Em Curitiba, o transporte coletivo se tornou um problemaço: afamado o melhor do Brasil, hoje dá dó.
Mentira, engodo publicitário de décadas, fruto de uma dinheirama desenfreada em propaganda Brasil afora que faz o mundo pensar que a nossa cidade é um oásis tropicaliente, ou um reino encantado de araucárias.
Agora, diante dos últimos acontecimentos, o assunto “ônibus” voltou à minha pauta (v. aqui) e às manchetes.
Porém, o assunto veio pela metade, pois dá ares de não querer discutir o verdadeiro problema, ou seja, como chegamos a este estado de coisas e as razões pelas quais em todas as cidades do país – inclusive, claro, Curitiba – o transporte público é tão abjeto e caro.
O baronato de pseudo-empresários do transporte urbano, fruto de arranjos mafiosos em cujo ramo exclusivas famílias reinam há décadas (v. aqui), aproveita-se da incompetência ou da improbidade de gestores públicos para com isso fazer fortuna fácil e duradoura e ser destaque em colunas sociais, countries clubs e chás beneficentes país afora.
Ora, o negócio não é tão complexo, e nele vê-se duas equações possíveis: (1) soma-se um bando de picaretas com lucro fácil a uma administração pública historicamente sufocada e subserviente, ou (2) soma-se duas pontas corruptas (empresários e prefeitura), e em ambos os casos o resultado é um negócio fadado ao insucesso, pois economicamente impossível ou politicamente sujo, respectivamente.
E das licitações de faz-de-conta que a todo tempo acontecem, temos o seguinte, para cada um dos casos, ou seja, para uma situação de Prefeitura-refém ou para aquela de Prefeitura-cúmplice.
No caso (1), a Prefeitura não consegue, sem o risco de provocar o caos do sistema, mudá-lo, afinal, quem conseguirá competir com empresas que há milênios prestam (sic) estes serviços à população, com sua frota, sua logística e seus funcionários já a postos e contratados?
No caso (2), a Prefeitura não quer, sem o risco de perder a eleição vindoura, mudá-lo, afinal quem conseguirá se eleger sem o apoio logístico-financeiro daquelas empresas?
Sabemos que o caso do transporte público, pelas circunstâncias e dinâmica do negócio, seja um exemplo de “monopólio natural”, de inviável concorrência; logo, a solução para ambos os casos não está aqui, para frustração da turma liberal.
Sem querer partir para resoluções por demais stalinistas – como, por exemplo, o fim das concessões e a assunção direta dos serviços pelas Prefeituras, ainda que o texto constitucional admita (art. 30, V, CRFB) –, para ambas as situações há jeito menos traumático.
Para o caso (1), um passo óbvio seria abrir todas as planilhas de custos, detalhadamente – qual o lucro!? qual o investimento?! quais os custos e subsídios?!– e mostrar o quão toscas, vazias e pró-empresas elas são formadas. Depois, mostrando-se o disparate – e se confirmando que nesta relação cada parte (Prefeitura e população de um lado, e empresários de outro) entrou com uma parte diferente da anatomia do corpo humano –, revoga-se a concessão, obriga as empresas a continuarem prestando os serviços por tempo determinado e já prepara estudos para convocar nova licitação – sem, antes, declarar inidôneas ou suspender de qualquer concorrência pública vindoura cada uma daquelas empresas que por décadas sangram os cofres públicos e os esfíncteres da população. Podem ter certeza que argumentos jurídicos haverão, só bastaria aqui também combinar com os russos, ou seja, esperar que o Judiciário, que nestas matérias costuma exalar conservadorismo – vide o que ocorreu nos caso dos pedágios no Paraná – dê um passo à frente e renove-se no tocante aos contratos administrativos e ao interesse público.
Para o caso (2), só uma Reforma Política salva, especificamente no que tange ao financiamento público de campanhas. Por quê? Porque reduziríamos muito o “toma lá, dá cá” que a cada eleição sustenta as campanhas dos nossos políticos, fundada nas doações espúrias e travestidas em "n" caixas de arrecadação. Ora, com este método, a cada pleito eleitoral, seja lá quem for o vencedor – sim, os barões do transporte público bancam todos os candidatos com potencial êxito, não importa se à direita, à esquerda, se arriba, abajo, al centro, adentro... –, esta nobre classe tem a certeza de que os contratos e as “suas” linhas de ônibus serão mantidas incólumes, intocáveis, como feudos ou alguma capitania hereditária.
Mas, antes disso, o primeiro e fácil passo é parar com a hipocrisia beata que tenta (e consegue) esconder o diabo, para assim retirar das faixas laterais dos ônibus que rodam pelas ruas os gigantescos dizeres “Cidade de Curitiba” e dar o mesmo e claro espaço também para o prestador, sem nomes fantasia.
Ora, é notório que se trata de um “serviço público” – e que, salvo por alguma viagem alucinógena, se você está em Curitiba/PR o serviço de transporte público municipal não será da de Quixeramobim/CE... – e que até exista uma padronização nacional para identificar isso.
Mas vamos dar nome aos bois e deixar claro de quem (também) são os péssimos e caros serviços, vamos deixar claro quem é, ainda que sob o regime de concessão, o dono daqueles péssimos e caros serviços, vamos mostrar para todo mundo, vamos mostrar à Oropa, França & Bahia a cara de quem cara e pessimamente carrega milhares de curitibanos todos os dias. Vamos, enfim, desnudá-los e trazê-los para o sol.
Mas vamos dar nome aos bois e deixar claro de quem (também) são os péssimos e caros serviços, vamos deixar claro quem é, ainda que sob o regime de concessão, o dono daqueles péssimos e caros serviços, vamos mostrar para todo mundo, vamos mostrar à Oropa, França & Bahia a cara de quem cara e pessimamente carrega milhares de curitibanos todos os dias. Vamos, enfim, desnudá-los e trazê-los para o sol.
Afinal, nem tudo é só da cidade de Curitiba – embora "Redentor", "Cidade Sorriso", "Glória" e "Marechal" sejam sim tudo de uma só família, com sobrenome Gulin.
Definitivamente, levando a fama que for – a verdadeira ou a maquiada –, não podemos aceitar que a Cidade e a Prefeitura tenham o exclusivo ônus da imagem do sistema e unilateralmente recebam pedras e cartazes em manifestos deste tipo, enquanto os senhores de engenho viário, por suas vezes, desbundam-se com o lucro fácil e têm preservadas as suas bundas para só exporem, fagueiros e faceiros, as suas Caras.
Pois é, resta esperar para ver algum filhote desses barões com a cara-pintada e uma bandeira cheia de dizeres republicanos na frente do Homem Nu, para o bem da gente da nossa Cidade.