Pelo Brasil a fé move montanhas de dinheiro, levado por um rebanho perdido no mar da ignorância e do desespero.
Antes, uma
contestação: as igrejas neopentecostais têm uma papel importantíssimo no
resgate da dignidade da nossa ralé e na recuperação dos abandonados de toda sorte – sem almejar um mais profundo juízo de valor, trata-se de um fato inegável que as
qualificam nesta ordem social vigente e as credenciam a continuar os seus
trabalhos.
Continuemos.
Para a lei não há milagres, afinal, o que não pode ser observado e explicado racionalmente não interessa à lei; contudo, isso não quer dizer que religião e crença não sejam importantes para a lei.
E a tênue linha que separa liberdade religiosa e laicização, de um lado, e má-fé e crime, de outro, provoca atritos e sublime discussão.
E não sejamos injustos: desde sempre a religião têm margeado por este segundo plano, a adotar inúmeros meios indignos de coletar fiéis.
Antes, nos tempos medievais, a Igreja Católica vendia terreno no céu, queimava "bruxas" e usava de toda a maldita criatividade para embutir na cabeça das pessoas que fora dela, e da submissão a ela, não havia salvação.
Mas, hoje, com a evolução social da (pós-)modernidade, bem aliada a toda a tecnologia midiática à disposição, as ideias que flertam com o absurdo, com o intragável e com o crime são sorrateiramente atacadas.
Há índia em Santa Catarina, há médiuns em Minas Gerais e, claro, há padrecos e pastores por todos os centros e cantos deste país.
Basta, pois, correr pela rede para ver isso aqui, aqui ou aqui, e ter a (apriorística) certeza de que essas coisas não podem passar impunes por uma sociedade que se pretende justa e tutora da dignidade humana.
Bem, há dois artigos no Código Penal que indiretamente lidam com a exploração da fé das pessoas, catalogados no capítulo dos crimes contra a saúde pública.
O primeiro é o charlatanismo, uma espécie de mentira utilizando a crença do outro, na qual o criminoso inculca ou anuncia cura por meio secreto ou infalível.
É claro que simplesmente dizer que você pode curar alguém não é crime (se fosse, todos os médicos estariam presos); mas dizer ou propagandear que a cura é infalível ou que você possui um meio secreto de curar as pessoas é crime.
O que se exige, pois, é que o "charlatão" saiba que ele não será capaz de curar a pessoa, que seu método não seja eficaz ou, ainda que eficaz, não gere cura garantida.
O segundo, o curandeirismo, que é diagnosticar, receitar, entregar ao consumo ou aplicar qualquer substância ou usar gestos, palavras ou qualquer outro meio de cura para tratar a doença de alguém – aqui, o "curandeiro" efetivamente não sabe o que faz, diferente do "charlatão".
Ainda mais do que o primeiro, este segundo crime é muito complexo porque tangencia na liberdade religiosa.
A benção do padre, por exemplo, é uma forma de cura espiritual para os fiéis, como o uso das mãos é importante para os espíritas, as saudações e convenções para os muçulmanos, judeus, budistas, hindus... e até mesmo certos chás são sagrados para outros (v. aqui) – ou seja, usar gestos, palavras e meios diversos são veículos que quase todas as religiões ou seitas fazem.
Isso quer dizer que esses religiosos estão exercendo o curandeirismo? Não, na medida em que a Constituição protege os rituais de fé.
O limite – complicado, confesse-se – é quando esse ritual de fé passa a colocar a saúde (física, mental, social e financeira) das pessoas em perigo.
E o caso de quem pratica operações espirituais? Pode sim ser crime contra a saúde pública – tratar alguém com gestos, palavras ou, no que se encaixa, "qualquer outro meio” –, mas há quem discorde e entenda ser apenas lesão corporal, por admitir que as cirurgias mediúnicas não são similares a gesto ou palavra.
E se a pessoa está usando a prática criminosa para também tirar proveito econômico das vítimas? O "charlatão" ou "curandeiro" também comete estelionato, pois obtém, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
Entretanto, de modo a manter a ordem constitucional que prevê a inviolabilidade à liberdade de consciência e de crença e que assegura, como direito fundamental, o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto e a suas liturgias, são apenas nestes (extremos) casos que, com farto arcabouço probatório, o Ministério Público poderá intervir e resguardar o interesse público.
Continuemos.
Para a lei não há milagres, afinal, o que não pode ser observado e explicado racionalmente não interessa à lei; contudo, isso não quer dizer que religião e crença não sejam importantes para a lei.
E a tênue linha que separa liberdade religiosa e laicização, de um lado, e má-fé e crime, de outro, provoca atritos e sublime discussão.
E não sejamos injustos: desde sempre a religião têm margeado por este segundo plano, a adotar inúmeros meios indignos de coletar fiéis.
Antes, nos tempos medievais, a Igreja Católica vendia terreno no céu, queimava "bruxas" e usava de toda a maldita criatividade para embutir na cabeça das pessoas que fora dela, e da submissão a ela, não havia salvação.
Mas, hoje, com a evolução social da (pós-)modernidade, bem aliada a toda a tecnologia midiática à disposição, as ideias que flertam com o absurdo, com o intragável e com o crime são sorrateiramente atacadas.
Há índia em Santa Catarina, há médiuns em Minas Gerais e, claro, há padrecos e pastores por todos os centros e cantos deste país.
Basta, pois, correr pela rede para ver isso aqui, aqui ou aqui, e ter a (apriorística) certeza de que essas coisas não podem passar impunes por uma sociedade que se pretende justa e tutora da dignidade humana.
Bem, há dois artigos no Código Penal que indiretamente lidam com a exploração da fé das pessoas, catalogados no capítulo dos crimes contra a saúde pública.
O primeiro é o charlatanismo, uma espécie de mentira utilizando a crença do outro, na qual o criminoso inculca ou anuncia cura por meio secreto ou infalível.
É claro que simplesmente dizer que você pode curar alguém não é crime (se fosse, todos os médicos estariam presos); mas dizer ou propagandear que a cura é infalível ou que você possui um meio secreto de curar as pessoas é crime.
O que se exige, pois, é que o "charlatão" saiba que ele não será capaz de curar a pessoa, que seu método não seja eficaz ou, ainda que eficaz, não gere cura garantida.
O segundo, o curandeirismo, que é diagnosticar, receitar, entregar ao consumo ou aplicar qualquer substância ou usar gestos, palavras ou qualquer outro meio de cura para tratar a doença de alguém – aqui, o "curandeiro" efetivamente não sabe o que faz, diferente do "charlatão".
Ainda mais do que o primeiro, este segundo crime é muito complexo porque tangencia na liberdade religiosa.
A benção do padre, por exemplo, é uma forma de cura espiritual para os fiéis, como o uso das mãos é importante para os espíritas, as saudações e convenções para os muçulmanos, judeus, budistas, hindus... e até mesmo certos chás são sagrados para outros (v. aqui) – ou seja, usar gestos, palavras e meios diversos são veículos que quase todas as religiões ou seitas fazem.
Isso quer dizer que esses religiosos estão exercendo o curandeirismo? Não, na medida em que a Constituição protege os rituais de fé.
O limite – complicado, confesse-se – é quando esse ritual de fé passa a colocar a saúde (física, mental, social e financeira) das pessoas em perigo.
E o caso de quem pratica operações espirituais? Pode sim ser crime contra a saúde pública – tratar alguém com gestos, palavras ou, no que se encaixa, "qualquer outro meio” –, mas há quem discorde e entenda ser apenas lesão corporal, por admitir que as cirurgias mediúnicas não são similares a gesto ou palavra.
E se a pessoa está usando a prática criminosa para também tirar proveito econômico das vítimas? O "charlatão" ou "curandeiro" também comete estelionato, pois obtém, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
Entretanto, de modo a manter a ordem constitucional que prevê a inviolabilidade à liberdade de consciência e de crença e que assegura, como direito fundamental, o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto e a suas liturgias, são apenas nestes (extremos) casos que, com farto arcabouço probatório, o Ministério Público poderá intervir e resguardar o interesse público.
Fora isso, resta-nos a educação e a informação, pilares para o desenvolvimento intelectual, moral e, porque não, também espiritual da nossa sociedade.
Eis, pois, o caminho não metafísico da vida.