quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

# êta!

... e eu, eleito expontaneamente eremita e em efúgio, estou enlouquecendo e emarelecendo, em explícito e encarnado exemplo extremo-europeu, entusiasta e espantado em enxergar esse estado enredado em escuridão. enfim, esta estada embebe-me em exclusivos escritos, em entranhos e escusados estudos... exorando, ébrio em emoção, este expectável epílogo; e, enquanto essa efemeridade empenha-se em se espaçar, espero, esperançosamente, esta eterna época extra-terra encerrar-se, estando, então, entusiasmado, eufórico e em explêndido êxtase....

sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

# cartas aos amigos bem depois de 74



Daqui, longe da terra, a lembrança dos amigos faz sair daquela bela carta do Vinícius ao Tom algo mais ou menos assim...

Coimbra, 19 de dezembro de 2005.

Amigos Queridos,

Estou aqui, num quarto de pensão, que dá para um mosteiro, que dá para toda a solidão do mundo.


São 10 horas da noite e não se vê viv’alma. 

Meu avião só sai em março e é impossível alguém estar mais triste do que eu. E como diferente de sempre, nesta hora, escrevo para vocês uma carta que, finalmente, irei mandar-lhes.

Deixei Londres para trás com pouca saudade de algumas semanas de pesquisas, estudos e festas e pela frente tem o Brasil, que é uma paixão permanente em minha vida de ora exilado.

A coisa ruim é que hoje é quase Natal, a data maior, e sei que em algum lugar de nossa cidade haverá uma festa que me cairia muito bem, com todos vocês mandando brasa nos comes-e-bebes, nas conversas e nas musiquinhas. Pois é, com certeza queimaríamos um óleo firme...

Vocês já passaram um 24 de dezembro, amigos, sozinho num país estrangeiro, numa noite sem qualquer perspectiva? É fogo maestros...

Estou doido para ver vocês e recomeçar a trabalhar. Imaginem que este ano foi praticamente dedicado à tese, pois Coimbra não é brincadeira.

Mas agora o tremendão aconteceu mesmo: esta histórica cidade teve que se curvar. Estou a fazer uma obra interessante – modéstia à parte, naturalmente – e vocês vão ver, deu um trabalhão.

Parece até que quando você apresenta trabalhos longe de sua terra algum sentimento patriótico está em jogo, não é engraçado... Mas, como diria o Sérgio Buarque, são as raízes...

Vou agora escrever para casa e pedir dois menus diferentes para a minha chegada. 

Para o almoço, uma feijoadinha com farofa de bacon, bistequinhas de porco (bem tostadinhas), uma couvinha mineira, e doce de coco. 

Para o jantar, um grande churrasco com direito a aperitivos, uma farofa bem soltinha, e papos de anjo... mas daqueles que só a mãe da gente sabe fazer. Daqueles que se a pessoa fosse honrada mesmo, só devia comer metida num banho morno e em trevas totais, pensando, no máximo, na mulher amada. Por aí vocês vêem como estou me sentindo... nem cá, nem lá...

Fiquei muito contente com o sucesso das tarefas, dos trabalhos e das traquinagens de vocês por aí. E a vindoura filha do Jeco hein... que negócio tão direito! Vamos ver se desta vez o rapaz toma jeito...

Fiquei muito contente também com a notícia do insucesso do Coritiba aí no Brasil. Dizem que estão achincalhando o timinho pra valer! Isso me alegra muito pelo Baiano, pelo Neto e pelo Black... e pra que mentir, por mim também! É bom saber que aos poucos este time vai sendo esquecido, que o povo passa a ficar cantando outras coisas... pois, no fundo mesmo, é para o bem deles que aquele time se decompõe.

Ainda, por ser quase época de Copa do Mundo, lembro-me tão bem quando fizemos um samba, uma madrugada, na praia, há uns seis anos atrás, por aí... Eu disse a Chico, a Zappa e a Gerson: “Isso tem pinta de sucesso!”.

E ficamos dançando e cantando samba, até o sol raiar...



terça-feira, 6 de dezembro de 2005

# gralhas e coxos (ou "à la recherche du temps perdu")

Vila Capanema, 4 de dezembro de 2005.
Tenho sempre sido encarado como um patinho feio, horroroso. Uma desgarrada ovelha negra, obscena. O burro primo pobre. A zebra indecorosa e estúpida. Ou mesmo o cão pulguento, sem dono, sem lar.
Hoje, alegre, e com um sorriso malandro e de viés, posso assegurar que sou apenas uma gralha rubro-celeste que sobrevoa todo este acontecimento à distância e, quase de camarote, enxerga tudo por cima, a rir. Vaticino que a vingança, à galope, veio e ficará.
Por anos e anos estive embaixo, desprezado e mal-amado por tudo e por todos, pelos media e pelo povo; na verdade, por poucas vezes - e vezes tão somente regionais - estive a vê-los por um ângulo diferente deste.Eis que, deste domingo e pelos certos próximos trezentos-e-sessenta-e-tal dias, o verde-e-branco curitibano afunda no lado b, na paisagem obscura, na vida baldia do rude esporte bretão nacional, lá mesmo onde as luzes são poucas, não há graça, ninguém é feliz.
Zoam e caçoam da nossa vida em kombis, da nossa relva de várzea, das nossas equipas de aluguel e da nossa curta história; humilde e quase-réu confesso, sempre segui em frente, à espera de um grande dia, deste grande final de tarde.
Não sei do meu futuro, disse ter um muito breve passado, mas meu presente é, agora, em outra dimensão, pois posso afirmar, categoricamente, que, nesta seara, pelo menos em todo dois-mil-e-seis, não estarei a conviver com a turma de baixo.
E pior - para eles - foi querer o destino que o momento para a queda fosse este, que significará longos anos de espera para voltar a ver a luz. Pode escrever: tal qual no mundo, em pindorama o futebol está completamente nivelado, são ossos duros e equilíbrio intenso.
Resultado: os coxas penarão e clamarão pelas almas-penadas de outrora, amargarão no futuro esta decepção do presente e contemplar-se-ão com os versos de vida, minha vida, olha o que é que eu fiz...
Temo pelo que resta dos seus torcedores com menos de trinta-e-dois dentes, que pouco viram do sol mas que sofrerão com a constante presença sombria de um longo inverno, um inferno.
Trata-se, talvez, do mais certo reflexo do mundo, que gira, que dá voltas. Dos anos sessenta até oitenta-e-cinco, toda a minha árvore genealógica, ainda que sob outras insígnias, padeceu o infortúnio das glórias do ex-glorioso. Finalmente acabou.
De agora em diante, sine die, os seus adeptos necessitarão viver as agruras de uma divisão de segunda e de jogos na terça com (e contra) times de quinta, excitar-se-ão apenas com os desprezados títulos domésticos e vibrarão com o consolo de torcer pelos infortúnios de nossa gente humilde e de nossas cores que figuram na primeira-classe.
Ass.: João da Silva, um paranista.

domingo, 30 de outubro de 2005

# uma vitrine humana


Finalmente fizeram-me conhecer o tal orkut.

Há tempos, neste horizonte da internet, não constatava tamanha aberração, pluri-sensorial: mental, cultural, social, físiológico etc. Enfim, algo bizarro.

Antes, de início, soube que os brasileiros somos os maiores utentes deste troço.

Péssimo sinal: em linguagem nada criptografada, significa sermos, talvez, o povo mais desocupado do planeta.

Há quem diga que este clube não passa de mais uma conseqüência inútil da vida online. 

Há quem o considere uma vil panelinha virtual. 

Se entendi um pouco da sua idiota mecânica, afora àquela ladainha de que entra quem quer, trata-se da quase-perfeita união entre estas duas teses e outras tantas bestialidades, nas quais não consigo encontrar um pouco justificado motivo para o ingresso.

No clubinho há espaço para tudo -- um breve conhecido, a concunhada gente fina, a nora da irmã da calista da secretária, o moço que traz o gás, adolescentes, vigários-gerais, cães...

Ora, o que leva a massa a desabrochar seus sentimentos em busca de relações minguadas em um fel contagioso onde qualquer um entra e pode ver - eis, então, a princípio, a cultura do grande irmão, trazendo seres que rompem continuamente a sua privacidade, os seus dados, a sua alma; e, a posteriori, o universo das sacanagens atômicas, ou melhor, à bits, indecifráveis, indestinadas e imbecis.

Na esteira, vêm as anomalias cultural, mental e física havidas neste tal clubinho. 

O que interessa-me pensar é: por quê? O que são aqueles porta-retratos virtuais que os selecionáveis dispõem no ecrãn? Vêem-se poses mil, com roupas e nus estrategicamente expostos, com pinturas na cara e muques constrangedores que fazem a autofagia de cada clubenauta. 

E as “citações testemunhais”? Percebo que o brilhante clube tem um espaço para recados do coração, no qual todos os clubenautas sabem, com nome, cara e quase cpf, de quem e para quem vão as declarações. 

Assim, com tudo isso visceralmente exposto, acabam-se as cartas intimamente dirigidas, acabam-se as descobertas à dois, olho no olho, instigantes, particulares, românticas -- tudo em prol de uma rede de centenas de "friends" que surgem após meu nome, entre meus parênteses, restando em números frios, vazios e que, no máximo, nos remetem à uma época rançosa, traduzidas em uma operação de soma zero.

E os "fãs"? Como grande consolo para os não-artistas ou não-boleiros, eis que surgem, de um nada (absoluto ou relativo), seres que te assumem como tal e, mesmo com tamanha puxada-de-saco, permanecerão olvidados em algum canto baldio da tua vida. E as risonhas carinhas amarelinhas ao lado de pulsantes coraçãozinhos vermelhinhos que ilustram o perfil do infeliz?

E, então, eis que surge o maior caos, o caos social, que vai sim, rechear-se de demagogia, de hipocrisia, de superficialidade, de mecanização das relações. 

Só porque você encontrou aquele estúpido que nem se lembrava, lá da quarta série, acha bacana? Ou somente porque você é fã daquele seu amigo superbacana acha interessante estrumar algumas palavras ali, na tela, bacana? Ou será que toda essa gente se engana ou então finge que não vê?

E o que dizer do “perfil” que cada um oferece: gosto de ler nietzsche, sou parda e simpática, i don't need labels, tenho aracnofobia e uso pasta dental crest menthol extra-light.

Ora, para que me interessa saber o que fulanos, beltranos e cicranos fazem das suas vidas? 

As pessoas têm amigos e relacionamentos que permitem e velam por tal abertura, por tais (re)conhecimentos, por tais intimidades recíprocas... agora, fazer desse clubinho uma vitrine humana, que nos fazem reféns diários de novos contatos, de um encarniçado networking e de mais números entre parêntesis é certamente execrável. 

E lastimável, pois, da mesma forma que não podemos perder ou mascarar nossa indentidade, não permitamos escancará-la -- e ninguém me convencerá deste contrário.

Em breve, a realidade dirá quanto desta árvore virtual restará inútil (ou criminosa) para estes prosélitos e, comme il faut, se verá que esta rede não passou de outro funesto modismo acolhido por um infausto contingente humano e que não deixou restos, úteis ou recompensadores.

Porém, são modas, que vem e que vão, assim como a moda de não-ser-do-orkut...


quarta-feira, 26 de outubro de 2005

# cai, cai balão?

Não sonhei. Peguei a tabela e apenas calculei. E ficou fácil de prever.

Cruzeiro - amanhã - no Couto Pereira
É O JOGO DECISIVO. NÃO SERVE PRA NADA AO CRUZEIRO. TEM OBRIGAÇÃO DE VENCER. (3)

Mas daí...

Internacional - 28/10 - no Beira-Rio
INTER, LIBERTADORES, FORA DE CASA. ESQUEÇAM. (0)
Flamengo - 31/10 - na Arena Petrobrás
FLA, DESESPERO, MAIOR TIME DO BRASIL, A PROBA JUIZADA E A SÉRIA CBF NAO VÃO DEIXÁ-LO NA MÃO. E O DELEGADOZINHO CAI. (0)
Figueirense - 3/11 - no Couto PereiraRETRANCA BRABA DOS CATARINAS PRA NAO CAIR. DEZ NA DEFESA. EDMUNDO NA BANHEIRA FAZ O GOL UNICO DO JOGO. (0)

Brasiliense - 5/11 - em Taguatinga
NA BOCA DO JACARÉ, O LUIS ESTEVÃO JÁ ACERTOU COM OS DOIS BANDEIRAS. OZÉAS FAZDOIS GOLS IMPEDIDOS. LORI SANDRI CAI. (0)
Corinthians - 13/11 - no Couto Pereira
JOGO DO TITULO PARA OS PAULISTAS. GOLEADA. GALVÃO GRITA: É TETRA, É TETRA. (0)
Ponte Preta - 17/11 - no Couto Pereira
A MACACA QUER ENTRAR FINALMENTE EM UMA SUL-AMERICANA, ALGO QUE NÃO FAZ DESDE A SUA FUNDAÇÃO (SÉC. XIX). JOGO HORROSOSO. ZERO A ZERO. ALADIM LARGA A CÂMARA, PEGA A LÂMPADA, SE AGARRA NO EX-GOLEIRO JAIRO, E ASSUMEM O TIME. FAZEM TRÊS PEDIDOS. ESTE PRIMEIRO JÁ NÃO É OUVIDO PELOS PANGARÉS. (1)
Atlético-MG - 20/11 - no Mineirão
IMPOSSIVEL. 120 MIL TORCEDORES A EMPURRAR O GALO PRA LONGE DA SEGUNDONA. (0)
São Caetano - 27/11 - no Anacleto Campanella
A MALA PRETA APARECE EM SÃO CAETANO. EDILSON, MIXIRICA E DIMBA FAZEM UM GOL CADA. DESESPERO. JOEL SANTANA DIZ QUE AINDA DÁ TEMPO. (0)
Internacional - 4/12 - no Couto Pereira
O INTER JOGA O RETORNO A LIBERTADORES DA AMERICA. OS COXAS JOGAM A QUEDA PARA A SEGUNDA DIVISÃO.NERVOS À FLOR DA PELE. 50 MIL EM CAMPO. FOGOS, FAIXAS E FETICHES. FRUSTRAÇÃO. FERNANDÃO FAZ UM A ZERO. RENALDO EMPATA. O BANDEIRA ANULA. SEGUNDO TEMPO. FERNANDÃO FAZ DOIS A ZERO. TORCEDOR-VOVÔ INVADE O CAMPO. DÁ UMA BENGALADA NA CABEÇA DO CAPIXABA. A TORCIDA GRITA: "VERGONHA,VERGONHA!". RENALDO DESCONTA, NOS DESCONTOS. A TORCIDA CHORA: "COXA EU TE AMO".(0)

Com 42 pontos, os coxas estão rebaixados. Corro até Lisboa para o balcão da TAP. Não consigo vôo. Perco o glorioso dia depois do amanhã. Já reservo o pagar-pra-ver da net. O Atlético fica um pouco de lado. E, no primeiro sábado de abril, sento-me confortável, abro uma lata de cerveja e assisto CRB x Coritiba, direto de Maceió. Sim, não era um primeiro de abril.

Quo vadis, coxas?

segunda-feira, 18 de julho de 2005

# bem-me-quer, malmequer

Todo garoto, se não desvirtuado ou idiota, tem em sua passagem terrena gosto pela pluralidade clubística e pelos casos múltiplos de amor, ocultos e não correspondidos pela mulher dita amada.

Nesta fase, gosta-se de várias, de diferentes, uma a cada semana, dependendo apenas dos bilhetes mal respondidos, dos olhares levemente trocados ou dos lanches de recreio à distância divididos.

Ademais, como esquecer das reuniões vespertinas para estudos escolares, nas quais se angustiava pela presença ou ausência da menina-dos-olhos no grupo? Ou, então, como não lembrar dos incautos e inconfessáveis escritos feitos em cadernos chamados de confidência, nos quais se lia e relia as opiniões dolosamente não reveladas por aquela alma gêmea momentânea?

Todas as vezes, quando perguntado, dizia-se que se namorava luízas, que se dava beijos em ritas, que se deitou com lígias ou que orgulhosamente se refutou as doçuras de cecílias.

Eram, em todos estes casos, assunções feitas nas tentativas de elevar ou manter a própria auto-estima grupal, solidificar a fortaleza digna de um cabra-da-peste ou, no mais das vezes, apenas tentar demonstrar ou imaginar o eco de algo platônico.
 
E é esta imperfeita ou vazia ligação amorosa que também nos cerca quando, em fases de outrora, adotávamos dois, três, quatro – ou quantos nossa imaginação pudesse eleger – times de futebol.

Fui corintiano (com direito até a apelido de bairro) e depois são-paulino; fui gremista, de uniforme, hino e faixa; fui cruzeirense, com camisa feita sob encomenda e fui fluminense, com cartas descritivas endereçadas ao bigode; diz a lembrança, até, que pelo vitória da bahia e pelo santa cruz eu também torci, mas daí já não acredito.
 
Porém, de todos estes amores passageiros, reais ou não, o que mais marcou certamente foi o botafoguense, que surgiu do nada, de uma negra luz de décadas sem coisa alguma ganhar para ocupar-me com vibrações e comemorações emocionadas e históricas.

Claro que de todo este elenco, nenhum restou, nem mesmo gostos esparsos ou alegrias de glórias repentinas. Nada era perfeitamente simbiótico e em nenhum sentia uma reciprocidade próxima, uma presença de corpo e alma. Hoje, e também talvez por isso, como desd’antes os primeiros passos de vida, eu sou Clube Atlético Paranense. Única e exclusivamente. Um casamento à moda antiga. Uma relação monogâmica e, posto que não é chama, eterna e imortal.
 
Entretanto, neste último domingo, digo com bastante sinceridade que as cores alvi-negras da estrela solitária voltaram a me contagiar e a me adular. Este assédio fez reacender uma paixão esquecida, reencontrou um amor perdido, tem de novo aquela amante imemorável para os momentos fugazes, mas que talvez venha para ficar.

Percebi que ontem, com os resultados dos jogos em curitiba (três a zero) e em belo horizonte (três a dois), consegui satisfazer-me em dosa dupla, sentir uma alegria conjugada que há tempos não vivia neste mundo da bola.
 
Afinal, devo confessar, não é todo dia que dois amores são tão bem correspondidos...

 

sexta-feira, 15 de julho de 2005

# cacos


A leitura feita pela cigana não poderia mostrar um destino diferente, pois, sabiamente, nas linhas tortas da vida tem-se os certos escritos divinos.
 
Por alguns momentos, o mais racional dos seres esquece esta virtude, deixa de tê-la e age, apenas, pela irracional emoção.

Não seria possível, jamais, se permitir a crença gratuita e cega em resultados tão incertos.
 
Ficou inteligível a deficiência técnica do todo, assim como ficou clara a incompetência de alguns, mas nada ficou tão transparente como a certeza da mediocridade estúpida de outros, nomeadamente aquele que não tinha mérito, capacidade ou muito menos moral para cumprir uma missão tão sublime e decisiva, um pênalti que tomou proporções similares àquele cobrado (e errado) pelo galinho de quintino na copa de 86.
 
A noite de quinta-fera trouxe à tona a relativa falácia daquele ditado que diz ser o futebol uma caixinha de surpresas.

Não foi.

Individualmente, com alguma parcialidade, indicar-se-ia um empate técnico entre os goleiros; no mais, uma superioridade adversária vista a olhos nus, que inclusive fez-me indicar este algoz, já há algumas semanas, como o maior candidato ao título nacional deste ano.

Mas, por favor, nada que justificasse, sem qualquer clemência – e o próprio embate foi um exemplo – a queda-livre de quatro, ao vivo, em rede mundial.

Como a vida, o mundo da bola também é impiedoso, cruel e injusto.
 
Hoje, a ressaca mostra o que é perder uma final de copa do mundo particular, quase solitária.

Você não vê o galvão esgoelar-se em choros, você não nota os nordestinos a compor chatos repentes trágicos e você não sente um luto não-oficial de sete dias pela derrota canarinho.
 
Diferente, isolo-me em um desconforto pessoal, individualizado e privado, que contrasta com o sentimento de indiferença de dezenas de milhões de pessoas, ou, pior, com a (recôndita) alegria da outra metade desta cidade e o (tresloucado) êxtase de uma inumerável nação tricolor-paulista.

Não há purgatório, o céu e o inferno estão aqui, lado a lado, em formas unívocas de convivência.
 
Definitiva e sinceramente, é claro que o vice-campeonato é uma bosta.


 

domingo, 10 de julho de 2005

# gênese moderna em dia de clássico

Dizem alhures que estamos diante do apocalipse, ou, talvez de modo conjugado, que finalmente descobre-se a nascente de todos os males imediatamente responsável pelo dia do juízo final. Não acredito, puro engodo.
Trata-se, na verdade, de mais uma falácia propalada pelo baixo clero, reflexo da sua lânguida decadência no novo mundo do futebol nacional.
O futebol não dá mais espaço para amadorismos, de dirigentes, de atletas ou, principalmente, de torcedores, que ululam por bobagens como novas cantinas, novas salas, novo campo ou uma nova vitória contra times de belém do pará.
Chega a ser cômico ver o que aconteceu neste domingo. Não queríamos, não fazíamos questão e não nos importava o resultado do jogo; e, para isso, dispusemos de um time ‘B’ (e olha que nem no ‘A’ temos muita coisa para oferecer) para se entreter e treinar. Em suma, jogamos com um time reserva, para um público mandante despretensioso e com jogadores abaixo do medíocre. Mesmo assim, o outro lado não conseguiu sequer um empate.
Definitivamente, não penso estar diante do fim do mundo; penso, apenas e indubitavelmente, estar diante de um mundo novo, que deixa para trás o paleozóico tempo do futebol - aquele dantes jogado e motivado por velhos, assistido por polaquinhas de bochechas rosadas e enfeitado por araucárias - e que acaba com quaisquer esperanças de um retrocesso, a deixar apenas a nostalgia da memória e as edições setentistas da revista placar para deleite das gerações vindouras.
Hoje, sabe-se que o novo mundo do futebol, já na era pós-moderna, exige dos clubes a velocidade e o comportamento revolucionário de um furacão. E isso apenas um clube do sul apresenta-se e consolida-se internacionalmente como tal, com atitude, estrutura e resultados.

sexta-feira, 8 de julho de 2005

# caminhando nas nuvens, com os pés na estrada

Seria sonho, se não fosse real. Seria mágico, se não fosse crível.
Seria mentira, se não fosse verdade. Seria um futuro, se não fosse o presente.
A nos separar, 720 quilômetros completados; a me acompanhar, 3 amigos e mais de 15.000 missionários para assistir, torcer, xingar e aplaudir os primeiros 95 minutos da vida de um clube de 1.924, ora reservados nos pés (e mãos) de 11, 12 ou 13 pessoas.
Seriam apenas números, se não representassem a maior emoção de todo e qualquer grande adepto do futebol em um momento qualquer parecido.
No período de voluntário exílio na Europa, acompanhei, in loco e solitariamente, o êxtase do povo local ao seguir a trajetória (de sucesso final) do Futebol Clube do Porto ao título europeu; hoje, acompanho, in loco e bem acompanhado, o êxtase do meu povo ao seguir a trajetória do Clube Atlético Paranaense à última etapa do título americano. Inigualáveis situações, incomparáveis momentos.
O que presenciei naquelas cinco horas dentro e aos arredores do Gigante da Beira-Rio seria inimaginável, se não milimetricamente descritível na minha mente, ainda que certamente difícil de externar. É raro o coração e a alma falarem com tanta precisão.
O resultado final ainda deixa tudo em aberto para a seqüência final, embora, certamente, feche definitivamente as feridas daqueles nossos tempos de ostracismo, de descaso e de invisibilidade no cenário mundanal do futebol.
Pena, apenas, fechar a viagem com um sentimento triste de que muitas coisas não são compreendidas, a detonar feridas que ficam indeterminadamente abertas e sem respostas.

sexta-feira, 1 de julho de 2005

# a saga de ouragan II - a fuga

Ouragan não mais conseguia estabelecer o mais remoto convívio com os seres da tribo Kutoperêra, os quais insistiam em querer co-habitar o feudo ouragane.
De tudo fora feito, seja para impedir a entrada de seus representantes (via barreiras migratórias, rigidez nos tipos de vacina, muros etc.), seja para isolá-los economicamente (mediante embargos comerciais, controle da mídia, racionamento alimentar e de energia etc.). Porém, nada disso surtiu os desejados efeitos e, diante da progressiva gravidade que a situação apresentava, era iminente a eclosão de uma guerra, cujo desenrolar final era nebuloso mas que, provavelmente, resultaria na extinção do feudo ou da tribo, ainda que esta levasse sérias desvantagens em razão de Ouragan apresentar uma população muito maior.
Assim, tudo caminhava... até que onze valentes guerreiros, sob a orientação do marechal Antoine, resolveram mudar. Mesmo a arriscar as suas vidas e com a possibilidade de envergonharem todo um feudo no caso de um imenso fracasso, cujos reflexos seriam de proporções mundiais, mas com o intuito de amenizar a angústia do povo face ao perigo da guerra, decidiram ir aos jogos do fantástico campeonato continental de gamão. Viram. E venceram.
Em toda a região, nunca se teve notícia de coisa igual. O reino Brasilis, assim como todo o vasto continente vespusiano, acompanhava a consolidação da mais nova força do mundo do gamão, advindo de uma terra e de uma região que até então nada tinha, a não ser o bravo povo de Ouragan e outras coisas alhures, como araucárias, moças de bochechas rosadas e velhos.
Contudo, diante de toda a mobilização e do reconhecimento em torno da competência do feudo ouragane, nada fora mais espetacular para o seu povo que o incrível sumiço, o repentino desaparecimento e a insistente escondedura da tribo Kutoperêra, a qual há mais de quarenta dias não mais perturba a paz e o sossego em Ouragan.
Antoine, que além de comandante de guerra é o chefe espiritual de Ouragan, admite não ter usado quaisquer artifícios mágicos ou sobrenaturais para provocar a fuga inimiga; mas sim, confia que tal atitude é resultado da assunção rival às amplas e variadas diferenças que os separa, e os minimiza, do feudo ouragane.
Agora, Ouragan acredita que, destes tempos em diante, nada mais lhe perturbará a ordem social, pois, definitivamente, a tribo rival já encontrou seu espaço, no esquecimento da memória de séculos atrás, cuja distância para o consistente e sustentável presente impossibilita-os de tentarem conviver, ou competir, com o moderno e desenvolvido feudo.
Definitivamente, constataram que o passado foi enterrado.

quinta-feira, 30 de junho de 2005

# a esperança venceu o medo (ou, a realidade supera a ilusão)


Estádio Jalisco, Guadalajara, México.

Difícil no mundo das Américas lembrar um cenário mais propício - talvez, apenas, o Maracanã, no Rio, e o Monumental de Nuñes, naquela cidade.

E foi lá, terreno eterno da nossa Copa de 70, que Antonio Lopes superou Zagallo, que Diego sobrepujou Félix, que Jancarlos igualou-se a Carlos Alberto, que Danilo e Durval fizeram muito mais que Brito e Piazza, que Marcão foi muito melhor que Everaldo, que Cocito foi Gérson, que Alan Bahia jogou mais que Clodoaldo, que Fabrício lembrou Rivelino, que Fernandinho recordou Jairzinho, que Aloísio chegou a ser Tostão, e que ele, Lima, chegou perto d’Ele.

Agora, já no início desta madrugada, deu na “Highlights” da ESPN, no “Repórter Cbn” da CBN, na FOX, na CNN e em todas as mídias de todos os lugares de todos os cantos da América: o Atlético ‘El’ Parananese, o Furacão, The Hurricane, El Huracán está na final da Taça Libertadores da América, o segundo maior campeonato de clubes de todo o mundo. Com um desempenho similar (ou melhor) ao exigido por uma Copa América, o Atlético demonstra raça, força, garra, vontade, vigor, pancada, contra-ataques, sobriedade, cabeçadas, carrinhos, cotoveladas, inteligência, motivação e, principalmente, uma superação psicológica e física sem igual no mundo do futebol nos últimos anos.
 
Hoje, o Atlético desperta idolatria e ódio. Hoje, o Atlético é um é um dos dois melhores clubes dos três continentes americanos.
 
Hoje, o Clube Atlético Paranaense é exemplo para todos que um dia quiserem também se planejar, se desenvolver e crescer para firmar-se como um dos grandes clubes do Brasil e, agora, das Américas.

 

quinta-feira, 16 de junho de 2005

# a saga de ouragan I - uma incrédula joaninha

Era uma vez.... A princípio, éramos cinco. Apreensivos e desconfortáveis, visto sermos estranhos àquele ninho, chegávamos àquele distante castelo para acompanhar algo mais do que um simples jogo de gamão, de sorte e de contas, embora a conta de sorte de Carlton, um sempre otimista, apostasse em um solitário empate que garantiria a classificação do fidalgo atleta-gladiador do nosso feudo, o feudo de Ouragan.
A postos e ainda a lamuriarmos a presença em solo adversário (que nos colocava à léguas do feudo doméstico), a ausência de um competente competidor (que nos colocaria em uma situação mais confortável, otimista e à altura das nossas tradições) e a desfaçatez e o menoscabo com que todo o grande Reino tratava-nos (que nos colocava palmos abaixo da mediocridade), tínhamos apenas o consolo de Mars Field, um nobre mais experiente nestes tipos de batalha e que fazia questão de nos estimular e oferecer um auto-exemplo de antigas glórias nos jogos daquele campeonato (dois títulos), a ratificar que a postura e o ímpeto impostos por Ouragan à partida seriam preponderantes e definiriam um salutar resultado final.
Antes do início, um lapso de alienação fez-me perceber algo estranho na mesa central da batalha. Como a miopia não me permitia conceituar aquilo, achei por bem ignorá-lo, embora meus bons ouvidos houvessem percebido certos sons parecidos com gargalhadas e risos fáceis advindos dele.
A desconfiança era grande. Em mais de quinhentos anos, era a primeira vez que um feudo longe do quadrilátero central desportivo do Reino Brasilis chegava as meias-finais de uma competição de tamanho porte, a envolver os melhores feudos dos maiores reinos do continente.
Já de início, a sopa de emoções, com sabores e ingredientes típicos de um imponente momento, contagiou a todos. MacJeff, a demonstrar uma angústia só, não sabia ainda que a noite seria longa, embora já visse com bons olhos azuis uma postura valente de seu gladiador, talvez um bom presságio, talvez uma falsa impressão – dúvida que logo no início se desfez com uma primeira vitória, ainda que comemorada timidamente.
Aos poucos, se tornava incômoda a presença daquela coisa por debaixo da grande mesa, tamanha era a sua debatidura. Deixei pra lá, e, mais ainda, ignoro-a quase por completo para saltar na segunda vitória do nosso gladiador, logo nos primeiros minutos depois do intervalo. Neste instante, Feat Black, um antigo quase-rival que naturalizou-se ouragane, também acredita que tudo está diferente, ainda que não saiba e não entenda direito como funciona tudo o que vê.
Passada a pausa regulamentar, a postura de ambos os gladiadores permanecia igual, o que se traduzia em uma clara supremacia da nossa parte. Volto a incomodar-me com aquela coisa agitada, penso até em chutá-la dali, mas sou refreado por Gran Fesse que, ademais, era o mais contido nas comemorações que já começávamos a iniciar, inclusive ao lembrar de fatos trágicos ocorridos no final do ano passado.
Durante parte do terceiro quarto da batalha, um sepulcral silêncio acomete a todos do castelo. De nossa parte, era a incerteza de saber se já tínhamos argumentos suficientes para brindarmos a glória.
O tempo passa, o tempo continua lentamente a passar, o tempo parece parar, o tempo pára. Ao faltar cinco minutos, entendemos as favas contadas, momento no qual eu, Carlton, Mars Field, Feat Black, MacJeff e Gran Fesse tiramos as nossas máscaras de apreensão e, finalmente, assumimos a magnífica vitória, a qual ao final realmente veio, sem maiores novidades - não obstante o momento em si já fosse obviamente marcado pelo ineditismo.
Extasiado, não resisto e, coxo, manco até a mesa de centro para saber o que era aquilo que tanto se debatia, que tanto tremia e que tanto se afligia no decorrer da batalha, que estava sempre procurando se esconder. Deduzo ser um agourento amuleto do adversário derrotado.
Eis que, ao aproximar-me, tête-à-tête, percebo não se tratar de algo parte da batalha. Na verdade, era uma figura terceira, era um ser que não fazia parte daquele momento e que não pertencia a nenhum daqueles dois feudos em combate.
Era uma joaninha. Uma desolada, triste, frágil, atônita e raivosa joaninha, de cores alvi-verdejantes, mascote-símbolo de uma tribo inimiga do nosso feudo (a tribo Kutoperêra) que, estupefata e muito deprimida, parecia não compreender o sucesso e a glória alcançada por Ouragan.
Hoje, Ouragan é um dos dois atuais símbolos do Reino Brasilis no mundo do gamão, o que nos permite sonhar com um passo ainda maior para, então, vivermos felizes para sempre.

quarta-feira, 15 de junho de 2005

# um fato sucumbe mil argumentos (ou, a vingança é um prato que se come frio)


Nada mais melindroso que um embate com cartas quase marcadas. Era a imprensa – marrom, branca, cor-de-rosa, regional, nacional, enfim, de todos os matizes e centros – a blasfemar e a desdenhar; era o clube praieiro a menosprezar; era, por fim, a própria massa rubro-negra a não acreditar no grande rubro-negro.

Um magnifíco jogo, marcado pela raça, pelo empenho, pela dedicação e pelo caráter dos atletas, transformou todas estas teorizações e prospecções dos últimos dias em pó. Uma tamanha superioridade do clube paranaense que fez encolher o aclamado melhor time do Brasil. Um resultado final que, antes inusitado, adquiriu um contorno normal, comum, esperado e obrigatório. Uma classificação às semifinais digna, valente e épica, que tira das manchetes o tufão Bob Jeff e coloca no lugar o furacão Atlético Paranaense.
 
Hoje, finalmente a comunidade americana reconhece – pois conhecer já conhecia, de outros carnavais... – esta mais nova obra da natureza, que com seu ímpeto de extrema veemência está a destruir o que passa e deixa, marcante, um importante rastro no cenário futebolístico americano.

Já se sabe que, desta noite de quarta-feira em diante, o Clube Atlético Paranaense fez incluir o estado do Paraná e a cidade de Curitiba no mundo da Conmebol, passando a constar no seleto rol dos mais importantes clubes da América de 2005, pois está, ao lado de river plate, são paulo e chivas, entre as quatro melhores equipes do mais grandioso torneio da América Latina - fato que sem dúvida ficará registrado na já consagrada história deste segundo maior campeonato de clubes do mundo.

Vida brava e longa ao mais novo furacão das américas, que, para surpresa de mexicanos e demais latinos, agora vem do Sul e não mais das costas do Atlântico Norte.

sexta-feira, 3 de junho de 2005

# a buzina

Os ensinamentos cristãos são de incomensurável valia, indubitavelmente.
Hoje, porém, é freqüente encontrarmos as pessoas a reclamar, a chorar, a protestar, sempre a dizer que nada está bom, que tudo vai mal, que isso, porque aquilo... sem parar para pensar que existe muita gente, uma contingente enorme que está em situação muito pior, aquém mesmo do mínimo vital necessário. O Brasil é um caso crasso disso, chegando à incrível proporção de 1 para 100 na situação extrema. Sabemos que não se faz certo, portanto, reclamar do que temos e não olhar ao redor, pois, se bem atentarmos à realidade, queixamo-nos à toa, sem direito, sem razão. Uma situação triste, provocada pela inescrupulosidade, pela incapacidade gerencial e pelo descomprometimento moral e social dos governantes e avalisado pelo sistema do capital - mas esta parte será discutida em um outro momento.
Eis que, ao final da tarde deste sábado, mas precisamente às dezoito horas, estava eu nas cercanias do estádio couto pereira, quando percebo que as coisas da vida e do homem podem ter uma solução. Sim, foi comovente.
Era uma tarde linda de sol, com calor e vento – um dia agradabilíssimo e ideal para ir à praia, aos parques ou mesmo para um churrasco com drinques até à amdrugada; era a décima rodada do campeonato brasileiro – ou seja, existiam ainda noventa e seis pontos em disputa; era um jogo contra uma equipe de Belém do Pará, o Paysandu – absolutamente nada contra, mas, convenhamos, sem passado e sem presente no mundo da bola.
Todavia, nada disso impediu que trinta mil pessoas la comparecessem, trocassem o ingresso por uma lata de nescau, acompanhassem ao (triste) jogo e na saída, depois da difícil vitória, fizessem uma festa, uma quase arruaça pelas cercanias, com as pessoas a gritar, a sacudir as suas camisolas verde-e-branca e a promover um imenso buzinaço nas principais ruas da capital. Em suma, um comportamento típico de classificação à semifinal de copa do mundo.
Penso estar sonhando, em delírios. Não queria acreditar naquilo. Páro o carro. Encosto-o. Vejo e ouço tudo aquilo. Sinto um enorme constrangimento. Embasbaco-me. Não quero achar estranho, mas não consigo conter-me e, finalmente, defino como lamentável. Um quadro comiserador no qual custo a acreditar.
Até que, quase recomposto, vem uma luz divina, a luz cristã vem repreender-me, a dar-me um basta naqueles meus pensamentos e me fazer enxergar todo o contexto no qual insere-se a presente situação. Faz-me ver os dois cenários mundanais distintos a nos separar. Arrependo-me. Quase choro. Admito o erro, a fraqueza pessoal, a falta de espírito de minha parte. Solidarizo-me.
E até um buzinadinha eu também dou.

domingo, 29 de maio de 2005

# prolegômenos

Já de modo introdutório -- e sem querer parecer rançoso --, reproduzo abaixo três crônicas publicadas durante os longos 14 meses em que estive em voluntário e eremítico exílio na Europa, a tratar respectivamente da eliminação do Coritiba pelo Treze/PB e do Flamengo pelo Santo André/SP, ambas na Copa do Brasil de 2004, e da derrota da equipa portuguesa frente à seleção da Grécia, na final da Eurocopa de 2004, que à época mereceram os seguintes títulos:
- "Trevo de treze folhas (ou, sobre a derrota dos coxas para o Treze na Copa do Brasil)"
- "Joões (ou, sobre a derrota do Flamengo para o Santo André na final da Copa do Brasil)"
- "Os deuses não estão loucos (ou, sobre a derrota de Portugal para a Grécia na final da Eurocopa").

# trevo de treze folhas (ou, sobre a derrota do coritiba para o treze na copa do brasil)


Na Paraíba não se tem muita coisa. Vive-se lá com o dinheiro do turismo, embora o lugar seja visto pelos visitantes como o quintal do Nordeste, ao lado do Piauí e Sergipe.

Em compensação, há fartura de coco, objeto pelo qual o povo sacia a fome, mata a sede e joga algo parecido com o futebol.

E foi assim, com um único coco que os paraíbas motivaram a escrita de outra página na história de um clube, hoje algo parecido com um clube de futebol.

E mais; ontem, constatou-se a infalibilidade do sábio ditado: a sorte tem uma relação simbiôntica com a competência – sem esta presente, não adianta clamar a ajuda dos astros.

Muito menos culpá-los.

Búzios, benzeduras, dogmas ou teorias são quase incapazes de justificar o imponderável treze – agora, porém, já em maiúsculo, nada é mais inspirador.

Depois de uma derrota na loteria dos pênaltis e esta outra para o Treze, o próximo passo é, no exato momento de uma vindoura vitória, o novo campo vier a afundar e o jogo dar-se por cancelado. C'est la vie...

Enfim para desespero de todos aqueles que estavam bizarramente extasiados pela inaguração de uma grama, alguns banheiros e meia-dúzia de lanchonetes, a triste constatação está sendo assistir em campo um incessante desfile de pragas, cocôs e, claro, coxinhas.
 
(publicado em junho/2004)


 

# joões (ou, sobre a derrota do flamengo para o santo andré na final da copa do brasil)


Mané Garrincha, o segundo maior jogador da história do futebol brasileiro, chavama todos os seus adversários e marcadores de "João", e o seu plural virou sinônimo de jogador qualquer.

E assim, na noite de quarta-feira, em pleno Rio de Janeiro, fez-se o conto.

Era uma vez onze gajos que, caídos de pára-quedas na maior arena do mundo, despertaram para um novo mundo. Sim, um novo mundo que, à primeira vista, poderia fazer lembrar e remeter-lhes de volta para o passado. Dantes, há algumas décadas, poder-lhes-ia parecer uma simples tarefa, imiscuída na arte barroca do ludopédio que afamava a sua insígnia e a sua instituição. Agora não mais.

Assim, quando aterrisaram e preparavam-se para o embate, já sentiam (mesmo que a grosso ou oblíquo modo) que o público assistente via tudo estranho, enxergando-os irreconhecíveis, afinal, este grupo não parecia traduzir outra coisa senão uma desavergonhada mentira que apenas mascarara a recente glorinha regional, mero sanduíche com pouca realidade.

Em alguns instantes, este grupo, com ares de parlapatice e ciceronado por uma ou outra peças um pouco mais vistosa, admitia, teoricamente, que ainda fazia parte do cenário de outrora, com pompas e luzes, e que a santa batalha (sim, pois o grupo entendia que era tão santo quanto o inimigo) sucumbiria à sua performance, esta sim vista por ele como obra divina.

Porém ("ah porém", cantaria o sambista Paulinho da Viola...), a seqüência da tragédia revelou-se imaculada deste antigo destino, opressor dos visitantes e daqueles que pisavam em seu solo gramíneo. Hoje, e já há alguns anos (coisas do século passado diriam os mais extasiados), este cenário descolore-se, pintando-se de múltiplas cores, dependendo do matiz da farda inimiga.

Enfim, no resultado deste combate (que vai além de uma simples batalha, pois o que se perdeu foi a guerra), o povo relambuza os olhos para querer acreditar, tristes por saber que assim caminha a nova humanidade do sinistro esporte bretão, lamentosos por cientificar que silvas, reginaldos, róbsons, jônatas, ibsons, rogers e jeans traduzem-se em nomes simples demais para um ente que, aos poucos, com continuidade e sem organização, foi desintegrando-se, desmanchando-se... Antes, ainda sobravam os pés-de-galo da instituição.

Hoje, nem eles.

Afinal, eram onze joões de vermelho-e-preto.

(publicado em 26/06/04)

# os deuses não estão loucos (ou sobre a derrota de portugal para a grécia na final da eurocopa)


Aos arredores, já alertava para a principal arma grega: a filosofia de seu jogo.

Nada mais poderia surpreender a equipa lusíada senão a inteligência mitológica dos atletas rivais.

Não, mas isso não fora demonstrado.

Por outro lado, lá do banco exalava uma sapiência quase invulgar, não assente na criatividade, mas na racionalidade do selecionador inimigo, formado sob os princípios da escola futebolista mais pragmática do mundo, que é vencedora sem jamais encantar, que é perdedora sem jamais decepcionar, que é chata de se ver, de se enfrentar e, possivelmente, de se jogar.

Em suma, é sem sal, sem açúcar, sem amargura, sem azedume: sem sabor.

Por maior que seja a incredulidade, o onze alvi-celeste não se revestia de armaduras celestiais, asinhas nos pés e não dispunha nas costas nomes como Apolo, Poseidon, Baco ou Dionísio; muito menos, não demonstrava na relva raciocínios dignos de Sócrates, Platão, Tales ou Heródoto.
 
Na verdade, em campo, representavam apenas peças (im)pensantes de um bom estratagema orwelliano montado pelo pouco discreto selecionador, o qual dispunha, além dos seus ensinamentos, pensamentos, teorias e táticas aristotélicas, um outro referencial: a sua personalidade que, até então permanecia oculta, hoje já se conseguiu identificar, à medida que leu-se, por debaixo do seu agasalho, nas costas da sua camiseta, a inscrição: "Zeus".

Afinal, vamos, venhamos e convenhamos, se o Sr. Scolari é rei, o Sr. Otto é, agora, o deus – ou, por mais que o futebol não seja mais uma caixinha de surpresas, face ao intenso nivelamento (por baixo??) de equipes, como explicar a vitória grega face à tamanha disparidade técnica-individual havida em campo?

Porém, é pouco provável que esta hipótese sustente-se.

Assim, se tal justificativa não progredir, proponho e despejo a explicação nas inscrições estelares.
Sim, os astros a prever uma tragédia grega, em plena luz de um próprio estádio chamado “da Luz”, como resposta ao atrevido rompante de júbilo que mudara o comportamento do povo lusíada nas últimas semanas, como uma lição à petulância do povo d’além mar em querer viver com felicidade.

Que audácia!

Onde já se viu, assim, de repente, quererem ser felizes? Talvez até seja isso... porém, já se sabe que, para a vida grega, nada muda o clima eufórico já embalado pela revisão local dos seus jogos olímpicos e, para a vida lusitana, nada muda o clima eufórico já embalado pela alegria contagiante do fado e do seu povo.

Hoje, Portugal está triste como costuma estar – e a vitória do futebol chuchu não teve nenhuma culpa.
(publicado no jornal "A Bola" em agosto/2004)
 
 
 

# à sombra da mangueira imortal


É sob a mangueira, diz-se, que se consegue a melhor sombra, onde os escravos resfolegavam-se nos minutos de distração senhoril.

Assim, à sombra da mangueira imortal, pretende-se expor idéias, ideais, utopias, divagações e devaneios, na expectativa de ter e debater, numa rede de milhares de expectadores e num universo de bilhões de pessoas, o eco de tantos pensamentos escritos.

Antes de tudo, é uma proposta contributiva para pensar a sociedade e o país e, de ojos abiertos -- e não cegos, porque quer enxergar além da visão cabresta, conservadora e reacionária da maioria daquelas aventadas e neutras posições que apenas refletem o discurso midiático mantido pelos donos do poder ou o desejo recôndito na perpetuação do status quo -- e "coração valente" -- já que se mergulhará sem dó nas feridas abertas e mantidas em sangue pela elite nativa --, mostrar que não desertamos do nosso posto, pretendendo ser uma direta e (i)modesta bula da bola azul que nos envolve e na qual passeamos.

Bem-vindos, e boa viagem!