Diante dos tantos emails recebidos, a questionar e a confundir algumas das nossas posições sobre os últimos acontecimentos e a nossa bula (v. aqui), vamos por partes, à la Jack, the Ripper.
1) Léguas de mim a idéia de que sou contra o povo nas ruas. Sou, na verdade, extremamente favorável à efetiva e direta participação popular no debate dos problemas concretos do país. E não à toa, quem caminha à margem esquerda do rio é quem, historicamente, mais costuma se mobilizar e se mostrar presente em movimentos deste tipo – embora, claro, não detenha o monopólio do grito cívico e social. Portanto, quero sim falar, discutir e resolver o problema A, a questão B, a emenda C, a lei D, o gasto F, o investimento G, os recursos H...
2) Porém, sou contra a ida às ruas sem uma proposta definida, sem um tom certo de posição e sem reivindicações objetivas e concretas. O oba-oba de que tudo está ruim, a inocência de clamar “paz”, ou “chega da corrupção”, ou “político só rouba”, ou "o gigante acordou", ou "ame-o ou deixe-o", a meiguice de levantar vozes e cartazes por temas lúdicos e metafísicos, a inutilidade de se propor idéias abstratas e difusas sobre saúde, segurança e educação, o narcizismo espetacular de querer aparecer na tv e em redes sociais, de entrar na onda da galera e de fazer parte do clima da moda pseudodemocrática, e a infantilismo de se dizer apartidário, apolítico ou outro não-conceito escoteiro qualquer, são atitudes, para mim, no mínimo tolas.
3) Além de tolas, são vazias de sentido. E como não há vácuo em política, mostram-se muito suscetíveis de serem adotadas pelo outro lado da força, com orientação e fim absolutamente diferentes de qualquer sentido social e democrático.
4) O Brasil está mudando, está se transformando. Se desprovidos do ranço egocêntrico, preconceitual ou oposicionista, os avanços são mundo afora visíveis. E por isso não quero um retrocesso sócio-econômico. E por isso não quer retroceder politicamente. E por isso não admito que corramos o risco de voltar às trevas neoliberais e de rever a turma da casa-grande nos domínios da nação.
5) A quem interessava – como a própria grande mídia, percebeu e se empolgou – ver milhões nas ruas reivindicando coisas difusas e poéticas, combatendo o Estado e tudo o que o cerca, se manifestando contra a política e os políticos em geral e dizendo que o povo não quer e não precisa de partido, de movimentos sociais e de organizações civis?
6) Ora, por mais que uma ou outra pequena coisa fique limitada nas políticas municipal e estadual (passagens de ônibus, por exemplo), é lógico que o grande alvo e a maior exposição em tudo está no âmbito federal, ou seja, é no colo do Governo Federal que tudo desemboca. Logo, quem poderia sair mais prejudicada nisso tudo?
7) E não foi por outra razão que Globo & Cia – sempre a serviço dos “donos do poder” (Raymundo Faoro), é claro – perceberam que ali tinham outra grande chance de desestabilizar e detonar Dilma e seu Governo, mostrando, quase 24 horas no ar, que todo o povo estava achando tudo uma merda, que todo o povo estava achando tudo deste Governo uma bosta, que todo o povo estava cansando de ser fudido e roubado por esta gente da Dilma e do PT. Afinal, é nesta toada que a Globo & Cia sacodem-se, esculachando a Política e os políticos para assim desqualificarem o povo e a soberania popular – assim como as nossas elites, que não suportam ver pobre votar –, únicos legítimos nas verdadeiras democracias.
8) E, com tal propósito, dá-lhe pressão nas ruas. E dá-lhe reprimir bandeiras vermelhas, camisetas vermelhas, boinas vermelhas, ceroulas vermelhas, culottes vermelhas, peles-vermelhas, e até o sangue vermelho. E dá-lhe mostrar para ao mundo que não temos partido, que não temos lado e que não temos interesse político nenhum. Bobagem, meus caros.
9) Bobagem que só não se tornou um golpe 2.0 – sim, promovido por aqueles que sabem não ser mais possível o uso de milicos, mas que bem sabem haver formas modernas de tomar o poder à revelia do povo – por duas razões fundamentais (afora, claro, a decisão das prefeituras de anularem o aumento dos preços do transporte público, ponto nascente das passeatas).
10) Primeiro, pela crescente turma marginal e delinquente que apareceu, o que fez espantar a grande maioria dos jovens piás de prédio pintados de arara-azul e que até então "curtiam" on-line a micareta cívica, e, ato contínuo, fez frustrar a própria empolgação da grande mídia, a qual não mais podia esconder o quebra-quebra generalizado e continuar convocando, candidamente, o povo para as ruas.
11) Depois, graças ao estratégico e cirúrgico pronunciamento da Presidenta da República, comportando-se como verdadeira Chefe de Estado e dizendo a toda a população: “Vocês são queridos, viva o Brasil... mas, deixa comigo que eu mando e resolvo isso aqui!” (v. aqui). O que fez a grande maioria se acalmar, voltar para casa e para a rotina, afinal, não à toa quase 80% da população acredita nela e no seu governo, com um conceito que, segundo todas as pesquisas que aparecem, varia do "ótimo" ao "regular", razão pela qual viram-se, por ora, satisfeitos com o que ouviram.
12) Portanto, não fui e jamais irei pra rua à toa. Minha cabeça não é de aluguel, não me deslumbro com as vitrines virtuais das redes sociais e não sou sadomasoquista político ou engraxate da opinião publicada.
13) Afinal, como tanta e tanta gente, também quero mais mudanças e não tolero maus-feitos com a causa e o dinheiro públicos. E é justamente por isso que estou com Dilma e não com aquele povo biruta das ruas.