Hoje, nesta quinta-feira cinza, trágica e com as lágrimas da chuva, me pergunto: onde estarão os "amarelinhos"?
Onde estará toda aquela turma lobotomizada que vagava e babava apoiando e desejando este momento?
Onde estará a alegria daquela matilha com a consumação orgásmica do seu desejo?
Onde estará o indiscreto charme da burguesia limpa e bem-cheirosa que, finalmente, consegue o que visceralmente queria?
Cadê, cadê o êxtase da chusma que deu asas, alimentou e aninhou este golpe parlamentar?
Com o tempo, lá na frente, quando meus filhos me perguntarem sobre este momento histórico – "pai, de que lado você estava?" –, eu poderei dizer, cheio de orgulho neste peito, que estive ao lado da democracia, da justiça e do Estado de Direito.
Por outro lado, não lamento pelos outros – ah, tantos tão próximos a mim... – que serão personagens sombrios e funestos das páginas da nossa História, tais quais aqueles bichos que em 1964 deram as mãos aos militares e nos conduziram às trevas.
Não lamento porque, obviamente, sabiam muito bem o que se tramava no país, num enredo marcado pela arbitrariedade e pelo casuísmo (v. aqui).
Não lamento porque escolheram ser levados como camarão pela onda golpista, fazendo questão de não saber do que se tratava, embalados pelo onipresente discurso midiático e com a (burra) certeza de que este era o melhor caminho – a verdade e a vida –, regurgitando como catedráticos ventríloquos teses sem nexo que por aí ouviam na tentativa de legitimar o cadafalso para o qual empurram o Brasil (v. aqui).
Não lamento porque assim tiveram todas as oportunidade do mundo de conversar, ler e ouvir o que estava por trás deste processo de "impeachment" (v. aqui e aqui).
Não lamento porque lhes era possível olhar, com os olhos de ver e reparar, quem estava nesta trincheira, deste lado del rio, lutando pelo respeito à ordem constitucional: cientistas, intelectuais, artistas, os movimentos sociais, a comunidade internacional, as minorias marginalizadas e, em especial, o povo.
Povo esse que voltará a comer o pão que esses diabos golpistas hão de amassar.
Afinal, no lombo de quem vocês imaginam que irá arder as ações, as omissões e as comissões de um "governo" (des)encabeçado pelo PMDB que, sob aquela velha e carcomida direção, sacará direitos, flexibilizará garantias e imporá restrições civis e sociais ao bel-prazer da sua agenda conservadora não consagrada nas urnas?
Ora, quem pagará pelos tais ajustes, pelos arrochos fiscal e monetário, pelas revisões e releituras, pelos cortes inominados e infaustos?
Quem se não o trabalhador, o pobre, o preto e o periférico, os quais serão exemplarmente comprimidos ou descartados pela arquitetura neoliberal da tal "Ponte para o Futuro" que, sob o timão de Temer e Cunha, levará todos ao primeiro círculo do inferno?
Quem se não o trabalhador, o pobre, o preto e o periférico, os quais serão exemplarmente comprimidos ou descartados pela arquitetura neoliberal da tal "Ponte para o Futuro" que, sob o timão de Temer e Cunha, levará todos ao primeiro círculo do inferno?
Agora, a ditadura plutocrática – que, honra lhe seja, rege quase todos os lugares do mundo – não terá o enfrentamento nem mesmo das franjas de um Estado Social, nem mesmo de um desbotado vermelho de um governo eleito de centro-esquerda, para delírio do "mercado" e de seus agentes.
Enquanto isso, numa realidade paralela – mas que nem no infinito cruzam com a verdade –, os noticiários da grande mídia serão uma overdose de sorrisos, de afagos, de musas, de plumas e paetês.
A parva massa amarela ligará a tv ou abrirá seus jornais ou revistas e, voilà, um mundo cheio de arco-íris, pôneis-dourados e fadas-madrinhas revelará que tudo era culpa daquele bicho vermelho de treze cabeças, como lá naquele junho de 2013 se decantava (v. aqui).
E, não duvidem, esse bando terá a desfaçatez de ainda dizer: "Ah, viu só?"
Doce e estúpida ilusão, fruto da manipulação que sói acontecer com essa classe média alienada, centrada nos seus umbigos e na sua visão turva da sociedade, da vida e da história.
Mal sabe ela que as chances deste governo interino – porque ilegítimo, traidor, sabotador e formado por nanicos morais e pela mais sujas peças do tabuleiro político nacional (v. aqui) – lograr êxito são zero, por mais que cessem a greve do capital e o terrorismo midiático.
Mal sabe ela que esta tropa do golpe – porque sem voto, sem vergonha e sem escrúpulos – abafará e hermeticamente estancará toda a sorte de progresso, inclusive no que tange ao "combate à corrupção" (v. aqui), sempre em nome da medúsica ladainha da ordem (v. aqui).
Todavia, como o problema dessa gente nunca foi a política e as questões que verdadeiramente preocupam e interessam ao nosso país (v. aqui), isso é o que menos lhe importa.
Mal sabe ela que esta tropa do golpe – porque sem voto, sem vergonha e sem escrúpulos – abafará e hermeticamente estancará toda a sorte de progresso, inclusive no que tange ao "combate à corrupção" (v. aqui), sempre em nome da medúsica ladainha da ordem (v. aqui).
Todavia, como o problema dessa gente nunca foi a política e as questões que verdadeiramente preocupam e interessam ao nosso país (v. aqui), isso é o que menos lhe importa.
A única coisa que importava era arrancar a fórceps o Partido dos Trabalhadores do poder e, fundamentalmente, acabar com quaisquer vestígios de pautas e programas da esquerda da agenda institucional brasileira.
Eis que, sabe-se lá por quanto tempo, conseguiram.
E agora, acabou a nossa luta em prol da democracia, da justiça e do Estado de Direito?
Não, camaradas, ela está apenas começando.
Ed ecco verso noi venir per nave
un vecchio, bianco per antico pelo,
gridando: "Guai a voi, anime prave!
Non isperate mai veder lo cielo:
i’ vegno per menarvi a l’altra riva
ne le tenebre etterne, in caldo e ’n gelo.
gridando: "Guai a voi, anime prave!
Non isperate mai veder lo cielo:
i’ vegno per menarvi a l’altra riva
ne le tenebre etterne, in caldo e ’n gelo.
(Dante Alighieri,
"A Divina Comédia - Inferno", Canto III)