quarta-feira, 15 de outubro de 2008

# e assim caminha a humanidade (iii)


Enquanto isso, num agitado aniversário na quente noite desta terça-feira, de uma roda com vários interlocutores um deles dispara, bastante confiante:
 
- Não existe isso... assim é fácil ser de esquerda... carro, casa, tv, ternos... para mim é só hipocrisia... quero ver viver lá, na enxada e no lixo...
 
Poucos minutos depois, a conversa muda de lado, e um outro monta uma segunda tese, também muito confiante, mas talvez esquecido da primeira, esposada por seu par:
 
- Esses de esquerda são todos uns rancorosos... têm mesmo é inveja, cobiça... não vêem a hora de acumular, enriquecer, ter grana e luxo...
 
E eu, assim, no meu íntimo, acho graça deste "enorme" (?!) "dilema" (!?) que o conservadorismo das elites burguesa e política insiste em propalar como a grande verdade, mas que, na verdade, não passa de uma séria, equídea e contagiante estupidez – a "cegueira branca" de José Saramago.

Ou de uma crapulosa sacada para desfocar a essência real do debate, sempre a chegar num máximo denominador comum cuja única saída seria à direita, pois:

(i) se o rico é de esquerda, trata-se de um demagogo, um poço de hipocrisia, uma ilha mendaz cercada de boas (e falsas) intenções por todos os lados... afinal, "viver é ter"; e

(ii) se o pobre é de esquerda, ah... então não passa de um baita invejoso, um mísero coitado que sonha em babar e gozar nas vísceras do capitalismo... afinal "viver é consumir".

Por isso, e para evitar as imprescindíveis – mas ali certamente estéreis – discussões de ordem filosófica, sociológica, histórica, política, econômica ou cristã que o tema demanda, voltou-me a falar com meus botões, tão consternados quanto eu.