segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

# novas cruzadas


As “redes sociais” constituem uma da maiores tragédias sociais pós-modernas, e por aqui já falamos muito disso.

Contudo, como o buraco é sempre mais embaixo – e cada vez mais sem fundo –, será inevitável ver a sua presença maciçamente mais influente na política.

Nela, na política, o corpo a corpo e o discurso real de projetos e propostas – ainda que invariavelmente conservadores na dinâmica da sociedade brasileira – virtualizam-se em poucos caracteres, em memes e, principalmente em vídeos que fogem da realidade, da verdade e da lógica para abraçar pautas caras à direita brasileira (e mundial).

Abra o YouTube e busque algum tema qualquer das ciências humanas ou sociais (política, história, economia...): ali você verá às pencas uma sopa de bosta, pus e fel.

Não cabe, a essa gente, a dúvida de Eça de Queiroz: cheios de uma cínica má-fé, promovem falas propositadamente obtusas, a fim de ludibriar e arrebanhar seus “seguidores”. 

Nascidos do ventre de Olavo de Carvalho – uma espécie de Inri Cristo da nova direita brasileira, talvez com um pouco menos de seriedade –, o bando não se furta a torcer os fatos, a distorcer as ciências e a se contorcer para pregar as palavras do seu messias.

Aqui, não basta lhes enumerar adjetivos, como homens e mulheres bastante jovens, levianos, mal-intencionados, mentirosos e loucos por grana e fama fáceis; são, antes de tudo, organicamente organizados e não fazem as coisas funcionarem por mero acaso.

Sob a inspiração lunática do astrólogo e o financiamento oculto de lideranças mundiais que sopram estas novas ondas (especialmente dos EUA), atuam como se estivessem em novas cruzadas – e o inimigo agora nem é tão outro assim.

Estandartes da extrema-direita, em pauta está o estímulo ao reacionarismo abrigado num liberalismo de araque, e a crítica tresloucada à esquerda, qualquer que seja ela e qualquer que sejam os vieses: políticos, econômicos, morais, comportamentais, identitários etc.

A ter como pano de fundo o resgaste de valores inadmissíveis para o séc. XXI, esta geração de influenciadores reacionários funde com eficiente tática três campos fundamentais para chegar onde chegaram: o religioso, sob uma novilíngua cristã que amonta católicos, evangélicos, espíritas e simpatizantes; o político, arreganhando-se em uma agenda protofascista disfarçada de popular; e o socioeconômico, rezando para o capitalismo como um Deus ex machina e a liberdade como um fetiche.

Na forma, são violentos e irresponsáveis; no conteúdo, cheios de espantalhos, corvos, rifles, poções mágicas e uma verborragia que mistura Dercy Gonçalves, Assembleia de Deus e hipnose. Boa parte deles julga-se descobridores do fogo e da roda, intitulam-se professores ou “agentes da informação”, rogam-se os bandeirantes da verdade – e fazem a sua crescente audiência crer nisso.

Como? Ora, pelo caminho sempre mais óbvio: a explicação infantilizada do mundo, sempre de fácil deglutição pelo homem médio. A isso, junte-se a desinformação, a mentira (sob a roupa de “pós-verdade”), as técnicas narrativas jovens e descoladas e a adoção de um meio absolutamente radiativo – as redes sociais, numa internet que dissemina isso tudo numa velocidade e num volume assustadores.

Angustia ver que estão a convencer muita gente incauta, inocente, ignorante. Uma gente carente de um “olhar do mundo” ou propensa a enxergar o mundo sob estes olhares, pelos quais é dado um ar de naturalidade a questões que nada tem de naturais. E deixa que essa gente saia convicta e com "opiniões". Eis o drama.

Essa onda das pessoas "terem opinião" vira um tsunami social. Todos achando que devem falar sobre tudo porque acham que sabem tudo pelas pílulas de sabedoria que do YouTube recebem. O efeito Dunning-Kruger explica o fenômeno: tanta ignorância que sequer sabem o quanto não sabem...

Ora, na real, as pessoas não conseguem e nem devem saber sobre tudo. As pessoas podem ter opinião sobre brigadeiro, lasagna, inverno, Harry Potter, ter filhos, jogar com 3 zagueiros e bidê no banheiro. Nunca sobre as ciências. Nunca sobre os fatos. Antigamente se tinha vergonha de falar merda e ser burro em público. Isso acabou, as redes escondem isso tudo.

E o estrago que têm feito é de proporções atômicas, em especial nas ciências sociais, sempre sob ideias e ideologias de araque que perverte a realidade científica e factual. 

Ainda tenho certas dúvidas sobre a saída.

Talvez, neste processo todo, a melhor estratégia seja minar este terreno – uma terra de ninguém onde se junta Velho Oeste e Idade Média – para implodi-lo. Ignorar as redes sociais, fazer delas um “lugar proibido”, um antro a ser rejeitado por quem quisesse verdadeiramente aprender, difundindo-se assim a ideia de que ali residia um faz-de-conta imprestável, sob uma redentora mensagem de que “quer aprender, vá à escola!”.

Por outro caminho, aceita-se estes novos tempos. A partir disso, urge duas atitudes.

Primeiro, regular. Desenvolver mecanismos de regulação tanto das "big techs" – quem, no fundo, lucra com o negócio todo –, quanto das próprias cadeias da mídia corporativa, cujas concessões públicas de rádio e tv abrem outros horizontes midiáticos para a desinformação, tudo na mão de pequenos grupos (inclusive religiosos) ou famílias

Depois, criar os nossos espaços nas redes, ocupando este grande latifúndio. Criar canais, criar conteúdo próprios, sem os intermediadores e, muito menos, sem estar nos lugares de referência dessa gente. Para além das iniciativas pessoais, a universidade pública deveria estar nas redes. De verdade, modernamente, com professores e apoiadores capazes deste enfrentamento em defesa da ciência, seja com vídeos, desenhos, gráficos... Se algoritmos serão contra, que se crie plataformas para colocar a realidade no ar e na cabeça de milhões que nada terão a perder, a não ser os seus grilhões.

O que não deixa dúvidas, porém, é o perigo imediato e real do que esta gente está a construir.

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

# calvário (e o amanhã)



Um dia de humilhação, uma dia de suprema vergonha nacional.

Seremos, de novo, uma republiqueta de bananas, enxergada pelo mundo como um paraguayzão com vista para o mar.

Uma terra na qual se atropela o povo, e se passa por cima do interesse nacional, e se perverte a "ordem", e se destrói o "progresso", sempre em nome das mesmas vontades que há quinhentos anos por aqui reinam.

Desta ópera bufa, o resumo é muito, muito simples: sabidamente cansada de perder eleições, a elite brasileira conjura-se numa aliança nojenta para acabar com a democracia -- e, pelas frias mãos do PSDB, se preparar para em 2017 dar o golpe do golpe.

Repita-se: neste momento em que notórios canalhas se tornarão oficialmente golpistas, será trocado um governo por outro completamente oposto sem passar pelo voto da população.

Não há legitimidade, não há justiça, não há verdade, não há lógica.

O grupo que usurpa o Poder é o grupo do programa "Ponte para o Futuro", na realidade um túnel para o passado, com a fixação de sórdidos tetos para investimentos públicos, para programas sociais, para direitos trabalhistas, para saúde, para educação etc., de modo a retalhar todas as franjas de um mínimo (e tímido) Estado Social a duras penas erigido e que promoveu ações fundamentais para as classes populares (pobres e miseráveis) e as regiões periféricas (nortistas e nordestinos) do Brasil.

O grupo que golpeia é o grupo do "petróleo é deles", é o grupo que deseja ver o pré-sal em mãos estrangeiras, para ganhar muito a curto prazo e mais ainda a longo prazo, evitando que se concretizem as transformações que essa riqueza nos propiciariam.

Bem, daqui a não muito tempo a História fará um registro implacável deste nosso período e deste funesto 31 de agosto de 2016.

Poucos, porém, conseguem ou querem se dar conta disso.

Iludidos pelo presente que as lentes da mídia lhes grudam e pelos umbigos que os movem, a grande maioria não se vê no espelho do futuro.

Na verdade, ela nem mesmo enxerga um palmo à frente dos seus empinados narizes.

E por isso é incapaz de imaginar que, em mais ou menos tempo, estará numa sala de estar, com os filhos ou netos sentados ao sofá, e terá que explicar o que foi este atroz e lamentável momento do Brasil.

E o que ele fez, e o que ele falou, e o que ele escreveu sobre isso.

E quem apoiou, e quem defendeu, e por quem brigou.

E como se calou, e como se prostrou, e como se equilibrou no pútrido muro das lamentações que apenas ratificavam a ruptura da ordem democrática brasileira.

Nesta sala do futuro, cara a cara com a verdade da História, é claro que não confessará ao seus herdeiros o que (não) fez.

É claro que contará historinhas da carochinha tendo por pano de fundo a liquidez da ética, da moral e dos bons costumes.

Mentirá, embora nem o nariz empinado e nem o drama de uma consciência vulgar, guardados sob o botox da mediocridade, crescerão.

E fingirá, com a maior caradura do mundo, que não foi um daqueles que suportaram o golpe no Brasil, mas apenas um dos milhões que era "contra-tudo-isso-que-aí-está".

Ao contrário, passará a mão na cabeça do futuro e dirá, com safadeza ímpar: “Foi um tempo triste aquele, meu filho. É melhor esquecer...”.

E lhe dará as costas, certamente constrangido, seguindo com o rabo preso entre as suas pernas.

Assim como sempre deu as costas para o Brasil.

Afinal, esta turma das orlas e dos castelos acha-se vivendo em outro lugar.

E acredita que o Brasil que retroagirá até afundar no abismo sócio-econômico não é o Brasil deles.

Mas se enganam, ouso crer.

Desta vez, diferente de outrora, o povo deverá arrastar esta gente junto para as trevas e para o caos construídos por um governo ilegítimo, sujo e tão perecível quanto um pote de coalhada caseira.

E, com este fim, das nossas trincheiras não esmoreceremos contra otários, hipócritas e canalhas que participaram, direta ou indiretamente, desta farsa.

Encararemos um a um, dia a dia, passo a passo, canto a canto.

Pois se a democracia era um mero detalhe, a paz social também passa a ser.

Neste dia de luto, marchemos altivos na luta e na resistência popular.

E recomecemos a formar os nossos batalhões, para o sublime orgulho de em pouco tempo vingar este golpe.


terça-feira, 23 de agosto de 2016

# mal banal



A filósofa alemã (e judia) Hanna Arendt cunhou a célebre expressão "banalidade do mal" para explicar a sua tese do que houve no regime nazista, mais especificamente depois de acompanhar, em Nuremberg, ao vivo, o julgamento de Adolf Eichmann, um tenente-coronel do regime de Hitler e reconhecido como o executor-chefe do Terceiro Reich.

Eichmann foi responsabilizado pela logística de extermínio de milhões de pessoas, organizando a identificação e o transporte de pessoas para os distintos campos de concentração  era a chamada "solução final", na porta de entrada dos trens.

Ao se referir à "banalidade do mal", Arendt em momento algum busca rebaixar a sua gravidade, mas, pelo contrário, aumentá-la  e isso, à época, foi muito pouco compreendido, maiormente pelo furor dos tão recentes acontecimentos. 

Na verdade, é que o mais horrível do mal está no fato das autênticas perversões poderem se apresentar e ser vividas como atos corriqueiros, triviais, indiferentes e neutros do cotidiano.


Ora, se chego a acreditar que praticar tais atos é um direito (ou um dever) meu, é muito mais fácil cometê-lo, publicizá-lo e defendê-lo.

Assim, sob tal concepção, Eichmann não era um assassino monstruoso.

Ele era, simplesmente, um funcionário estatal comum encarregado de fazer pessoas entrarem nos trens para que chegassem a um determinado lugar, inadmitindo juízo de valor.

Sim, mera peça de uma engrenagem, circunstancialmente travestida de "gente", que deveria funcionar sob estrito aparo da convicção e da convenção populares vigentes no contrato social daquela Alemanha.

E uma peça de engrenagem não é moral e nem é imoral: é, simplesmente, uma "peça".

Logo, qual o paralelo que se quer propor?

É que a mesma lógica sucede com esta coisa chamada "mercado" que nesta sociedade produz, como fruto fiel da sua capital libertinagem, uma atroz "injustiça social", banalizando-se na sua essência.

A dinâmica invisível de uma estrutura abstrata que afeta a vida de bilhões de pessoas assenta-se em comportamentos cujos reflexos são encarados como meros fenômenos naturais  e a sua existência, pois, refuta qualquer ordem valorativa.

Não há monstruosidade na conformação deste regime do capital e não há perversidade na atuação dos seus agentes: neles somente se fazem "escolhas" e "investimentos”.

Como Eichmann, que organizava transportes e pessoas.

Ora, os responsáveis em ambas as situações não se movem por instintos malévolos, por regras de conduta malvadas e por ódio; há, apenas, a renúncia a ser homem e, pois, a "pensar".

Pensar não deve ser entendido, jocosamente, como uma abstração máxima da não-atividade.

Pensar revela-se como a capacidade para refletir e para saber as causas e as consequências dos próprios atos, ainda que resultem da mera obediência e cumprimento do dever, sem reduzi-los às dimensões individuais e sem abstraí-los das implicações globais, como inclusive aqui já foi narrado.

Pois é, neste anonimato do "mercado", pessoas tomam singelas decisões sócio-econômicas que abrem o caminho para dramas, tragédias e a falência financeira, pessoal e moral de outras bilhões.

Tal qual Eichmann e os agentes do mercado, mundo afora agentes políticos também trabalham com esta "lógica".

E se não levam centenas de milhares de seres humanos aos trens que levam às câmaras de gás, amontoam-nas pelas periferias sob a redoma de uma câmara de asfixia pessoal e social.

Estes agentes políticos são cruéis e malevolentes?


Não, talvez não.

Afinal, tal qual os agentes do mercado (e Eichmann), eles também creem que estão apenas a cumprir os seus deveres -- como assim crê, embora com sulfuroso odor de cinismo e dissimulação, esta nauseabunda turma que usurpa o governo federal.

E assim segue a toada, e assim se perpetua a banalização do mal, no caso, a banalização da injustiça social.


Diante da qual poucos se atrevem a pensar ("sapere aude!"), como lá atrás exigia a filósofa judia alemã, sob a lição de Kant.



quarta-feira, 10 de agosto de 2016

# de jó


Para nadar contra a maré é preciso mais do que conhecimento, coragem e honradez.

É preciso paciência.

Paciência e estratégia para suportar a hipocrisia, a canalhice, a desfaçatez e a estupidez do bando de amarelinhos que agora, golpe praticamente consumado, se não de modo enrustido comemoram, fingem se esconder sobre o muro da isenção anojosa que acalenta a gang de Cunha e Temer.

Bando que é  ou, manipulado, representa  aquilo que atrasa e amarra o Brasil no subdesenvolvimento e na vergonha de ostentar a maior desigualdade social do planeta.

E sob este roteiro tétrico, neste terror tipo B protagonizado por vampiros e múmias e coadjuvado por milhares de zumbis que "protestam" pelas orlas e redes sociais contra a "korrupissão", o Brasil afundará num buraco sem fim, numa quase eternidade em direção ao abismo, como se num desgraçado mergulho para o inferno, e por muitos anos, até que um dia, sabe-se lá quando, volte a ter um presidente.

Sim, tenho uma profunda convicção: se o golpe vingar, não haverá eleições em 2018!

Afinal, com ou sem as botas e quepes dos milicos, mas sempre com a toga de um Judiciário conivente e a caneta de um congresso safado, o Golpe continuará -- por meio de emenda constitucional que prorrogue mandatos ou que altere o sistema de governo ("com o Supremo, com tudo..."), ou como conveniente efeito do grande "caos" que se tornará o Brasil --, pois é única forma de se manter o desmonte do Estado brasileiro, haja vista os interesses econômicos e geopolíticos por trás dele e que não suportam o escrutínio popular.

Para este jogo macabro intitulado "impeachment", caberiam vários adjetivos, mas talvez nenhum soe melhor do que esse: safado.

Como safados são todos aqueles que não querem entender o que se passa no Brasil.

Como safados são todos aqueles que, mais ou menos em silêncio, aceitaram que se atropelasse e se arrancasse a cabeça do estado democrático de direito.

Como ainda mais safados são estes que, levados nos ombros da classe média reacionária e pelos esgotos de Brasília, usurpam do poder não lhes constituído e engolem a vontade popular maiormente resolvida, nas urnas, em outubro de 2014.

Não bastasse o óbvio ululante disso tudo -- esculhambação desenhada há anos, desde que advieram os episódios de junho de 2013 (v. aqui) --, o tanto de sol que a grande mídia não consegue tapar é mais do que suficiente para que todos, querendo, enxerguem os porquês disso tudo (v. aqui, aqui e aqui).

E enxerguem as suas consequências, que será o desmonte de um estado minimamente social construído principalmente nos últimos 13 anos e o vezo entreguista e colonial tanto combatido.

Com esta preliminar votação do "impeachment" no Senado, na madrugada desta terça-feira  lembrem-se, sempre, que Dilma é julgada por uma quadrilha de ladrões (v. aqui, o sentimento, meus caros, é o de quem é assaltado, de quem é estuprado, de quem perde no grito, de quem é derrotado por um arranjo fraudulento de picaretas-mor ao arrepio de tudo que é minimante justo.

E, mais, de quem passa a ter dúvidas se vale a pena continuar lutando e insistindo para que esse país aqui seja outro, seja realmente "de todos".

Ou se, ao contrário, neste nosso dia a dia somos simplesmente dom quixotes desta ópera bufa entocada na terra brasilis.

Bem, não sei.

Na verdade, porém, já se sabia que não seria fácil.

Afinal, iniciar um processo de transformação de toda uma sociedade (e de uma civilização, como recentemente disse Pepe Mujica, certamente avalizado pelo Papa Francisco) por meio de ideias e políticas  maiormente quando bastante tímidas, como as que por aqui se vislumbravam , é daquelas revoluções complexas, lentas, feitas tijolo a tijolo para uma construção sólida, lógica, mágica.

E isso, de novo, nos exige muita paciência.

Paciência e estratégia.

E que não pode admitir resignação, pacatez ou inação; ao contrário, depende de lutar pela soberania popular, depende da obediência aos direitos e garantias fundamentais e depende da ira santa que reage com intensidade contra uma situação de grave injustiça e arbitrariedade.

E talvez essa seja a essência da grande dose de estratégica paciência que daqui em diante devemos ter: disciplina, firmeza e perseverança para suportar nosso trabalho de reerguimento de um admirável Brasil novo, com democracia, liberdade e igualdade.

Mais até do que para suportar estes malditos golpistas e seus filhotes amestrados.

Até quando?

Impossível saber, pois a soberania popular está surrupiada e não tem prazo para ser retomada.

Não, ao menos, em 2018.

O golpe, minha gente, não ousará flertar com o tal sufrágio universal  ele virá para ficar.

Resta-nos saber como faremos a resistência democrática.


sábado, 6 de agosto de 2016

# vestindo por amor



A cada madrugada acordado, de tempo em tempo vou ao quarto para ver meus filhos dormindo.

No ninar deles, ouso imaginar os seus sonhos  e os meus também.

Mas não aqueles de dragão, reino encantado e cidades de algodão-doce repletos de personagens de quadrinhos.

Inquieta-me, pois, saber para qual time irão torcer.

Sim, talvez uma das maiores missões que todo homem tem na vida é ensinar o filho a torcer.

E, claro, a torcer pelo seu time.

Não que deva obter êxito neste encargo, mas que deve tentar, como consta na cartilha da boa pedagogia para pais do velho e rude esporte bretão.

Afinal, não há ideologia, religião ou sobremesa que importe mais que ver o seu fruto, a sua obra, a sua divina criação dividir a mesma paixão no futebol.

O trabalho, claro, é duro; no meu caso, morando longe do ninho, beira o mitológico.

Entretanto, assim vou seguindo na pessoal catequização deles, sentindo-me quase como um Padre Anchieta no desembarque pelas praias e selvas brasileiras, mas agora sozinho, sem o pelotão português  ou um furacão  na retaguarda...

Primeiro, provo-lhes diariamente que no princípio era o "vermelho" e o "preto", ao contrário do pregado pela Bíblia.

Ambos, juntos e verticalmente ligados, formam o vermelho-e-preto, a cor mais importante do planeta, que rege o mundo e que sustenta todo o cosmos – e lembro que o "verde", ao contrário do que pregam os ambientalistas, não é cor que se cheire.

Mas aqui neste Rio de Janeiro o perigo é grande, pois corro o risco dos meus filhos, confusos na identidade de tons, acabar num time nativo, maciçamente presente pelas ruas, casas, parques, praias e confins.

Bem, depois a complicada tarefa é começar a ensinar nosso hino e urros de guerra.

Embora esta segunda parte seja-lhes muito agradável – ora, toda criança que se preze gosta de berrar palavras de ordem e a esmo –, as lindas letras da camisa rubro-negra que só se veste por amor ainda saem difíceis, como quem diz sem saber muito bem o que diz.

Eles tentam, erram, desistem, tentam, erram, desistem, erram, e a cada insistência minha desiste mais do que tentam.

Começo eu a ficar meio chato, confesso.

Um terceiro momento desta saga pela torcida deles é fazê-los sentar ao meu lado e, diante da televisão, por longos minutos, ensiná-los a arte de se contorcer pelo time adorado.

Dura missão, e sei que terei trabalho para uma vida.

Mas, claro, não importa, pois o resultado poderá ser impagável.

Ora, imaginar estar ao lado de Benjamin e de Santiago e poder sentir o que há mais de trinta anos sinto quando estou com meu velho pai, na nossa Baixada ou no nosso caseiro camarote em Curitiba, valerá quantas vidas forem necessárias.

A preparação para os jogos, as idas ao estádio – inclusive do inimigo verde... , os papos preliminares, os debates com chicabons e amendoim de intervalo, as resenhas da volta, as notícias da semana, os cantos, os gols, os títulos, as rinhas, os revezes, as ressacas...

Enfim, a paixão conjunta pelo Atlético fez-me ter com meu pai esta boa parte da vida lado a lado, juntos, ligados num mesmo refrão e dividindo momentos que não teríamos se os nossos caminhos no futebol fossem diferentes.

Tivemos, na emoção de acompanhar e torcer pelo mesmo time, parte da forma da nossa relação.

E do amor que tanto nos une.



quinta-feira, 21 de julho de 2016

# marcha avante, terra à vista



Há ainda quem pense – talvez por pouco pensar – que o capitalismo é apenas um sistema econômico.

Não, não... vai muito além, é claro.

O filósofo alemão Walter Benjamin dizia ser quase uma seita religiosa, com seus dogmas e seus mantras, a agir de modo onisciente e divinal. 

Já Max Weber dizia ser uma construção com base em tudo, tudo, inclusive uma "ética" própria.

Depois, e em suma, Das Kapital, em toda a sua profunda complexidade e amplitude, não surgiu por acaso, por rancor ou por mera estilística.

Mas a questão não está no reticente linchamento e na vazia crítica ao sistema vigente, com resultados estéreis, insolúveis, de pouca imaginação e nula concretude.

É preciso pensar, portanto, no pós-capitalismo como algo sério, absolutamente necessário na sua factibilidade e razoável na sua realidade. 

É preciso pensar em uma construção ainda indefinida, ainda sem nome, ainda carente de desenvolvimento, mas assente em novas instituições e estruturas organizacionais, razão pela qual não se pretende retroceder às ideias que efetivamente não deram certo, como, fundamentalmente, algumas das (poucas) implementadas pelo modelo soviético, in memoriam.

É preciso pensar para não se poder admitir esta miserabilização política, econômica e social, a restar o esvaziamento institucional à mercê do regime vigente – o capitalismo –, como se a sua dinâmica, o seu processo e as suas propostas fossem intocáveis, indiscutíveis e, como ousou escrever um certo autor, estivessem assentes no fato de que esta ordem representa "o fim da história".

Na borda que protege este perverso núcleo do espírito capitalista, o Direito, por exemplo, arromba a retina com tantos dos seus mecanismos a serviço desta ordem: pacta sunt servanda, propriedade privada, tributação regressiva, criminalização do inimigo, teoria da empresa, enfim, inúmeros ranços político-sociais que não devem mais servir como incondicionais institutos deste nosso necessário novo sistema.

Mas como se esperar a mobilização política diante do próprio cenário político hoje desenhado? Como se prospectar mudança na imaginação social com o poder midiático tão avesso aos interesses nacionais?

Se a culpa pelas más notícias não é apenas do carteiro e se a culpa dos eleitos ultrapassa o déficit cívico-cultural dos representados, como incentivar à revisão de conceitos e a reconstrução de estruturas e instituições?

A verdade, entretanto, nem sempre baliza-se na ideia de, simples e inocentemente, ser "contra-tudo-isso-que-está-aí" – ou sim, a depender da demanda e do ponto de vista, e da vontade e dos reais interesses.

Que nossos orgasmos intelectuais, portanto, possam ajudar a responder isso.

E contribuir para uma nova página e para uma melhor roupagem da nossa democracia, sem maquiaduras e sem máscaras.



quinta-feira, 14 de julho de 2016

# "meritocracia"



Em pauta, a ideia da "meritocracia".

Brevemente, ela nasce como fundamento legal-racional da autoridade com Max Weber, ao analisar a transição das organizações tradicionais, cuja autoridade era baseada na tradição ou no carisma, para as modernas organizações burocráticas.

Mas não é sobre este prisma que se avançará.

Por isso, preliminarmente, uma premissa maior, sabida pelo mundo mineral: somente se pode discutir meritocracia a sério quando houver oportunidades iguais para todos -- e com ressalvas.

Afinal, antes dos "méritos" de cada um há valores (e há políticas) a serem construídas pela sociedade.

Fora disso, a meritocracia é mera retórica, tão séria e honesta no que toca ao mérito quanto um regime monárquico ou a hereditariedade econômica ou política.

Depois, ceteris paribus, qualquer sistema puramente sustentado na meritocracia vai se retroalimentando para produzir a "desigualdade", para criar círculos viciosos de uma racionalidade  formal,  para deformar a sociedade e para arranhar o desenvolvimento humano, desprezando a justiça social.

Ora, é natural que a trajetória de cada um -- e as suas histórias pessoais de ascensão social fruto da superação incondicional -- faça parte da construção do seu sistema de crenças e valores.

Todavia, enxergar o seu "caso" particular como a regra para a sociedade sem se atentar para o "ponto de partida" -- o tal do berço material e imaterial -- de cada um, é, no mínimo, um reducionismo inconsequente.

O problema é que grande parte da classe média brasileira tem neste fetiche da meritocracia -- novamente desmontado aqui -- a grande razão da sua característica conservadora ou reacionária.

Um grande exemplo disso é o comportamento classista dos médicos, em especial diante do ótimo programa "Mais Médicos", como aqui muito bem se analisou.

Longe de preocupações sanitárias e de pensar na saúde pública nos rincões do Brasil, o grande mote da investida atroz e felina dos médicos estava, simplesmente, na defesa da classe, na defesa do "mérito" de ser médico.

Afinal, pensam eles, passar no vestibular mais concorrido do Brasil, fazer o curso mais longo, um dos mais difíceis, mais exigentes e mais caros do país -- seja o ônus público ou privado --, é um feito cuja formação celebra o mérito; logo, não se poderia aceitar que qualquer um que não demonstre ter os mesmos "méritos" possa desfrutar das mesmas prerrogativas que os profissionais formados aqui, no caso, especialmente, os cubanos (em tempo: diante do desespero pela falta de médicos para tratar do vírus ebola na África, adivinhem qual o único país a colaborar efetivamente com a OMS e o "Médico Sem Fronteiras"? V. aqui).

Ora, eis o traço fenótipo que enigmatiza o reacionarismo da classe média nativa: a meritocracia está na base de sua ideologia conservadora.

Assim, também, grande parte da classe média é contra a política, pois em uma sociedade séria a racionalidade utilitária, a técnica cartesiana e a força motriz, e nunca a "política", são as únicas bases de todas as decisões públicas.


É contra um governante que não tenha saído de berço esplêndido e que não tenha tido a educação formal e tradicional, já que não há mérito em chegar no topo sem ter assim estudado.

É contra pagar tributos, uma vez que o dinheiro dela não pode ser apropriado por um Estado que o usa a serviço dele e dos outros.

É contra as bolsas-famílias, porque não há "mérito" (e nem estímulo) em ganhar dinheiro sem trabalhar, como aqui já descrevemos.

E é contra o sistema de cotas, na medida em que as condições étnica ou social não podem ser critérios de mérito.

Tudo, portanto, uma questão de "mérito", cujo ideia, geralmente, não subsiste e é absorvida na sua escassez ontológica quando nos referimos aos ricos -- nos quais há o "patrimonialismo hereditário" e, inclusive, a consecução de seus interesses por meio da latente captura do Estado, a quem finge contestar -- ou aos pobres -- nos quais qualquer potencial mérito individual, em máxima regra, sucumbe às suas secas condições de vida e ao vazio institucional, não lhe valendo a tese do mérito, sob pena de se enxergar, ainda mais, como um nada fracassado.

Todavia, condenar a classe média por pensar assim seria injusto, não obstante o justo seria eles compreenderam o "sentido da coisa".

Injusto porque a classe média brasileira motiva-se historicamente na sua percepção de que o Estado, senão um estorvo ou o bode na sala, nunca lhe foi "parceiro".


Ela, pois, se vê constituída exclusivamente sob os seus próprios méritos, e é na ideia de um ethos meritocrático que pensa deixar a herança aristocrática que nunca teve.

Mas, agora, é justo também cobrar-lhes o entendimento real disso tudo e a falácia do argumento, cristalizador do sujeito moral burguês tão bem descrito por Charles Taylor sob a ideia do "self pontual".

Ora, como o mérito sustenta-se em "valências" pessoais (dedicação, cultura, inteligência, habilidade...), ele serve apenas para apreciações meramente individuais, jamais para valorar a ordem social.

Assim, ele serve como princípio formativo individual, como juízo de conduta pessoal, jamais como diretriz ético-principiológica de uma sociedade, sob pena de enviesar-se pelas veredas do cruel e do intolerante.

E do reacionário.

Afinal, o vale-tudo da pérfida tese da meritocracia torna o ambiente social insustentável, pois permite atentar contra os valores sociais universais em proveito do acaso.

E o ocaso é da sociedade, ultradimensionando o êxito e estigmatizando o fracasso pessoais, como se tratasse de uma lógica do sistema a conjugação de ação e reação e como refazer o futuro dependesse da certeza de uma receita de bolo, atribuindo-se exclusivamente à pessoa e às suas valências as responsabilidades pelo seus destino.

Ora, infelizmente, a regra do destino numa sociedade tão desigual -- em termos de mobilidade social, inclusive -- e sob um Estado ainda tão ausente como o nosso está traçado nas estrelas.


E tal atroz perspectiva não pode ser miniaturizada pela seita cética da meritocracia, inclusive pelo fato de o nosso Estado ainda carecer de alternativas institucionais que modifiquem esta conjuntura social congênita.

Assim, nela institui-se a desigualdade com fundamento racional e legítimo, confirmando o arquétipo perverso que dá a ela uma falsa aparência de naturalidade.


Porém, pela sua lógica, a meritocracia calibra-se naquilo que tem "desempenho", independentemente de valores ou fins -- tem, pois, fim em si mesma.

Enfim, crer na meritocracia como "eureka social" esvazia o espaço público, murcha a arquitetura social das ordens coletivas e, principalmente, rejeita a atividade política e ignora a atuação do Estado, como aqui se professora.

Imaginar uma sociedade guiada tão-somente pela técnica, pelo desempenho e pela racionalidade do pretenso "merecimento", portanto, desmonta e frustra qualquer edificação de uma ordem democrática, plural e justa.

Uma pena é a classe média não querer atentar para isso.


  

quinta-feira, 30 de junho de 2016

# nascentes e poentes


A distância provoca-nos sempre a refletir.

E se é comum lamentarmos que não estamos vendo as nossas crianças crescerem, máximo lamento acomete também para quando não estamos vendo os nossos pais envelhecerem.

Pode ser profundo isso, pode ser uma filosofia de araque ou pode ser apenas reflexo da incompatibilidade da relação espaço-tempo a que me submeto.

Como a física proíbe a presença real de corpos materialmente distantes, não notamos que o tempo para as nossas crianças e para os nossos pais incumbe-se de transformá-los em novos corpos, crescidos e recolhidos, agigantados e enrugados, numa dinâmica natural que desobedece a ordem que tanto gostaríamos.

E por não querermos ver este tempo passar, inconscientemente nos escondemos dos seus marcadores, dos seus símbolos, dos seus sinais.

Porém, à surdina, eles fazem questão de chegar, como se quisessem nos fazer ouvir o uivo pungente dos seus incansáveis passos.

E, de repente, a vasculhar por um armário à procura de um livro esquecido, vejo-me na mão com uma ampulheta e brinco de ver o tempo.

Cuco, de pulso, de parede, da torre, da igreja, em todos esses você pode até conseguir despistar o avanço a galope dos segundos e esquecer.

Entretanto, do escorrimento arenal da ampulheta não se escapa, cuja marca da passagem do tempo é de clara e destemida tirania.

Ali, sem filtros, é a vida que corre, que escorre, implacável e intransigente como uma onda sísmica do mar.

Por isso, ao olhar para as fotos expostas sobre a bancada do escritório, hei de confessar: para não ver este tempo correr, recolheria toda a areia do mundo.

Com ela, montaria um nababesco e indefectível castelo onde viveríamos para sempre – e onde seríamos as múmias mais felizes da Terra.

Porém, se com as nossas crianças o curso é promitente, repleto de expectativas, com múltiplos sabores e num retilíneo movimento para o alto e para avante, com nossos pais é tudo mais cru e mais cruel, pois a progressão geométrica da velocidade da parábola em queda livre é cruciante.

Pois é, as nossas crianças vêm, os nossos pais vão... é o vir e o ir, desoladamente inconjugáveis, como aqui e aqui esboçamos.

E me pergunto: afinal, quantas vidas serão precisas para viver tudo o que necessitamos viver com algumas pessoas que tanto amamos, antes delas crescerem e antes delas se despedirem?

Não sei, mas posto que me fio na ideia de uma só, estilhaço-me na realidade.

E ela escancara o quão rápido tudo está a passar.



quarta-feira, 22 de junho de 2016

# toucinho



Cadê o lucro todo que estava ali? O gato comeu.

Cadê o gato? Foi pro mato das Bahamas.

Cadê o mato? Os advogados queimaram.

Cadê os advogados? No uísque on the rocks afundaram.

Cadê a uísque? Os laranjas beberam.

Cadê os laranjas? Foram pra cadeia.

Cadê a cadeia? Tá cheia de preto e pobre.

Cadê os pretos e pobres? Os ricos vêm chupando.

Cadê o ricos? Foram à busca de outro trambique.

Por onde é o caminho do trambique?

É por aqui... por aqui... por aqui...

[cócegas]

É, pois, a velha e velhaca lógica deste sistema: privatiza-se o lucro nas franjas do Estado,
socializa-se a quebra nas barbas da sociedade.

Neoliberalismo na veia, à moda da casa.

E o pulso, ainda pulsa.