domingo, 29 de maio de 2005

# prolegômenos

Já de modo introdutório -- e sem querer parecer rançoso --, reproduzo abaixo três crônicas publicadas durante os longos 14 meses em que estive em voluntário e eremítico exílio na Europa, a tratar respectivamente da eliminação do Coritiba pelo Treze/PB e do Flamengo pelo Santo André/SP, ambas na Copa do Brasil de 2004, e da derrota da equipa portuguesa frente à seleção da Grécia, na final da Eurocopa de 2004, que à época mereceram os seguintes títulos:
- "Trevo de treze folhas (ou, sobre a derrota dos coxas para o Treze na Copa do Brasil)"
- "Joões (ou, sobre a derrota do Flamengo para o Santo André na final da Copa do Brasil)"
- "Os deuses não estão loucos (ou, sobre a derrota de Portugal para a Grécia na final da Eurocopa").

# trevo de treze folhas (ou, sobre a derrota do coritiba para o treze na copa do brasil)


Na Paraíba não se tem muita coisa. Vive-se lá com o dinheiro do turismo, embora o lugar seja visto pelos visitantes como o quintal do Nordeste, ao lado do Piauí e Sergipe.

Em compensação, há fartura de coco, objeto pelo qual o povo sacia a fome, mata a sede e joga algo parecido com o futebol.

E foi assim, com um único coco que os paraíbas motivaram a escrita de outra página na história de um clube, hoje algo parecido com um clube de futebol.

E mais; ontem, constatou-se a infalibilidade do sábio ditado: a sorte tem uma relação simbiôntica com a competência – sem esta presente, não adianta clamar a ajuda dos astros.

Muito menos culpá-los.

Búzios, benzeduras, dogmas ou teorias são quase incapazes de justificar o imponderável treze – agora, porém, já em maiúsculo, nada é mais inspirador.

Depois de uma derrota na loteria dos pênaltis e esta outra para o Treze, o próximo passo é, no exato momento de uma vindoura vitória, o novo campo vier a afundar e o jogo dar-se por cancelado. C'est la vie...

Enfim para desespero de todos aqueles que estavam bizarramente extasiados pela inaguração de uma grama, alguns banheiros e meia-dúzia de lanchonetes, a triste constatação está sendo assistir em campo um incessante desfile de pragas, cocôs e, claro, coxinhas.
 
(publicado em junho/2004)


 

# joões (ou, sobre a derrota do flamengo para o santo andré na final da copa do brasil)


Mané Garrincha, o segundo maior jogador da história do futebol brasileiro, chavama todos os seus adversários e marcadores de "João", e o seu plural virou sinônimo de jogador qualquer.

E assim, na noite de quarta-feira, em pleno Rio de Janeiro, fez-se o conto.

Era uma vez onze gajos que, caídos de pára-quedas na maior arena do mundo, despertaram para um novo mundo. Sim, um novo mundo que, à primeira vista, poderia fazer lembrar e remeter-lhes de volta para o passado. Dantes, há algumas décadas, poder-lhes-ia parecer uma simples tarefa, imiscuída na arte barroca do ludopédio que afamava a sua insígnia e a sua instituição. Agora não mais.

Assim, quando aterrisaram e preparavam-se para o embate, já sentiam (mesmo que a grosso ou oblíquo modo) que o público assistente via tudo estranho, enxergando-os irreconhecíveis, afinal, este grupo não parecia traduzir outra coisa senão uma desavergonhada mentira que apenas mascarara a recente glorinha regional, mero sanduíche com pouca realidade.

Em alguns instantes, este grupo, com ares de parlapatice e ciceronado por uma ou outra peças um pouco mais vistosa, admitia, teoricamente, que ainda fazia parte do cenário de outrora, com pompas e luzes, e que a santa batalha (sim, pois o grupo entendia que era tão santo quanto o inimigo) sucumbiria à sua performance, esta sim vista por ele como obra divina.

Porém ("ah porém", cantaria o sambista Paulinho da Viola...), a seqüência da tragédia revelou-se imaculada deste antigo destino, opressor dos visitantes e daqueles que pisavam em seu solo gramíneo. Hoje, e já há alguns anos (coisas do século passado diriam os mais extasiados), este cenário descolore-se, pintando-se de múltiplas cores, dependendo do matiz da farda inimiga.

Enfim, no resultado deste combate (que vai além de uma simples batalha, pois o que se perdeu foi a guerra), o povo relambuza os olhos para querer acreditar, tristes por saber que assim caminha a nova humanidade do sinistro esporte bretão, lamentosos por cientificar que silvas, reginaldos, róbsons, jônatas, ibsons, rogers e jeans traduzem-se em nomes simples demais para um ente que, aos poucos, com continuidade e sem organização, foi desintegrando-se, desmanchando-se... Antes, ainda sobravam os pés-de-galo da instituição.

Hoje, nem eles.

Afinal, eram onze joões de vermelho-e-preto.

(publicado em 26/06/04)

# os deuses não estão loucos (ou sobre a derrota de portugal para a grécia na final da eurocopa)


Aos arredores, já alertava para a principal arma grega: a filosofia de seu jogo.

Nada mais poderia surpreender a equipa lusíada senão a inteligência mitológica dos atletas rivais.

Não, mas isso não fora demonstrado.

Por outro lado, lá do banco exalava uma sapiência quase invulgar, não assente na criatividade, mas na racionalidade do selecionador inimigo, formado sob os princípios da escola futebolista mais pragmática do mundo, que é vencedora sem jamais encantar, que é perdedora sem jamais decepcionar, que é chata de se ver, de se enfrentar e, possivelmente, de se jogar.

Em suma, é sem sal, sem açúcar, sem amargura, sem azedume: sem sabor.

Por maior que seja a incredulidade, o onze alvi-celeste não se revestia de armaduras celestiais, asinhas nos pés e não dispunha nas costas nomes como Apolo, Poseidon, Baco ou Dionísio; muito menos, não demonstrava na relva raciocínios dignos de Sócrates, Platão, Tales ou Heródoto.
 
Na verdade, em campo, representavam apenas peças (im)pensantes de um bom estratagema orwelliano montado pelo pouco discreto selecionador, o qual dispunha, além dos seus ensinamentos, pensamentos, teorias e táticas aristotélicas, um outro referencial: a sua personalidade que, até então permanecia oculta, hoje já se conseguiu identificar, à medida que leu-se, por debaixo do seu agasalho, nas costas da sua camiseta, a inscrição: "Zeus".

Afinal, vamos, venhamos e convenhamos, se o Sr. Scolari é rei, o Sr. Otto é, agora, o deus – ou, por mais que o futebol não seja mais uma caixinha de surpresas, face ao intenso nivelamento (por baixo??) de equipes, como explicar a vitória grega face à tamanha disparidade técnica-individual havida em campo?

Porém, é pouco provável que esta hipótese sustente-se.

Assim, se tal justificativa não progredir, proponho e despejo a explicação nas inscrições estelares.
Sim, os astros a prever uma tragédia grega, em plena luz de um próprio estádio chamado “da Luz”, como resposta ao atrevido rompante de júbilo que mudara o comportamento do povo lusíada nas últimas semanas, como uma lição à petulância do povo d’além mar em querer viver com felicidade.

Que audácia!

Onde já se viu, assim, de repente, quererem ser felizes? Talvez até seja isso... porém, já se sabe que, para a vida grega, nada muda o clima eufórico já embalado pela revisão local dos seus jogos olímpicos e, para a vida lusitana, nada muda o clima eufórico já embalado pela alegria contagiante do fado e do seu povo.

Hoje, Portugal está triste como costuma estar – e a vitória do futebol chuchu não teve nenhuma culpa.
(publicado no jornal "A Bola" em agosto/2004)
 
 
 

# à sombra da mangueira imortal


É sob a mangueira, diz-se, que se consegue a melhor sombra, onde os escravos resfolegavam-se nos minutos de distração senhoril.

Assim, à sombra da mangueira imortal, pretende-se expor idéias, ideais, utopias, divagações e devaneios, na expectativa de ter e debater, numa rede de milhares de expectadores e num universo de bilhões de pessoas, o eco de tantos pensamentos escritos.

Antes de tudo, é uma proposta contributiva para pensar a sociedade e o país e, de ojos abiertos -- e não cegos, porque quer enxergar além da visão cabresta, conservadora e reacionária da maioria daquelas aventadas e neutras posições que apenas refletem o discurso midiático mantido pelos donos do poder ou o desejo recôndito na perpetuação do status quo -- e "coração valente" -- já que se mergulhará sem dó nas feridas abertas e mantidas em sangue pela elite nativa --, mostrar que não desertamos do nosso posto, pretendendo ser uma direta e (i)modesta bula da bola azul que nos envolve e na qual passeamos.

Bem-vindos, e boa viagem!