quarta-feira, 12 de junho de 2019

# orgulho e ilusão

Ana Maria, eu, Ben Gava, Simas, Flávia, Edu, Ben Simas e Candinha: pra deixar de padecer

Esta foto publicada hoje pelo Edu Goldenberg é daquelas coisas que provocam uma catarse sentimental.

Era junho de 2014. 

Era junho de Copa do Mundo.

Era junho de abertura da Copa do Mundo no Brasil.

E ali naqueles nossos olhos ainda se via certo orgulho e ilusão.

O orgulho do país, ainda iludidos por alguma coisa que se podia chamar de democracia, por uma sociedade que parecia acreditar no progresso e por toda uma frente política que prometia enfrentar (sem sair muito do lugar) os nossos históricos obstáculos.

O orgulho de usar um verde e amarelo, ainda iludidos por uma coesão nacional de faz-de-conta, pela falsa ideia de nação soberana e pela frágil união em torno da constitucional harmonia social como valor fundante

O orgulho de um futebol brasileiro, ainda iludidos pela paixão da bola que cegava uma crescente ofensiva a imperativos culturais, sociais e políticos de maior importância.

Dali a pouco tempoporque por aqui talvez nunca possa mesmo dar certo, tudo começaria a desmoronar.

Pelo pouco que fez e acertou, um governo foi derrubado por um golpe jurídico-parlamentar,  apoiado por um barulhento séquito de amarelos lobotomizados da cabeça aos pés.

Pelo pouco de nacionalismo que havia, a lógica fácil contada por memes, pastores e tevês e a perversidade de instituições republicanas destruíram as nossas perspectivas de dar um passo a mais, de dar um grande salto para a nossa miserabilidade política e social.

E pelo pouco do pouco que restava, nosso futebol sucumbiu à tragédia do oba-oba, ao fracasso de uma era em que a imagem é tudo e, fundamentalmente, ao descaso à sua razão de ser como uma das maiores expressões da cultura popular.

Os anos foram assim.

E apagou aquela ilusão que tínhamos de tantos amigos e parentes que guardavam dentro de si e nos armários da alma toda a sorte de delírios, ódios, pestes, câncer, pneumonia, raiva, rubéola, tuberculose, anemia, rancor, cisticercose, caxumba, recalque e difteria.

E apagou aquela ilusão de um país vivo, pulsando potência em frenéticos arroubos de felicidade do presente e consciência do porvir, com suficiente coragem para impedir raptos fratricidas de um delinquente político qualquer.

E apagou aquela ilusão de que vivíamos sob uma sociedade democrática, repleta de homens cordiais e cheios de harmonia, todos conduzidos pelas ideias iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade. 

Ilusões da vida, ilusões da história das quais fingíamos um tipo estranho de orgulho, diante das quais relutávamos em acordar.

O Brasil, naquele distante junho de 2014, parece assim ter dado um grande e último suspiro para o que adviria.

E cruzamos a ponte para o abismo, como se no timão do barco estivesse Caronte a conduzir um povo inteiro até o desembarque em algum círculo do inferno.

Desde então, a partir dos estádios da Copa e das orlas das nossas copacabanas, expôs-se as vísceras de um país marcado pelas cortinas fechadas do passado, que trancafia a mãe preta das periferias e que passou a cantar hinos em louvor a um mito feito de barro, pus e fel.

Desde então não se avança, não se pula, não se dança e nem se dá muito o direito a sonhar aqueles sonhos de uma utopia a ser construída. 

Desde então pautas sodomitas, operações bandidas, propostas de araque e agentes infaustos provocam-nos vertigens típicas de uma sociedade perdida, repleta de ignorância, indiferença e ódio a provocar pesadelos diários sobre nossos destinos.

Desde então destroçamo-nos em uma terra zumbi abandonada sob os restos de algo tipo capitalismo, um território triste e tétrico onde se misturam práticas do velho-oeste com circunstâncias de Mad Max, no qual grande parcela da população perambula selvagemente em busca de "pão, paz e terra", fazendo as suas revoluções particulares vinte e quatro horas por dia que nunca termina.

O Brasil, neste junho de 2019, parece assim estar prostrado e continuamente chamuscado por algum dragão do apocalipse, com sua gente intestinal e incontrolavelmente acreditando nos contos platinados e zapeados em que mocinhos redentores da pátria surgem para pôr um basta em-tudo-que-está-aí, a repetir frases sem sentido, ideias desconexas e conclusões estapafúrdias à revelia do óbvio e da realidade.

Enfim, eis o retrato, eis o tempo que passa e que vem à memória desde o tão longe junho de 2014.

E senão a luta em chama que não se apaga, daquele Brasil da foto não resta praticamente nada.

Mas, mesmo agora, no mais sombrio dos mundos, o que importa é que daquela foto restam a amizades que construímos aqui neste Rio de Janeiro.

E, principalmente, daquela foto resta o brilho dos olhos incendiários dos dois Benjamins, que agora se juntam aos de Santiago e Leonel para nos encher de luz e amor diante do caos.

Afinal, é desta perspectiva que vem a resistência e a esperança de um Brasil.