Urbi et orbi, acompanhamos as insistentes manifestações anti-Copa do Mundo.
E confesso não entender se tudo isso é mera faísca atrasada da população, se é uma frustração reprimida qualquer ou se é mesmo a descoberta tardia de que, ingenuamente, acreditou em duendes, chapeleiros malucos e fadas madrinhas.
Mesmo sabendo que tudo funcionará e que o evento se sairá bem, considero a ideia da Copa a pior herança do histórico Governo Lula.
Mas, lá atrás, a maioria – seja da situação, da oposição ou do morno muro –, fascinava-se com a coisa. Ora, e por que só agora há uma generalizada revolta contra o negócio? Não era óbvia a furada? Não era um certo e deslumbrado despropósito?
Vejamos: uma pessoa que deve dinheiro e que não tem estrutura e nem recursos para manter-se nas condições essenciais e básicas de vida ou para pagar os seus credores, teria o direito de fazer uma grandiosa festa de final de ano, ainda que prometesse dela retirar fundos para cumprir com suas obrigações principais? E, no nosso caso, um país que deve (e não tem) estrutura e nem dinheiro para investir, por completo, em políticas públicas fundamentais – segurança, educação, moradia e saúde –, teria o direito de realizar o grandes (e ostentosos, e pomposos, e perfumados) eventos esportivos deste tipo?
Ora, por que à época todo o povo e toda a gente, por todos os cantos e bocas, babava de tezão pela Copa no Brasil? Por qual razão, em todas as rodas, redes e rastapés, era uníssona a voz que achava o máximo a realização dos Jogos? E por que, de repente, não mais que de repente, todos veem que a coisa não é de provocar delírios e gozos múltiplos?
Passado o prazo, e com a ópera bufa já em cartaz, agora estamos a pagar o pato por aquela patriótica apatia.
Por isso, já neste ano da graça de 2013 – às portas do maior evento esportivo do planeta –, repetimos, na íntegra, o que aqui escrevemos, ainda em 2009...
# conto da carochinha
Insistiram para que eu entrasse no concurso de contos promovido pelo Governo estadual. Porém, preferi contar este mais outro conto da carochinha nacional. Não é inédito, não é cômico, mas sim trágico e repetitivo: o anúncio das cidades que sediarão os jogos da Copa do Mundo de 2014 e o grande erro que se está a cometer na aplicação do dinheiro público.
Quem é a favor dos jogos? O povo, que, perdoa-o, nestes assuntos não sabe o que fala.
Quem mais? A elite nativa, que, sem mais perdão, quer arrombar e sangrar os cofres públicos, como de praxe.
A quem interessa os jogos? Aos políticos de plantão, que querem com tal anúncio e com a preparação não queimar o filme perante o povo e ter paz no espaço midiático – no Paraná, foi o que o Governador Requião foi obrigado a fazer: sempre disse ser contra a Copa no Brasil, mas teve que se render, com receio de que meio-mundo culpasse-o por Curitiba ficar de fora.
A quem mais? Ainda àquela mesma elite, que fará (ainda mais) fortuna às custas do erário, pois, é notório, nos últimos 360 dias para a Copa o orçamento inicial multiplicar-se-á por 5 e haverá uma avalanche de contratos emergenciais, prorrogados ou com licitação dispensada, justificados pela “urgência” e contratados a preços megafaturados.
A maior balela é a de que não haverá dinheiro público em tudo isso. Tudo, alegam, virá de dinheiro privado e de recursos externos. Espúria mentira!
A dimensão dessa competição e as enormes demandas que geram, em termos de infra-estrutura, instalações, segurança, financiamento e mobilização acabam fazendo com que o setor público tenha que assumir responsabilidades (desmedidas) por sua realização.
Esse mecanismo de transferência de responsabilidades revelou-se duplamente danoso.
Por um lado, a necessidade de preservar a imagem do País obrigou a União a assumir gastos sempre que necessário. Essa percepção de segurança garantida pelo aporte de recursos federais pode ter retirado dos outros entes a dedicação necessária em alocar parcela de seus orçamentos ao empreendimento, agravando o fenômeno.
De outra parte, a assunção dos compromissos de um ente por outro geralmente ocorreu com perda de tempo precioso ou gerou situações inadequadas do ponto de vista do controle do gasto público, como o repasse de recurso para obras em curso ou já executadas.
Será que o Pan já não serviu como lição? O que a população do Rio ganhou com a realização dos jogos, afora os lúdicos 30 dias de festa pelas ruas? O que de substancial (“infra-estrutura”) se gastou no Rio de Janeiro? Melhorou o sistema viário e de transportes? Humanizou-se as favelas? Recuperou-se a segurança pública?
Ora, nada disso aconteceu. Por quê? Porque o dinheiro é aplicado contingencialmente e é mal aplicado, posto que às pressas, no escurinho do cinema, em coisas indevidas e chupando drops de caviar beluga.
No Acórdão 2101/2008 do Tribunal de Contas da União (TCU), que avaliou e decidiu sobre o relatório final das ações e obras públicas realizadas para os Jogos Pan-Americanos de 2007, o Ministro Relator assim diz: “[t]alvez a infra-estrutura urbana tenha sido a área que menos benefícios obteve a partir da realização dos Jogos (...) Nenhuma obra de relevância foi planejada ou realizada na cidade do Rio de Janeiro em decorrência do evento. Ao contrário, algumas iniciativas de intervenções viárias, imaginadas a partir da candidatura da cidade à sede dos Jogos Olímpicos de 2012, e que acabaram sendo carreadas nos planos para os Jogos Pan-americanos, foram arquivadas sem que ao menos fossem iniciadas (...) A infra-estrutura de transportes do Rio de Janeiro foi criticada pelo comitê técnico do COI para a seleção da sede das Olimpíadas de 2016, e recebeu as menores notas entre as quatro cidades candidatas aprovadas”.
Sinceramente, quem foi que nos disse que é melhor se gastar com grandes pistas de ciclismo, magnânimos campos de hóquei, explêndidos centros de hipismo e estupendos ginásios de tênis de mesa ao invés de se investir em hospitais, escolas e polícia? Ora, neste caso não vale o argumento de que “um não elimina o outro”, pois nos encontramos numa situação de "public choice", cujos recursos, porque limitados, devem nestes casos serem aplicados correta e alternativamente. Neste ponto, não são raros aqueles que prefiram a aplicação do dinheiro público em saúde, educação e segurança ao invés de ser despejado na construção de babilônicos templos de futebol e nas centenas de obrigações desmedidas, absurdas e caríssimas que a FIFA e seus parceiros impõem.
Sinceramente, a quem interessa dispender dezenas de bilhões de dólares em novos (?) estádios de futebol? Para quê? A Arena da Baixada é um puta estádio, o melhor e mais moderno do país, conforto extremo etc., mas para que se gastasr todo este dinheiro para simplesmente adaptá-lo às exigências internacionais? Por que Recife e Fortaleza -- excluo Salvador, pois parece que a Fonte Nova não tem mais jeito... -- hão de gastar bilhões de dólares em novos estádios se a pobreza e a violência imperam pelas ruas? E o que falar de Cuiabá, Manaus, Natal e Brasília, com seus mamutes brancos que terão por fim shows de forrós sertanejos e calipsos?
Tolice dizer que se adiantariam investimentos em infra-estrutura. Ora, ninguém no comando deste país é criança que precisa de algum estímulo para ser aprovado. Basta planejamento. Simples. E que se cobre por isso, principalmente a imprensa e a sociedade civil – essa iludida por aquela –, que tanto cobravam de cada um dos governantes das cidades-candidatas para que levassem a Copa para casa (v. aqui).
A ilustração mais clara de como funciona essa falta de planejamento em condições cuja conclusão não pode ser prorrogada advém de um evento relacionado à área de segurança dos Jogos Pan-Americanos. O sistema de credenciamento e acesso às instalações físicas dos Jogos foi definido e contratado antes que todos os órgãos responsáveis pela função de segurança pudessem opinar sobre seu desenho. Assim, em momento posterior, deliberou-se modificar a estrutura de controle de acesso físico com o intuito de garantir uma segurança mais rígida para as áreas restritas dos Jogos. O desenvolvimento do sistema de credenciamento previsto no contrato original estava orçado em R$ 55.595,56. A alteração solicitada custou aos cofres públicos R$ 26.700.000,00 (v. no relatório do TCU, aqui).
Outrossim, imagine-se outro tão supérfluo gasto, como os mencionados em estádios: vigilância internacional contra o terrorismo. O que ganhará um país pacífico como o Brasil em dispender milhões de dólares na proteção de milhões de atletas, autoridades e estrangeiros? Não seria muito melhor com esse dinheiro oferecer moradia e terra a tantos dos nossos favelados e sem-terra e com isso mitigar a violência interna?
Nas ruas, a golpista imprensa vem com a enfadonha pergunta: “Você gostaria de ver a Copa no Brasil?”. Ora, essa pergunta é cretina. Seria o mesmo que perguntar: “Você gostaria de ver a paz no mundo?". É claro que 90% das pessoas respondem “sim” às duas perguntas, afinal, quem não gostaria de ver os maiores jogadores do mundo a jogar em seu país, em sua cidade? Quem não gostaria de ver e encontrar pessoas do mundo todo, espalhadas pelas nossas ruas, bares e praças? Todavia, o que essa mídia não quer esclarecer e mostrar é o outro lado disso tudo.
Nas primeiras lições de Economia se aprende que, virtualmente, todos os gastos ou alocações têm um “custo de oportunidade”. E é isso que entra em jogo, seja o dinheiro público - o que é bem pior - ou privado.
Logo, a pergunta correta seria: "Se o seu Estado ou o seu Município tivesse que, nos pŕoximos 4 anos, gastar um adicional de R$ 5 bilhões do seu orçamento, em quais destes projetos ou ações públicas você preferiria vê-lo gasto ou alocado: (a) na Copa de 2014; (b) nos sistema viário e de transporte público, das mais diversas formas; (c) em segurança pública, das mais diversas formas; (d) no ensino fundamental e médio, das mais diversas formas; (e) no meio ambiente, das mais diversas formas”.
A escolha prioritária da lista certamente mereceria uma maior reflexão por parte da massa votante. A voluntariedade na opinião deveria passar pelas tantas privações diárias e a decisão lúdica de se querer uma Copa do Mundo no quintal de casa cederia espaço pela vontade concreta de se ter garantido um banco na escola, um leito no hospital e um policial nas ruas.
Assim, mais uma vez, munidos de pesquisas e estudos de impacto econômico, os donos do poder tentam mostrar um coisa que, na realidade, se mostrará outra. Sempre gostam de dar dois exemplos para os “grandes benefícios” que albergar os maiores eventos esportivos do mundo trazem: Barcelona e Pequim, nas Olimpíadas. No primeiro caso, é inegável que o evento deu muito reconhecimento à cidade. Mas será que não poderia ter feito coisas muito melhores pelo mesmo valor gasto com os Jogos? Certamente, sim. A Olimpíada não pode servir de desculpa para melhorar uma cidade. No caso da China, há uma grande peculiaridade: mostrar ao mundo, vasto mundo, que, além de não comer criancinha, os comunistas governam um grande país. Sim, o grande mote com os Jogos foi revelar aos conservadores e aos (pseudo)democratas de plantão com quantos pauzinhos se faz uma República, comandada por um partido único, o Partido Comunista. E o mundo ficou surpreso em ver como funciona o país, futura maior potência mundial. Sim, os comunistas quiseram pagar esse preço.
Enfim, ao contrário do que se tem noticiado por aí, a conclusão a que todos os estudiosos - aqueles, frise-se, que não visam ao lucro fácil dos jogos - chegam é a mesma: nem as receitas imediatas nem aquele benefícios a longo prazo chegam perto de cumprir as expectativas promovidas pelos businessmen de plantão (v. observação abaixo).
Em suma, o bilionário gasto público vai para um ralo, a resultar em investimentos públicos paupérrimos, numa situação que nem na Patópolis do Tio Patinhas se aguentaria.
P.S. Em artigo científico publicado na prestigiada “World Economics” (v. aqui), o economista londrino Stefan Szymanski dispõe de uma quadro fruto de uma pesquisa que coletou dados dos vinte países mais desenvolvidos do mundo, a fim de ter a exata noção do impacto e dos efeitos que ser sede de um dos maiores eventos esportivos do mundo (Copa e Olimpíadas) têm no desenvolvimento nacional – e, note-se, a maioria dos países desta lista sediaram pelo menos dois destes eventos.
Tabela 1: O impacto no crescimento econômico de ser sede dos maiores eventos
Efeitofdsfdsfdsfdsfdsfdsfdsfds Impacto na Taxa de Crescimento Econômico
No ano anterior à Copa fdsfdsfdsfdsfdsfdsfdsfds + 0.218
No ano da Copa fdsfdsfdsfdsfdsfdsfdsfdsfdsf ds – 2.353
No ano seguinte à Copa fdsfdsfdsfdsfdsfdsfdss – 0.099
No ano anterior às Olimpíadas fdsfdsfdsfd sfdds + 0.415
No ano das Olimpíadas fdsfdsfdsfdsfdsfdsfdsfds + 1.190
No ano seguinte às Olimpíadas fdsfdsfdsfdsfd – 0.640