O que é a vida?
Abujamra se foi, e com ele se vai uma das poucas pessoas que estavam na televisão para refletir e fazer pensar.
Não falarei do que fez com Eurípedes, Shakeapeare e Brecht nos teatros do Brasil afora.
Mas, sim, do que realizava no seu excepcional programa "Provocações", que circulava pelas tv públicas brasileiras há quinze anos.
Sem espaço na grande mídia – motivo de orgulho – e sem paciência para redes sociais – outro orgulho –, este seu programa de entrevistas era, como o próprio intelectual se referia, longe de ser uma janela para o mundo, mas apenas “um periscópio sobre o oceano do social”.
Intrigante, angustiado, poético, cético e utópico ao mesmo tempo, o eterno Ravengar – infelizmente só assim foi apresentado ao grande público – era um dos melhores provocadores.
Filósofo de formação (e alma), não permitia frase-feitas em seu talk-show, não consentia com a ciranda falsa de quem quer holofotes e não se rendia ao bom-mocismo do politicamente correto.
Ao mesmo tempo, contudo, nunca expunha ou perquiria por simples agitação ou vaidade pessoal, do pior daqueles tipos que querem a polêmica por si, burra e rasa, ou que pensam ter o rei na barriga enquanto nem sequer ainda sabem quem eram si próprios.
Quem à sua frente sentava sabia que não se estava ali de brincadeira, e por isso a conversa fluía séria e trágica, cômica e lúdica, direta e verdadeira, sem purpurina ou máscaras.
No início, suas entrevistas se encerravam com a oportunidade aos entrevistados “enforcarem-se nas cordas da liberdade”, deixando-lhes dizer o que bem entendessem sobre qualquer coisa, fixando-se numa câmera alternativa.
Ultimamente, mudou.
E passou a encerrar o programa com uma pergunta bastante simples ao entrevistado: “O que é a vida?”.
A pessoa titubeava, às vezes pensava um pouco, mas respondia, meio com chavões, meio sem sentido, meio até certa de si.
E ele tornava a perguntar, pausadamente: “O que é... a vida?”
A pessoa, confusa, respondia mais ou menos, meio diferente de antes, meio em dúvida.
E ele, de novo, ainda mais pausado e ainda mais impactante: “O que... é... a... vida?”.
A pessoa, se sagaz fosse, percebia então onde ele finalmente queria chegar.
E praticamente se calava, recebendo do provocador um grande abraço.
Salve, Abujamra!