Aprendi desde cedo com meus pais: nunca diga "amém" para tudo.
Ou seja, o "não!", por tantas vezes, é o melhor caminho; por vezes, a única saída.
No âmbito do Estado, particularmente o brasileiro, a conversa é outra: não se enfrenta, não se discute, não se questiona e não se pensa a coisa e sobre as coisas.
Pelo contrário, a regra é dobrar-se aos interesses privados, às vontades mesquinhas, ao oportunismo de umbigo (e pequeno burguês) de quem ocupa o cargo público para defender esse, exclusivamente esse, interesse.
É evidente que na história há exceções e se conhece casos e pessoas que, no poder, de tudo fizeram ou tentaram fazer para quebrar a corrente e distribuir o ouro, construindo alternativas, transformando o presente e fulminando a vontade bandida e secular, com todos os seus custos e ônus, por meios em cujo fim estaria uma nova sociedade.
Entretanto, acaba-se encarando com naturalidade -- pois politicamente aceitável (ou correto) -- o ajoelhar-se diante da realidade, o comer no prato de quem explora e a submissão a toda e qualquer regra imposta goela abaixo pelos donos do capital.
Ao cabo, as migalhas para o "social", o tal açúcar que doura a pílula deste modelo político-econômico, como metaforiza Mangabeira Unger.
E eis que ressurgem os gregos.
E eis que os gregos, diante das décadas de desespero sob os chicotes e as algemas da mesma turma de sempre, elegem a saída para a esquerda, como num resgate inesperado de uma reflexão filosófica milenar.
Sim, à esquerda, volver!
E o Syriza, o mais jovem, audacioso e intelectualizado partido político nacional, vence as eleições presidenciais de 2014.
Como primeira medida, esta esquerda, eleita para mudar tudo para que tudo mude -- ao contrário da proposta lampedusiana ("mude-se tudo para tudo permanecer como está") --, resolve estancar a sangria do povo grego, devastado socialmente.
Resolve, pois, enfrentar o tridente do capiroto (FMI, Banco Europeu e Comissão Europeia), a lógica neoliberal e, de uma só vez, acabar com os desmandos desequilibrados de Bruxelas e desafogar-se do mar alemão que dia a dia afundava gregos e troianos para o abismo.
Mas o Syriza, eleito para trazer a luz à tragédia grega, vai além.
E, diante da indigna "proposta" dos credores da absurda dívida pública helênica -- dívida essa que foi criada por culpa de uma pseudo-esquerda, de uma pseudo-União Europeia, de um pseudo-sistema de bem-estar social e, mais do que tudo isso, por culpa de um gigante esquema corrupto-rentista que, em 5 anos, transformou 100 bilhões em mais de meio trilhão de euros --, este seu governo energiza a democracia (ah, os gregos...) para convocar um plebiscito: "povo, nós recém-eleitos não queremos, mas, e vocês, aceitam a proposta que nos fizeram?"
Ora, chega de uma austeridade e de um servilismo atrozes que apenas alimentam o grande capital.
Chega de especuladores e de privilégios que se sustentam às nossas custas e pela nossa dor e suor.
Chega de sangrarmos, assim escolheu grande parte do sofrido povo grego.
Este "NÃO" terá um custo, é claro.
Afinal, os donos do capital internacional e das rédeas europeias, em conluio com a plutocracia grega, não aceitarão tamanha rebeldia.
Mas será um custo superável, um custo temporário, um custo que em contrapartida resgata a estima e a dignidade de um povo usado e abusado por décadas e que dará o impulso para a reconstrução de uma nação.
E o resultado virá, alcançado por modelos alternativos de transformação institucional promovidos pelo transgressivo e progressista comando eleito grego.
Por aqui, enfim, urge ao PT mirar-se nas mulheres e nestes homens de Atenas.
Pois já é hora de entendermos, minha gente: na história, a obediência raramente compensa.