terça-feira, 21 de julho de 2015

# o umbigo e o suicídio moral na sociedade do espetáculo



Na Grécia antiga a sociedade baseava-se no ser e no ter conhecimento, razão pela qual os pensadores tinham a maior importância e o maior destaque nos meios políticos, sociais e laborais da época.

Depois, o mundo viveu séculos de obscurantismo com uma onipotente, onipresente e onisciente Igreja, nos quais ela e os monarcas concentravam tudo sob uma aura divinal, a ambos a sociedade subjugando-se.

Veio a Renascença e o Iluminismo, e com elas a "ética antropocêntrica" de Kant, tornando o cidadão o centro do universo e passando a questionar aqueles poderes divinais.

E hoje, exacerbada essa condição do "homem-centro-do-universo", vive-se num individualismo que exalta o umbigo e numa busca não do ser e sim do ter ou mesmo do parecer ser e ter, isso tudo motivado pelos meios de comunicação -- os intermediários e hienas do consumo -- e por grandes empresas -- o fim em si mesmas.

Isso tudo foi ideologizado por Guy Debord, na sua obra "A Sociedade do Espetáculo".

Nela, extirpam-se os diálogos e os grandes pensamentos em prol de uma representação figurativa, expositiva, teatral e materialista do cotidiano existente sem o "dialogar" e o "pensar", mas no consumir e no (se) mostrar.

Para Debord, o cidadão que produz e pertence à classe operária como proletário tende a se conformar com a situação, pois não há mudança para ele a não ser que veja de uma forma diferente, que estude e seja um pensante.

Porem, quanto mais o consumidor fica habituado à imagem, à mercadoria e ao consumo, menos ele compreende os seus desejos e, maiormente, as suas necessidades, a ficar ainda mais dependente a esse sistema.

Sob o aspecto marxista, esse sistema vive da “fabricação da alienação”, na qual tudo se vende e tudo se compra, como status, como (pseudo)riqueza e como poder.

É o consumidor de ilusões, que só será feliz -- e rico, e poderoso -- comprando, consumindo, gastando, tendo, parecendo, se mostrando.

É a grande mágica perversa do capitalismo, que nas sociedades desenvolvidas, como na Europa -- já se vão 500 anos... --, não se contempla nos mesmos moldes que no Brasil.

Entre esses dois mundos, há um abismo a separar o que prepondera na sociedade: lá, o ser, aqui, o ter.

Uma consequência séria, segundo Debord, é a total desinformação da sociedade.

Não a desinformação como negação da realidade, e sim um novo tipo de informação que contém uma certa parte de verdade, o qual será usado de forma manipulatória.
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E o mundo da desinformação é o espaço onde já não existe mais o tempo necessário para qualquer verificação dos fatos, para qualquer pensar e para qualquer refletir.

E essa ausência do ser, que deveria pensar, refletir e crer numa sociedade diferente daquela que acha existente sob o seu umbigo, assente no individualismo possessivo e na ignorância conveniente, é o caminho mais lógico para o autofim como "ser", para o involuntário "suicídio moral", pois fixa imutavelmente como pessoa apta a estar nesta sociedade do espetáculo, mas inapta para viver numa sociedade humana e cristã.

Os poetas costumam ser os que primeiro ousam compreender as coisas “demasiadamente humanas”, como disse Nietzsche.

Assim, Fernando Pessoa ("Poesias de Álvaro Campos"), além de compreender algumas coisas humanas, faz um importante alerta preventivo aos suicidas potenciais que ora estão representados nos homens que "têm", mas não "são":

"Se te queres matar, porque não te queres matar? / ... De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas a que chamamos o mundo? A cinematografia das horas representadas / Por actores de convenções e poses determinadas, / O circo polícromo do nosso dinamismo sem fim? / De que te serve o teu mundo interior que desconheces? / Talvez, matando-te, o conheças finalmente... / Talvez, acabando, comeces... / E de qualquer forma, se te cansa seres, / Ah, cansa-te nobremente / Ó sombra fútil chamada gente! / Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém... / Sem ti correrá tudo sem ti. / Talvez seja pior para outros existires que matares-te... / Talvez peses mais durando, que deixando de durar... / A mágoa dos outros? / ... Tens remorso adiantado / De que te chorem? / Descansa: pouco te chorarão... / ... Muito mais morto aqui que calculas, / Mesmo que estejas muito mais vivo além... / ... Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma? / És importante para ti, porque é a ti que te sentes. / És tudo para ti, porque para ti és o universo, / E o próprio universo e os outros Satélites da tua subjectividade objectiva. / És importante para ti porque só tu és importante para ti. / ... Se assim amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente / ... Dispersa-te, sistema físico-químico / De células nocturnamente conscientes / Pela nocturna consciência da inconsciência dos corpos, / Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências ...".