À época do voluntário exílio europeu, lia nos raros momentos de folga acadêmica, sob a luz amarela e fria das lindas bibliotecas, clássicos -- ou parte deles -- que noutros tempos era-me impossível.
E desses período trago agora o filósofo Hegel, que em sua Fenomenologia do Espírito examinou amiúde a dialética do senhor e do escravo.
Nessa obra, aprende-se que o senhor se torna tanto mais senhor quanto mais o escravo internaliza em si o senhor, o que aprofunda ainda mais seu estado de escravidão.
Em tantas oportunidades e ocasiões da vida, diversas pessoas (e diversas colegas) assim parecem se comportar, atribuindo a imerecidas pessoas o respeito de um tratamento senhorial ou pseudo-acadêmico que, inconscientemente, as escraviza.
E no ambiente de trabalho isso a todo instante vejo acontecer -- e como perturba a vulgarização já histórica do "doutor".
Assim, muitas vezes vejo as pessoas constrangidas, estampando nas oprimidas testas uma virtual placa que as submetem, a cada indevida pronúncia de "doutor" ou "senhor", ao contexto senhorio.
Sim, como disse Leonardo Boff, esta conduta resulta do fato do oprimido admitir hospedar em si o opressor.
E, neste microcosmo da vida, a libertação realiza-se quando o oprimido extrojeta o opressor, não mais admitindo servi-lo e não mais aceitando servir-se com tratamentos indevidos.
Portanto, ao menos nesses inconcebíveis termos de um "senhor" ou, pior ainda, de um "doutor", devem as pessoas terem a consciência de que ambas as formas são absolutamente indignas e ilegítimas para certas pessoas que, pela notória falta de caráter -- tenha ou não uma merecida idade avançada -- ou de honra acadêmica, não podem fazer jus a nada além de um comum "você".
Afinal, infelizmente, para esses casos ainda se desconhece um pronome de destratamento.