Raúl Zaffaroni, o grande jurista e Ministro da Suprema Corte argentina, desenvolveu no âmbito do direito penal a "teoria da vulnerabilidade", para ser aplicada pelos juízes no curso dos processos.
Nela, se reduziria (e se aumentaria) a culpabilidade – a "responsabilidade" – do sujeito criminoso que tivesse maiores (ou menores)
chances de sofrer punições.
Ou seja, pretende impor uma atenuante
inonimada para a pessoa que cometeu o crime porque desprovida de condições
sócio-educacionais favoráveis, destituído de proteção familiar e com orientação
cultural distorcida; ao contrário, impor-se-ia uma agravante para o
criminoso provido de berço esplêndido, constituído num tenro ninho
familiar e com razoável orientação multi-cultural.
De ordem aristotélica e jus-criminalista, a
"teoria da vulnerabilidade" é demasiadamente lógica: os sujeitos não
podem ser igualmente responsabilizados por idênticos atos, maiormente sob o ponto de vista
sócio-educacional.
E, por isso, a seleção das pessoas afetadas pelo
direito penal deve ser redirecionada, e a perseguição criminal deve passar
a perseguir aqueles que estão em condições de influenciar e
dirigir o poder, favorecendo os que não estão na mesma situação – é, pois, um silogismo às avessas da lógica vigente.
É de clareza solar, e de conhecimento do mundo
mineral, do que o nosso sistema penal é feito: darwiniano, só alcança as
espécies menos evoluídas, de modo a registrar a obviedade do fato de que a
tutela judicial recai sempre, e sempre, de forma desigual e injusta, contra
pessoas das rasas classes sócio-econômico-educacionais.
Nesta medida, é fácil compreender que há graus
múltiplos de vulnerabilidade das pessoas ao sistema, dependentes de uma série
de fatores individuais e sociais; em outras palavras, os dados da realidade – a vida! – definem
o âmbito de autodeterminação do sujeito no momento em que estava a cometer o
ato criminoso.
Assim, pela teoria, a vulnerabilidade opera-se
por uma associação entre o estado de vulnerabilidade e o esforço
pessoal pela vulnerabilidade, em cuja relação estaria o regramento
para a aferição da culpabilidade.
Portanto, o reconhecimento dos diversos níveis
de vulnerabilidade visa a estabelecer um direito penal menos desigual, pois é
capaz de dar contornos dogmáticos eficazes, porquanto mais justos, à redução de
falhas e desvios estruturais do sistema repressivo, fixando padrões de
aplicação da lei com a maior possibilidade de ética e isonomia.
E, se perceba, aqui nem está a se falar de grana
ou de condições econômicas do agente, ultrapassadas pela teoria da
co-culpabilidade, mas sim da situação psíquico-social do sujeito.
Didaticamente: perceba-se que o esforço pessoal de uma pessoa poderosa (com família e educação) para ser criminalizada é absurdamente maior se comparado ao esforço de um desprovido de recursos, logo, os desprovidos de poder (familiar e educacional) sempre estão mais suscetíveis a serem alcançados pelo poder punitivo.
É claro que a tese não ignora características
pessoais e de caráter do autor, mas as utiliza de forma contra-seletiva, a justificar uma menor incidência do poder
repressivo sobre os menos privilegiados, ou seja, sobre aqueles que são mais
visados pelo sistema.
Porém, ter desenvolvido os marcos teóricos desta
teoria não parece que foi o ponto mais complicado e complexo de todo o processo.