disparo será
como o estouro de mil manadas a correr, cascos febris castigando o concreto em
galopes ligeiros.
Hoje, a imensa torcida do Clube Atlético
Paranaense vai matar, com ferroadas lancinantes de fascínio, toda a saudade da
sua casa.
E a massa vermelha nem vai ter tempo de
chorar a emoção da volta. Mal vai pisar no concreto imaculado da Baixada e já
vai ter de entoar gritos de escora e auxílio, empurrando o escrete para
cima do adversário, posto que o encargo do Atlético-PR é mastodôntico: precisa impor
terríveis três gols no tinhoso time do América-RN.
Quarenta mil almas serão forjadas no
desespero e na aflição, curvando a cada giro do relógio. Os céticos – se é que
ainda existem depois daquele
embate contra o Sporting Cristal, comprado no calor das penalidades –
que não apareçam por lá.
Este estádio, meus caros, não foi erguido
para incrédulos. Ele foi feito para quem, à imagem dele, foi criado a
ferro e fogo, a quem tem vigas no lugar de veias, a quem traz na espinha dorsal
a firme convicção da virada.
Os ateus, portanto, que deixem espaço para
quem segue esse time por toda parte.
Hoje, Curitiba sairá toda em
romaria, gente de fé, multidão inteira, órfã de casa há mais de
mil dias, que vem de pegar emprestados campos e arquibancadas Brasil
afora, e que anseia em lançar mão de uma só vez sobre aquele campo que é só
seu.
O Atlético-PR está voltando, enfim, para
casa. E ele chega, pontual, no momento mais perfeito para o regresso: quando os
estádios todos da Copa do Mundo já estão usados, frequentados, consumidos. O
Joaquim Américo estreia hoje intacto. É como a joia guardada para o final,
o presente que chega por último.
Obrigado aos Castelões, às Arena Manaus,
às Fontes Novas, que abriram o espetáculo, mas é hora do recital principal.
Agora, todas as luzes desses holofotes
curiosos estão mirando exatamente ela, a Baixada, que debuta hoje.
Morteiros vermelhos cruzarão os céus,
canhões serão apontados para o centro da grama, lanças e setas viajarão pelo
terreno. E o povão ensandecido encherá de cor aquele cinza e o Brasil inteiro
verá que a palidez do cimento deste estádio é proposital – a matiz deste campo
pertence ao povaréu nas arquibancadas, às camisas e flâmulas que tremulam
incansáveis.
A Arena da Baixada hibernou por duas
eternidades e agora se levanta.
E o país inteiro vai estremecer ao som dos
seus rugidos.