terça-feira, 20 de outubro de 2009

# e assim caminha a humanidade (xiv)


Enquanto isso, numa interminável (e produtiva) sessão clínica de recuperação cirúrgica, dá-se início ao festival de bestas&asnos brados, protagonizados por muitos dos presentes naquela (quase) ampla sala, cada qual a seu momento e por vezes todos juntos e misturados:

- A solução pra esse negócio no Rio é subir e matar todo mundo! É o único jeito! Um bando de vagabundo!

- Tá certo!! Essa gurizada toda que fica se vendendo pro tráfico! Não presta! Ao invés de estudar e trabalhar ficam ali na grana fácil das drogas! Não tem jeito!

- É!!!! Põe tudo num paredão! E a família que pague a bala!! (sempre vem essas frases feitas e de impacto, sempre tolas e às vezes inéditas para alguns).

- Claro! E tem que matar essa turminha toda que fica aí a enrolar um baseado e a consumir! Eles é que compram!!

- Sem dúvida! Quem consome e quem vende deve pagar! E tem que queimar todas aquela favelada (sic)!!

- Sim!! Não tem jeito mesmo! Essa bandidagem, cambada de vagabundos! E esses riquinhos! Essas luluzinhas e esses bolinhas!!

- É, não tem jeito esse povo! Esses políticos todos canalhas!! Só resta mesmo alugar este país!! (outra daquelas frases, sem nexo...)

- Bravo! Bravo! Bravo! (uivos e aplausos em uníssono)

- Iupi! Iehhhh! Uau! (onomatopeias múltiplas).

Pasmo. A estupidez quase generalizada -- afinal outras duas pessoas também fingem não compreender a língua que ali se falava e quedam-se silentes -- dessa (grande) fatia da população é mesmo incrivelmente avassaladora, pois parece levar de arrasto toda a gente, que não pensa e só tem (pre)conceitos.

Na verdade, tem-se do tema que uma (re-)regulação do assunto já se faz inevitável e imprescindível -- à sombra da mangueira imortal, pelo menos por duas vezes, já nos manifestamos em duas bulas: "Terras de Souza Cruz" (v. aqui) e "Cannabis, uma erva natural" (v. aqui). 

Já passa, portanto, da hora de um estudo sério e profundo do Estado acerca da liberalização de algumas das drogas -- ao menos aquelas correlatas ao fumo, sendo que aquele --, cujo papel seria interventor e, claro, fiscalizador.

Afinal, eis este o mal maior que impera na violência urbana das nossas grandes cidades: nenhum negócio do mundo -- talvez, apenas, ser concessionária de rodovias estaduais ou ter qualquer monopólio privado -- oferece tantos lucros como o comércio de drogas. E os mais recentes números da Secretaria de Segurança Pública do Paraná revelam: cerca de 95% dos assassinatos cometidos na cidade tem relação direta com o tráfico de drogas, seja pela disputa do ponto de venda, seja por dívidas deixadas por usuários (v. aqui).

Assim, se não pela ética humana e pela moral cristã -- bem menos presentes neste mundo pós-moderno --, por que cargas d'água um jovem da periferia, mal educado, mal impressionado, mal aconselhado e mal rodeado, não arriscaria alguns anos na cadeia por um mundo de carrões, fantasias e mulheres -- tal qual o filhinho bacana de um papai corrupto ou sonegador --, o qual só a grana do narcotráfico seria capaz de lhe propiciar?

Comigo tenho a certeza de que uma nova legislação liberalizante é a única saída para um país que, pelo menos ao que parece, não está preocupado em querer alterar os paradigmas da sociedade e os fundamentos político-econômicos que a regem, como assim fazem aqueles Estados que não querem o sistema capitalista como o seu marco criador e redentor.
fds