Passada a comoção popular -- invariavelmente vulnerável aos arroubos midiáticos -- que adveio da tragédia ocorrida no Rio de Janeiro e que vez (re)pulular a tese dos conservadores idiotas, na esteira do que pretendia o canalha Carlos Lacerda (ex-governador e deputado da UDN, nos anos 50-60), a exigir a imediata remoção de todas as favelas e a expurgação de todos os favelados, preferencialmente para a Conchinchina, deve-se, agora, examinar com o devido desvelo essa situação.
Ora, é óbvio que a solução para o caso não é simples e imediata, sob pena de, senão pouco inteligente, ser de cunho insensato ou elitista.
Sim, é indefensável a ideia de remover toda uma comunidade, indiscriminadamente, sem considerar que aqueles que não estão em área de risco não só não precisam sair como vão se amontar em outros locais, talvez ainda mais insalubres e perigosos.
Claro que boa parte precisa ser realocada, pois, já não dispondo de condições de seguranças antes, tudo piorou com o dilúvio; porém, nada justifica a retirada anárquica de milhares de pessoas: primeiro, porque é inútil, à medida que o troco oferecido como indenização levá-las-ão para morar em outras favelas da região, as quais também estão em áreas de risco -- remove-se, pois, tão-somente o problema --, e, depois, porque não se trate de medida isonômica, igualitária e justa, e nem legal.
Pelas fotos divulgadas nos jornais e na internet, há no entorno dos morros várias mansões ameaçadas pelos deslizamentos de terra.
Mas, ali, a solução é imediata: obras de contenção, muros de arrimo e uma série de artimanhas mais custosas e complexas (e menos chatas...) do que, como tantos querem, simplesmente dar alguns mil réis para os pobres e enxotá-los dali, pois, claro, a Zona Sul não lhes pertencem.
Seria um quase exorcismo.
Portanto, assim como é inadmissível promover esse êxodo -- como se ainda fossem um povo de Israel às avessas --, faz-se evidente que não se pode consentir com o atual estado das coisas, que clama por uma imediata e progressiva intervenção estatal, nos moldes do que se faz com o PAC e as UPPs (v. aqui) e com o "Programa de Regularização Fundiária" -- premiado pela ONU, por meio da sua agência HABITAT, e pelo qual se dá a posse e a propriedade da terra aos moradores das favelas --, diante dos quais os assentados (e os reassentados) passarão a efetivamente viver.
Com base nestes instrumentos, por exemplo, conseguir-se-á urbanizar e civilizar os morros (e, claro, as cidades), cujas medidas, então sim, passariam a se revestir de "urbanidade" e "civilidade", bem distantes, portanto, daquela panaceia branca que se reconhece na remoção aleatória dos pobres favelados, como se todas as suas moradias fossem de risco ou inviáveis.
A regularização, a gentrification e a inclusão e integração político-social dessas áreas, com a firme e solidária intervenção estatal -- a levar água, luz, esgoto, dignidade e segurança (pública e jurídica) às famílias das favelas cariocas --, são, em suma, as humanas alternativas ao torpe remédio das remoções indiscriminadas.
Novidades? Não. À sua época, Leonel Brizola já expunha o problema e oferecia aquelas soluções, as quais, ainda bem, eram sim populistas e populares, e, por isso, mal vistas pela elite carioca, que preferia o tal remédio demagógico, conservador, racista e feudal.
Caso contrário, insistindo-se com esse discurso encampado pela grande mídia, veremos apenas fomentada e perpetuada (i) a escatofágica política de compra de votos na região -- na qual o sufrágio é alienado por efêmeros benefícios individuais --, (ii) a criminalidade e, em especial, (iii) esta nossa sociedade do apartheid sócio-territorial.