quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

# fado tropical (a nossa pororoca)




Um amigo coimbrão pede-me as últimas impressões sobre o "estado de coisas" nesta anunciada tragédia brasileira. 

Dei-lhe uma ideia, sobre intervenção federal e quejandos eleitorais, respondida por e-mail sob uma lisérgica dose de desgostosa futurologia.

Segue-a.

A intervenção federal no Rio? Um blefe, tosco, muito mal dado e que no segundo dia foi desmascarado pela população. Óbvia aldrabice, merchandising eleitoral de quinta categoria.

A real realidade – desculpe-me a redundância – sobre a violência está fotografada em um estudo do IPEA/FBSP: “Atlas da Violência”, de 2017, no qual se mostra a cidade do Rio de Janeiro como a 23ª capital “mais violenta” do Brasil e a 133ª cidade com menos homicídios dentre as cidades com mais de 100 mil habitantes, enquanto o Estado do Rio como o décimo do ranking de violência.

Usam o Rio – palco e tambor eternos do Brasil (e da Rede Globo) – como vitrine nacional (e como "experiência", assim disse um desses fardados em entrevista coletiva), pura busca de holofotes para (tentar) capitalizar eleitoralmente, tendo como pauta o “choque de ordem”, área clássica dos conservadores.

Esse seria o último suspiro da direita, já que “economia/emprego”, “saúde” e “corrupção” (áreas que estão na frente da “violência” como preocupação prioritária do povo brasileiro, como mostram as últimas pesquisas) são temas que não lhe dá suporte, inclusive pela gestão Temer.

Eis que isso virou chacota geral, e parece frustrar a ideia da tal "intervenção" em outros Estados, inclusive Roraima – um pequeno Estado ao Norte que faz sensível fronteira com a Venezuela –, tudo para adoçar o suco de medidas de exceção, doce sabor para um "novo caos" que adiará as eleições previstas para este ano.

Porém, os canalhas (canalhas! canalhas!) ainda devem tentar pelas vias menos escancaradas. E para isso dependem da eterna Globo – que vocês aí da terrinha tanto gostam... – para emplacar um cara (um outsider, claro!) com mínimas chances de derrotar um "Lula". 

Mas o tempo passa, e não conseguem inflar ninguém.

E por isso, como há dois anos tenho arriscado dizer – ou seja, desde quando praticamente se oficializou o golpe –, creio sinceramente que não teremos eleição em 2018 (eu falava muito disso no blog).

Afinal, este consórcio formado (1) pelo grupo do Michel Temer (junto com uma camarilha do PSDB – algo tipo o PSD de vcs), (2) pela Globo e (3) pelo grande capital financeiro não deu um golpe à toa. 

E sabe que no voto perderão para um "Lula", esteja ele solto, preso ou morto.

E perdendo...

Os primeiros verão o fim do túnel na política (ou o sol nascer quadrado).

A segunda (a Rede Globo) será oficialmente desmascarada e sofrerá com a regulação que a esquerda promoverá sobre concessões públicas de rádio/tv. 

E o terceiro será pressionado, com revisão da dívida pública e da política de juros.

Porém, o Lula (sem aspas) é o Lula. 

E não duvido que o dito consórcio, certo de ser derrotado e não querendo ver sangue (ou seja, os militares de volta sob um "Estado Constitucional de Exceção"), chame o Lula para um encontro. 

Costurar-se-ia a paz, num 2º grande acordo nacional, com o STF, com tudo.

Liberarão o Lula para concorrer, sem prisão e relendo a lei "ficha suja" (essa lei, "em tese", impede a candidatura de pessoas condenadas em 2º grau de jurisdição, caso do ex-presidente). 

E em 1º de janeiro de 2019 ele assume o timão de um navio em cacos e à deriva.

E aquele consórcio? 

Ora, os primeiros verão suas ações penais caminharem para a prescrição, tramitadas e julgadas no ritmo natural de um Poder Judiciário atarefado com outros furtos e descaminhos e zeloso com o devido processo legal; ademais, terão um carguinho ali, uma nomeação aqui, um favor acolá, sobrevivendo como zumbis da República...

A segunda, toda platinada, continuará abastecida com verbas publicitárias e não verá uma "Ley de Medios" que lhe arrebente o monopólio e lhe exponha ao sol. 

E o terceiro... bem, o terceiro ainda terá no Brasil um paraíso, uma espécie de ponto final do arco-íris de onde continuará extraindo seus potes de ouro.

(Bem, restaria saber como se daria isso no plano geopolítico internacional, ou, sendo mais direto, como se comportaria os EUA nisso tudo, vez que parece estar umbilicalmente ligado ao golpe, por interesses diretos e indiretos mui claros sob as lógicas capitalista e imperialista...)

E você me perguntará: por que cargas d´água o Lula aceitaria isso? 

Porque ele sabe que o Brasil não tem saída, porque ele sabe que, agora, institucionalmente, o Brasil não tem saída e está feito ao bife.

Ora, o golpe destruiu todos os alicerces institucionais, republicanos e democráticos do Brasil.

O golpe destruiu o trabalho, destruiu a economia, destruiu as políticas e o pacto sociais, destruiu o pacto federativo, destruiu as relações internacionais do Brasil. 

O golpe deu um nó cego nesta sua ex-colônia, ´tás a ver? 

E esse "acordo" permitiria achar um pedaço em frangalhos do fio da meada. 

E (tentar) pôr fim ao caos.

É mais ou menos isso que enxergo, e se concordo com isso tudo já são, como cá dizemos, outros carnavais...

Um saudoso abraço, na esperança – veja só – desta terra aqui um dia vir a cumprir seu ideal.



segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

# o fim de um tabu



Núcleo justificante da picaretagem dessa "intervenção" do bando vampiresco, a violência no Rio tem boa parte das suas amarras no narcotráfico, ainda que hoje ele esteja se especializando em outras áreas, mais lucrativas.

Por isso urge enfrentar a fundo e debater a sério a questão das "drogas", definitivamente uma das pautas estruturantes do nosso presente e futuro social.

Que fique claro: deixá-las às sombras e à escuridão, rotineiramente fabricadas, trazidas e montada pelos esgotos das cidades, habitualmente distribuída e comercializada por ratos, corvos e bandidos e invariavelmente consumida a doses industriais em todas as festas, campings e circos da Oropa, França & Bahia, é de uma insensatez sem tamanho.

Os estudos, as pesquisas, os dados, os dossiês, os astros, as bulas, os espelhos, os evangelhos, os orixás, tudo aponta para a irracionalidade da sua proibição.

Como aquiaqui, aqui e aqui já enfatizamos, há muita base e respaldo científico (interdisciplinar e multinacional) para afirmar que, jamais desprezando os seus múltiplos malefícios, a maconha não pode receber um tratamento diferente daquele dispensado às outras maiores "drogas sociais" (álcool e cigarro), ainda mais prejudiciais e viciogênicas – eis aqui, um documentário definitivo deste tema.

Ora, não são poucos os estudos científicos das Ciências Sociais que concluem: a criminalidade nos nossos morros e periferias exsurgem, em sua quase unanimidade, pela cotidiana guerra a envolver "chefões", a "polícia" e a "comunidade", a revelar o fascínio e a submissão que esta tem diante dos primeiros  haja vista as recompensas e a pressão que recebem , eis, pois, a difícil equação e estéril solução para que a segunda (ou, diga-se, o "Estado") não se subjugue à corrupção dos primeiros e não se desfaleça diante do medo da segunda.

Ora, não são poucos os estudos científicos da Economia que concluem: um mercado fechado, com oferta escassa e demanda latente, com o mais absoluto dos entraves mercantis a "proibição" na sua comercialização , traz como consequências lógicas a supervalorização do produto, a superacumulação de lucros, a superestruturação de negócios paralelos (e, claro, ilegais) e a superexploração da mão-de-obra empregada (leia-se, aqui, a disputada empregabilidade em setores ilícitos e imorais).

Ora, não são poucos os estudos científicos da Medicina que concluem: a maconha é muito menos maléfica  porquanto causa menos dependência e afeta com muito menos dano o nosso organismo  do que o cigarro (aquele com nicotina e uma centena de componentes químicos) e o álcool (aquele responsável por um número avassalador de mortes, em especial no trânsito); e mais, atestam o seu uso terapêutico para diversas doenças, maiormente àquelas relacionadas ao sistema nervoso.

Ora, não são poucos os estudos da Psicologia que concluem: não há relação absoluta entre o uso da maconha e o uso subsequente, p. ex., da cocaína ou do crack, vez que uma ínfima parte dos usuários da erva são seduzidos e caminham para a dependência de drogas pesadas  ou seja, é falsa a "lógica" de ser uma droga de passagem; ademais, os estudos mostram que o acesso e a relação do jovem com o "proibido" estimula o contato com o mundo da criminalidade e da perversão, vez que não há meios sociais de obtê-la senão pelos meios obscuros e (mais) perigosos.

Ora, não são poucos os estudos do Direito que concluem: o direito fundamental à intimidade e à privacidade e a autodeterminação do indivíduo são espaços imune à interferência estatal  desde que não ofenda patrimônio jurídico alheio , o qual deve abdicar-se da imposição de padrões e de moralismos que não violam valores sócio-jurídicos; ademais, há flagrante ofensa ao princípio da proporcionalidade (adequação e necessidade) e, ainda, flagrante ilegitimidade na proibição da maconha, nos moldes de hoje, a partir do instante em que a sua ofensividade atine, concretamente, apenas à saúde do próprio indivíduo, não havendo lesividade a bem jurídico de terceiro.

Ora, não são poucos os estudos da Ciência Política que concluem: a questão não é de segurança pública, mas, sim, matéria de políticas sociais ligadas à saúde e à educação. Combater a droga, na forma de guerra civil, canabalizada  e malfadada, é não-política, inútil e, pior, contraproducente, que não mitiga um claro poder paralelo havido nas periferias, desestabilizando o Estado.

Ora, a História mostra que não apenas os padrões comportamentais da sociedade levam para o reconhecimento de costumes morais ou não, legais ou não, mas, principalmente, os interesses das classes dominantes do Estado, que veem ser mais ou menos interessante admitir ou não certas condutas e certos fatos; logo, e por isso, as bebidas alcóolicas e o cigarro (aquele com nicotina, benzeno, fósforo, naftalina, amônia etc.) são  e quase sempre foram  permitidas em boa parte do mundo, enquanto a maconha é criminalizada e vista como algo satânico.

A questão, pois, parece se sustentar em contas mal feitas acerca dos custos públicos da medida – e de um erro crasso na solução desta public choice, que trata o problema da maconha como questão de polícia e segurança pública, e não de saúde pública; ou, então, em aspectos metafísicos, meio dogmáticos, meio carola, tese reducionista de uma turma puritana que acha o baseado simplesmente uma coisa do capeta.

E é, se continuar a ser monopólio do crime organizado, a causar milhares de mortes todos os anos e a custar milhões em aparato e corrupção policialescos.

Mas acredito no bom senso e no progresso da Política e do Direito, com a revisão e a transformação de ideias e ideais.


Como, por exemplo, a liberação controlada, selada, carimbada, registrada e fiscalizada do cultivo e distribuição da maconha – e de modo ainda mais rigoroso do que acontece com fármacos, álcool e tabaco.

Afinal, a guerra contra o narcotráfico é uma estupidez, uma cretinice monumental.