terça-feira, 9 de janeiro de 2007

# os selvagens "homo sapiens"


Sobressalta o último acontecimento pop-jurídico, a inundar a rede de navegantes virtuais com discussões e comentários: o caso Cicarelli.

O fato, em si, é simples: uma famosa moçoila (manequim-atriz) e seu fidalgo parceiro estavam, à plena luz do dia, em uma coletiva e badalada praia da Espanha, na presença de centenas de pessoas, a manter relações impróprias, impudentes e impudoradas para aquele local e que culminaram em uma voyeurística relação carnal. Senão percebidos “apenas” pelos freqüentadores daquela praia, a muchacha e seu comparsa foram gravados, registrados, carimbados, rotulados e censurados por um fotógrafo de plantão. E palmas para a ele.

Dos toscos programas televisivos de ti-ti-ti, a novela salta para o colo dos tribunais, uma vez que a rapariga, impávida diante do ostracismo midiático ao qual se dirigia, enxerga um meio de (i) enriquecer, (ii) preencher os espaços asininos da mídia e (iii) apaziguar o seu ego – ou seja, aciona o poder judiciário, a deusa cega e equilibrante, a fim de ser promovida a justiça e fazer (sic) valer (sic) os seus (sic) “direitos” (sic).

Entretanto, tudo bem, se dessa forma entende a moça, que assim seja.... e que assim se cumpra o artigo 5º, XXXV, da Carta Maior. E, calma, pois esse disparate não é o maior.

Eis que o douto magistrado, em sua antecipada decisão de mérito (liminar de tutela inibitória), reconhece o pleito dos autores e manda retirar do mundo virtual o dito vídeo, para depois julgar o pedido indenizatório por danos morais etc.

Porém, sem pretender qualquer supedâneo em termos como “liberdade de expressão” – pois acredito que mesmo o direito à livre expressão deve ser cerceada se diante da esfera privada do cidadão –, a desrazão do pleito é a própria forma (e conteúdo, e agente motivador) do pedido, uma vez que os fatos mostram que os atos foram praticados em área pública, em um ambiente notoriamente público e no qual se apresenta um bastante presente público, inclusive, supostamente, repleto de crianças com baldinhos na areia e vovôs à beira-mar com varas de pesca – enfim, o cenário não tem quatro paredes.

Ao contrário da decisão do magistrado, que decidiu pela proibição da veiculação com a justificativa do vídeo "invadir a privacidade" e "macular a honra" do casal, uma vez ter sido feito sem o "consentimento" desses, a fundamentação para o provimento do pedido, se assim mesmo desejasse o juiz, poderia pelo menos se basear em outras razões – ainda que talvez tão exóticas, como, v.g., na circunstância do x-rated vídeo ser proibido para menores e, logo, ter de antevir com um aviso explicativo –, mas, nada condigno à via tomada por tal enleado enredo.

Em suma, mediante uma pretensa compatibilidade literal da lei espanhola com a brasileira, o destino correto de toda a conjunção teatral dos dois pombos deveria ser, ao contrário desse pré-desfecho, a simples prisão de ambos em flagrante delito, por “ultraje público ao pudor” mediante a prática de “ato obsceno”, com a devida ação penal e da qual adviria multa ou detenção de três meses a um ano. Nada menos do que isso, e nada for disso, pois é "socialmente justificável" que, a despeito da repugnável curiosidade mórbida que alimenta a maioria dos media, seja insistentemente mostrado como fim exemplificativo (e educativo) o erros desses dois silváticos, em descaso com a vida em sociedade, urbana e doméstica, diante do que o Direito não pode tergiversar para se opor.

Agora, motivar a decisão pela proibição do filme sob o alicerce da “invasão de privacidade” (sic) significa dar azo às mais transviadas posturas públicas, alheias ao bom senso, à moral, aos bons costumes e às regras de vida em sociedade; ou, então, que neste mundo instale-se às claras a filosofia hedonista, alcem-se bandeiras naturistas e edênicas e retorne-se às estacas preliminares da humanidade, nos moldes produzidos pela dupla.

Assim Senhora Justiça, doravante deve restar combinado que, neste verão dos baixos trópicos, passaremos a caminhar nus, eu e minha famosa collie, por diversas praças dos balneários brasileiros e, se perturbado por serôdias e reacionárias pessoas que insistirão em querer censurar-me e fotografar, e publicizar, a minha vida particular, clamarei por sua imediata tutela, pois, claro, exijo respeito pelos “direitos” à minha privacidade, à minha intimidade, à minha liberdade.