Posso estar enganado, mas é sempre emocionante ver a história sendo escrita assim, sob os nossos olhos.
Mais ainda, desde aquele final dos anos 50 que a Igreja
Católica não se deparava com um pastor, um homem que deixa a teologia dogmática
para os momentos apropriados – muito diferente do ultrateórico e
ultraconservador Ratzinger (o Bento XVI) – e que vem ao povo sem amarras e
submissões políticas – muito diferente do marqueteiro reacionário Wojtyla
(o João Paulo II).
E mais, insiste com um discurso que
não se esconde atrás de uma intangibilidade monárquica da Cúria e que não rejeita a
maiores vocações cristãs, ou seja, servir e professar a fé, em especial aos pobres e
marginalizados.
E
foi além, não tendo receio em
apontar o dedo para um dos grandes equívocos da Igreja, ou seja, a
barreira que se impôs diante da sua gente, apontamento este que foi
direto, olhos-nos-olhos dos
bispos e cardeais da Conferência Episcopal Latino-Americana (CELAM), em
reunião que ocorrera horas antes dele partir e que fora transmitida ao vivo pela televisão.
E as posições a
serem adotadas foram claras, e as declarações foram fortes.
Aqui, em rápidas palavras, se pode perceber que há uma
aproximação e um aproveitamento do que a Teologia da Libertação trouxe,
construiu e prega (v. aqui, aqui, aqui e aqui), sem precisar renunciar à Igreja e sem ainda causar muita
urticária na maioria que ainda crê numa igreja social e libertária incoerente com a
doutrina católica e apostólica.
(Lembro
que a Teologia da Libertação nasce na América Latina
dos anos 60, seio da vivência sacerdotal do atual Papa, o qual não fora
nada simpático às teses daquela revolucionária escola católica).
Ainda que criticando a teologia socializante e do deus
ex-machina – tanto quanto criticando a teologia liberal do capitalismo e do
deus-dinheiro –, não se pode negar que Papa Francisco quer avançar neste
tema e inserir temas sociais na vida e na visão da Cúria e da sociedade católica.
Sim,
a Igreja não pode ficar longe da Política, não pode se
esconder da realidade econômica-social que nos angustia e nos revolta, o
que não pode ser confundido com fazer política e partidarismo.
Fieis e Igreja não podem fechar os olhos para o mar de
injustiças sociais que a toda hora é mostrado, em um selvagem desequilíbrio
social que joga na miséria um número cada vez mais de seres humanos, como se meros tijolos fossem.
E é deste “humanismo desumano” que o Papa pede atenção.
E é contra esta forma de vida, contra a “cultura do
provisório” e do curtir o momento que ele pede aos jovens: “Sejam
revolucionários!”.
E esta frase nunca esteve tão perto daquilo que uma Igreja
social e uma teologia da libertação desejam. Nunca este tão próxima de retomar, com afinco e seriedade, o trabalho nas pastorais e nas CEBs, e a atuação no seio das necessidades espirituais e materiais das nossas comunidades.
Ora, ficou claro que em um mundo just in time e plugado de novos desafios,
paradigmas e aspirações, Francisco é um papa que entendeu o recado que muitos
quiseram ignorar ou reinterpretar de acordo com as próprias posições, ou de
acordo com as posições que politicamente fossem mais convenientes.
Vida longa ao Papa! – embora o próprio Francisco não pareça acreditar nisso, haja vista os tantos e seguidos pedidos de oração que faz por si.