Enquanto isso, numa festa de casamento, entre idas e vindas ao bar, ao buffet e ao toilette...
09:12 pm. Primeiro interlocutor, segundo diálogo (ou, primeira conversa após os normais cumprimementos):
- Então, ganhando muito dinheiro?
Pensei em responder o que realmente penso sobre isso, sobre essa necessidade absurda da nossa sociedade em acumular para si, neste individualismo possessivo abjeto, na falta de cristianismo e de coletividade, na diuturna inquietação que tenho em ver poucos com tanto e tantos sem nada, no crime&pecado desse consumismo barato e desenfreado, nesta repugnância toda da peruagem, da luxuosidade e do exibicionismo etc. Porém, evito todo esse discurso – na certeza de que me acharia um grande babaca –, dou um sorriso dissimulado, um tapas às costas e saio. Vejo que ele me achou meio estranho...
10:57 pm. Segundo interlocutor, quarto diálogo (ou, três conversas depois...):
- Hein, mas daí, enchendo o c... de grana?
Olho o teto, conto até 3, um leve sorriso falaz, um leve tapa às costas e saí de novo, quieto. Ele foi outro que também não entendeu, meio que fechou a cara e olhou-me bem esquisito...
11:28 pm. Terceiro e Quarto interlocutores, após breves diálogos:
- Puta que pariu, é isso mesmo... – é o terceiro se dirigindo ao quarto –, trabalhar bastante, forrar o bolso e....
Interrompo-lhe, mostro-lhes meu copo de uísque vazio, dou um largo sorriso anojoso, sem tapas às costas e saio. Percebo uma reacionária indignação e quase me xingam pelo silêncio comprometedor. Sinto-me um et.
00:21 am. Quinto interlocutor, já no meio de uma vã conversa:
- Mas o negócio é esse: ganhar muita grana pra sossegar e curtir a vida!
- Claro! Eu quem diga! – e assim, enfim, decidi responder. E continuei:
- Sabe como é: advogado é assim mesmo, rola muita grana... por exemplo: no criminal a gente defende traficante, político picareta, gente corrupta e empresário desonesto, e pega uma grana preta para tudo isso, sempre em nome de algo nebuloso e conveniente chamado "ampla e justa defesa"... no tributário, você sabe, é um bando de empresa que não quer pagar e quer desviar imposto – já que, você deve concordar, o Estado é um ladrão que só quer tirar dinheiro da gente –, e isso a gente chama de "elisão fiscal" ou "planejamento fiscal", dando outra embolsada forte ... no trabalhista, pô, a gente tem que defender a empresa seja como for, até o fim, pra evitar que o trabalhador lazarento, que ingressa em juízo para tentar receber o que lhe é de direito, logre êxito, pois, sabe como é, a empresa paga quase tudo por fora, explora um monte e não paga, essas coisas.... no cível, como essa cambada de consumidores vive enchendo o saco das empresas que defendo, a gente consegue também ser muito bem remunerado, evitando que elas paguem essas tantas indenizações que seriam devidas àqueles que são lesados... enfim, é assim... não tenho do que reclamar... e já viu, por aí vai... e com o tempo a gente também consegue um tráfico intenso com o tribunal, com a magistratura, e então as coisas ficam mais "facilitadas", como dizem por aí... um tezão... Ah, e agora, como estou a exercer a advocacia pública, é melhor ainda – e dou uma piscadela sarcástica, para então concluir:
– Enfim, posso dizer que dá mesmo pra ganhar muita grana! Mas agora me dá licença que preciso ir ao banheiro.Vejo a cara maravilhada do sujeito.
Ele me puxa, quer ouvir mais. Parecia ter ouvido uma das bachianas. Dá-me repetidos parabéns. Os seus olhos brilham e é só sorrisos. Acha-me o máximo. Porém, não lhe dou bola e saio, pois a pressa para ir ao banheiro é grande.
Preciso vomitar.
Ele me puxa, quer ouvir mais. Parecia ter ouvido uma das bachianas. Dá-me repetidos parabéns. Os seus olhos brilham e é só sorrisos. Acha-me o máximo. Porém, não lhe dou bola e saio, pois a pressa para ir ao banheiro é grande.
Preciso vomitar.