É claro que a Espanha não é o Barcelona, e não só por não ter o gênio Messi ao lado.
E isto fica ainda mais claro quando os jogadores espanhóis que não são do escrete catalão pegam na bola, quando então a Espanha parece mostrar ser difícil lidar com o conflito interno entre a turma da terra de Gaudí e o resto, ainda não tão adepto e adaptado com o jeito de ser daquele futebol de dois-toques, de por na roda e de mandar no jogo, dando a impressão de que, a qualquer momento, desdourará o convívio fraterno entre cains e abéis.
Mas não é só isso.
O corte epistemológico deste futebol barcelonista, ocorrido com o banho alemão da semifinal na Champions League deste ano, serviu para o resto do mundo entender como (tentar) jogar contra aquele estilo, absolutamente espetacular e que há tanto tempo admiro (v. aqui e aqui).
Como fez o Bayern, a Itália abriu mão de reduzir a posse de bola dos espanhóis, mas a tornou estéril, dispondo-se muito bem estruturada no seu clássico catenaccio – sim, a Itália jamais deve abrir mão de jogar no seu jeito historicamente vitorioso –, com um meio-campo coeso e entupido de azul, responsável por manter os ibéricos mofando num tiki-taka da sua intermediária para trás.
Embora não tenha uma composição ofensiva nem parecida com o do Bayern, a Itália ainda inovou no seu sistema de jogo para, com razoável frequência, avançar muito os seus laterais – que em regra não ousam largar a linha de cinco defensiva, surpreendendo assim o lado esquerdo espanhol, que ataca muito com Jordi Alba e em cuja vazia retaguarda Pirlo e De Rossi viam largos espaços para lançamentos –, e investir com insistentes diagonais nas costas do próprio miolo defensivo espanhol, caracterizado por uma desencontrada e rivalizada dupla de zagueiros (mezzo Barça, mezzo Real) e pela proteção espartana de Busquets (ainda que seja o maior volante do planeta).
Não acredito e não desejo o fim desta forma de jogo do Barcelona, em termos copiada pela Espanha e que encanta parte do mundo.
Mas, de novo ontem, vimos que o antídoto para este estilo – que expressa literalmente o futebol associado e coletivo, que tem a bola como sua e que parece querer e poder ganhar a hora que bem entender – não é dos mais difíceis de serem colocados em prática.
Não se trata de uma solução mágica, tão-pouco covarde ou desleal, mas uma linha de 3 ou 4 zagueiros e um meio-campo compacto, com 5 jogadores marcando entre as duas intermediárias, parece ser a forma de tornar inútil o toque e a posse de bola espanhola, que assim passa a jogar como se criasse o paradoxo da “retranca ofensiva”, com milhões de inglórios passes laterais lá atrás, no seu campo, sem perigo e sem destino, tamanha a dificuldade de achar espaços e, em especial, tamanha a intransigência de querer se aventurar à frente e arriscar perder o domínio do jogo.
Porém, não é fazer como fez, de modo ridículo, o Chelsea, naquela semifinal europeia de 2012, com 10 jogadores trancados e retrancados, dando chutão a toda hora e explorando de vez em quando uma tímida corrida em contra-ataque. Tudo bem, deu certo, mas e aí? Seria esta uma forma minimante louvável e consistente de tratar o rude esporte bretão e enfrentar o problema? E a honra? E a dignidade?
Ora, Bayern e Itália mostraram que podem controlar o ímpeto soberano dos espanhóis e, com a bola, jogar futebol e fazer o jogo fluir, em especial abusando das brechas nas costas dos laterais e do bloco defensivo espanhol, que, por avançarem muito ou marcarem bem à frente, jogam bastante adiantados.
E domingo, o Brasil poderá fazer isso?
Pelos laterais e avançados que tem, sim.
Só faltaria trazer para o jogo algum dos nossos camisas 8 de outrora, aqueles grandes meio-armadores que produzíamos aos montes e que, pensando o jogo à frente dos zagueiros e do volante, ditavam e controlavam o ritmo do jogo, passando e lançando como, quando e onde bem queriam – tal qual Pirlo, Xavi e Schweinsteiger fazem hoje, para encher os nossos olhos de inveja.